Agostinho Neto - O Poeta da Liberdade
Share
«AmanhecerHá um sussuro morno
sobre a terra;
degladiam-se
luz e trevas
pela posse do Universo;
sente-se a existência
a penetrar-nos nas veias
vinda lá de fora
através da janela;cresce a alegria na alma
a Vida murmura-nos doces fantasias.Tangem sinos na madrugada
vai nascer o sol.»Agostinho Neto
Político, médico e poeta, Agostinho Neto foi uma das mais ilustres personalidades da cultura e das letras angolanas contemporâneas. Patriota e nacionalista, Agostinho Neto tornou-se também no mais alto representante da luta pela libertação nacional. A propósito das comemorações dos 50 anos da independência de Angola recuperamos nesta edição a história fascinante de um homem que sempre se regeu por valores de independência, liberdade e igualdade de direitos, numa homenagem a uma das personalidades que mais contribuiu para fazer de Angola o país desenvolvido e livre que é hoje.
Nascido a 17 de Setembro de 1922, na província do Bengo, em Angola, Agostinho Neto ganhou o mesmo nome do pai, um catequista de uma missão americana em Luanda, sendo mais tarde pastor e professor nos Dembos, e de Maria da Silva Neto, professora. Crescendo num ambiente que sempre privilegiou o ensino, o jovem Agostinho Neto completou os seus estudos secundários em Luanda, no Liceu Salvador Correia, tendo depois viajado para Portugal para continuar a sua formação a nível superior na Faculdade de Medicina de Coimbra.
Homem de muitos talentos e paixões, Agostinho Neto foi reconciliando os seus estudos em medicina com a vida política. Em 1948, o ainda estudante recebe uma bolsa de estudos pelos Metodistas americanos e transfere a sua matrícula para a Faculdade de Medicina de Lisboa, cidade onde passa a residir e onde continua a sua actividade cultural e política. Mesmo vivendo em Portugal, a sua ligação a Angola nunca se desvaneceu. Exemplo disso mesmo é a parceria que Agostinho Neto estabeleceu com Amílcar Cabral, Mário de Andrade, Marcelino dos Santos e Francisco José Tenreiro para fundar o Centro de Estudos Africanos, com objectivos culturais, políticos e de afirmação da nacionalidade africana. Paralelamente, e ainda em Lisboa, Agostinho Neto funda o Club Marítimo Africano, instituição que serve de base para a comunicação entre os angolanos que se encontravam em Portugal e os que, em Angola, preparavam os alicerces do movimento de libertação.
A sua militância política chamou a atenção da PIDE, polícia política do regime fascista português, a ponto de a 23 de Março de 1952 Agostinho Neto ser preso. Este primeiro episódio de encarceramento duraria três meses e voltaria a repetir-se em Fevereiro de 1955. No entanto, desta segunda vez Agostinho Neto seria condenado a uns longos 18 meses de prisão.
Agostinho Neto não estava, no entanto, sozinho. As vozes do exterior contra a sua perseguição por parte das autoridades portuguesas foram-se tornando cada vez mais fortes. Em 1956 nomes importantes do mundo da arte e da cultura como Simone de Beauvoir, François Mariac, Jean-Paul Sartre e o poeta cubano Nicolás Guillén juntaram-se para assinar uma petição pela libertação de Agostinho Neto. A libertação aconteceu em 1957, pouco tempo depois de ter sido fundado o MPLA – Movimento Popular de Libertação de Angola.

Um ano após a sua libertação da prisão lisboeta, Agostinho Neto termina a sua licenciatura em medicina e no mesmo dia casa com a portuguesa Maria Eugénia Silva.
Homem sem temores nem preconceitos, Agostinho Neto rapidamente volta à sua vida política, fazendo parte do grupo fundador do Movimento Anticolonialista, que congregava patriotas das diferentes colónias portuguesas (Angola, Guiné, Cabo Verde, Moçambique e São Tomé e Príncipe) e que queria aplicar acções revolucionárias nas mesmas. As manifestações começam a subir de tom, bem como as escaladas de terror e as prisões massivas.
Por essa altura, em Novembro de 1958, nasce o primeiro filho de Agostinho Neto, Mário Jorge Neto. Pouco depois de Mário completar um ano, Agostinho Neto e a família deixam Lisboa e regressam a Luanda onde o médico abre o seu próprio consultório.
Poucos meses depois de estar a exercer medicina, Agostinho Neto é novamente preso, desta feita em Luanda. As manifestações em frente ao seu consultório médico foram-se tornando tão intensas que as autoridades portuguesas viram-se obrigadas a transferir Agostinho Neto para a prisão do Aljube. Pouco tempo depois, o médico, político e poeta é deportado para o arquipélago de Cabo Verde, e, mais tarde, volta à prisão de Aljube, em Lisboa.
Ainda preso, Agostinho Neto é eleito Presidente Honorário do MPLA e, como havia acontecido antes, o seu caso desperta a solidariedade internacional. No conceituado The Times são publicadas manifestações de protesto contra a sua prisão assinadas por figuras tão importantes como o historiador Basil Davidson, os romancistas Day Lewis, Doris Lessing e Iris Murdoch, o poeta John Wain e os dramaturgos John Osborne e Arnold Wesker. Em 1961, a Penguin Books edita o livro Persecution, da autoria de Peter Benenson, a denunciar a situação de nove presos políticos, entre os quais se encontra Agostinho Neto.
Em 1963, Agostinho Neto é finalmente libertado e, com a mulher e os dois filhos (entretanto foi pai de uma menina chamada Irene Alexandra) sai de Portugal e evade-se para Leopoldville, no Congo. Não fica, no entanto, muito tempo no país, já que aquele passa a dar apoio total à FNLA e não ao MPLA. Em 1968 muda-se para Dar es Salaam, na Tanzânia, onde continuará até 1975, ano em que Portugal reconhece a independência de Angola.
Agostinho Neto regressa a Angola precisamente a 4 de Fevereiro de 1975. Torna-se no primeiro Presidente da República de Angola, cargo que ocuparia até à data da sua morte, a 10 de Setembro de 1979, em Moscovo.
Durante o tempo em que esteve no poder foi guiando o país pela sua guerra civil, procurando sempre alcançar a paz, nunca abandonando a sua paixão pela medicina nem pela literatura. Na verdade, logo em 1975, Agostinho Neto foi um dos fundadores da União dos Escritores Angolanos, instituição que prevalece até hoje como uma das mais importantes nas artes angolanas. Foi também o primeiro reitor da Universidade que viria depois a ter o seu nome, a mais importante instituição de ensino superior em Angola.
O seu importante legado não passou despercebido nem após o seu desaparecimento. Na verdade, foram muitas as vozes que se levantaram em todo o mundo a lamentar a perda de uma das mais importantes personalidades da história angolana e mundial. A União Soviética atribuiu-lhe o Prémio da Paz de 1975-1976. A Universidade Pública de Angola, onde tinha sido reitor, passou a chamar-se Universidade Agostinho Neto; diversos poetas, músicos e escritores dedicaram-lhes letras, músicas e textos públicos, ruas ganharam o seu nome e foram construídos diversos monumentos. Mais importante do que tudo isto, Agostinho Neto permanece até hoje no coração dos angolanos e de admiradores em todo o mundo como um homem que perseguiu sempre a paz, a justiça e a liberdade, um homem que curava através da sua medicina, mas especialmente através das suas palavras, políticas e literárias. Angola não seria certamente o país que é hoje se não tivesse tido na sua história um homem como Agostinho Neto.
Texto: Andreia Barros Ferreira
Fotografia: Direitos Reservados
«Neto, I sing your passing, I,
Timid requisitioner of your vast
Armory’s most congenial supply.
What shall I sing? A dirge answering
The gloom? No, I will sing tearful songs
Of joy; I will celebrate
The man who rode a trinity
Of awesome fates to the cause
Of our trampled race!
Thou Healer, Soldier and Poet!»
Chinua Achebe