Aguinaldo Jaime, Presidente do Conselho de Administração da UNITEL

Aguinaldo Jaime, Presidente do Conselho de Administração da UNITEL

«Creio que a boa governação passa pela consolidação de uma efectiva separação de poderes […] e pelo reforço da rule of law»

 

Jurista económico de formação e gestor por excelência, Aguinaldo Jaime é uma das figuras mais marcantes da história económica recente de Angola. Do Ministério das Finanças ao Banco Nacional de Angola, da criação do BAI à liderança da Unitel, construiu um percurso pautado pela lucidez, pelo diálogo e por uma visão moderna do país. Fala com a maturidade de quem viveu a transformação de Angola por dentro e com a serenidade de quem continua a acreditar no seu futuro.

 

Que lições mais marcantes retirou da sua passagem pela política e pela gestão pública?

Por um lado, que a tomada de qualquer medida com forte impacto económico e social, para correção de desequilíbrios, seja nas variáveis reais, como nas variáveis macroeconómicas, deve ser sempre precedida de consultas aos parceiros sociais, de modo a que as soluções preconizadas sejam, na medida do possível, consensuais. Por outro lado, antes da adopção de qualquer medida de forte impacto socioeconómico, deverão, igualmente, ser elaborados estudos que procurem antecipar as consequências das medidas de política a aprovar, sobretudo sobre os grupos sociais mais vulneráveis e de menores rendimentos.


Qual foi, para si, o maior desafio de governar no período em que esteve à frente das finanças do país?

O país vivia, naquela época, uma situação de guerra, cujo financiamento era feito através de meios inflacionistas, com aumento da base monetária, sem qualquer correspondência com o aumento da oferta de bens e serviços, sobretudo no sector não petrolífero; não havia circulação de pessoas e bens e as minas eram omnipresentes em todo o território nacional, inviabilizando a actividade económica no campo. [] Estabilizar o valor dos bens e serviços e o valor da moeda era o maior desafio que se colocava aos decisores económicos, na altura, em paralelo com os esforços, a nível político, de se encontrar uma paz duradoura.


O que aprendeu como Governador do Banco Nacional de Angola que continua válido nos dias de hoje?

Embora seja defensor da tese da autonomia do banco central, estou convencido de que não é possível isolar a política monetária da política fiscal []. Retomo a questão da pedagogia preventiva, que deve preceder a aprovação de medidas estruturantes. Hoje, todos reconhecemos que o nosso sistema de pagamentos sofreu uma grande evolução com a introdução dos pagamentos electrónicos no país, o sistema Multicaixa. Para criar o sistema de pagamentos electrónicos, foi preciso criar a infraestrutura de gestão desse sistema, com a participação de todos os bancos, e do BNA na fase de arranque do sistema, ocorrendo o phase out da participação do BNA, após a fase de consolidação. O que as pessoas não sabem é que passei um mau bocado no Parlamento, quando fui apresentar a Lei, pois alguns Deputados, sobretudo da Oposição, viram na criação da EMIS um meio encapotado de distribuir recursos financeiros pelos integrantes da nomenclatura do regime! Aí terá faltado o trabalho de «magistratura de influência», de informação e formação pedagógica, antes do agendamento da discussão da Lei, no Parlamento, que teria tornado menos penoso o processo de aprovação da Lei. Hoje, o sistema Multicaixa é reconhecido por todos, Estado, empresas, instituições e famílias, como tendo contribuído para a modernização do sistema de pagamentos, que é actualmente também integrado pelas empresas de pagamentos móveis das operadoras de telecomunicações, incluindo a Unitel Mobile Money.

 

«Embora seja defensor da tese da autonomia do banco central, estou convencido de que não é possível isolar a política monetária da política fiscal []

O que significa para si ter servido o Estado e hoje servir o sector privado num país em plena construção?

Não é a primeira vez que sirvo o sector privado, já que fui presidente fundador de um banco privado, o BAI, hoje uma referência no sistema bancário nacional. Ter servido o sector privado deu-me uma maior sensibilidade para compreender a luta diária que os gestores privados conscientes, no nosso país, travam para garantir a manutenção do ciclo produtivo das suas empresas e o ininterrupto pagamento a fornecedores, trabalhadores, entidades financeiras, accionistas e, last but not the least, o pagamento regular de impostos ao Estado. Há gestores que são verdadeiros heróis, no nosso país, na busca diária de soluções criativas para garantir a sustentabilidade do seu negócio, numa conjuntura macroeconómica interna desafiante, a que acresce agora uma conjuntura internacional plena de incertezas, com reflexo perverso nos termos e condições dos financiamentos.


Como essas experiências têm influenciado a forma como hoje lidera a Unitel?

Na Unitel, tenho o privilégio de integrar um Conselho de Administração solidário e uma equipa de gestores e técnicos muito capaz, graças aos esforços permanentes de pesquisa e capacitação desenvolvidos pela administração, com o apoio da tutela, dos accionistas e do Regulador do sector. Em conjunto, temos sabido, com maior ou menor dificuldade, encontrar soluções que derivam de um quadro macroeconómico desafiante e de uma indústria que faz uso de uma tecnologia em constante evolução. [] A minha tarefa tem sido a de ser, sobretudo, um facilitador na criação e no reforço de um ambiente organizacional interno de diálogo, de concertação e de cooperação entre todos os stakeholders. Só assim, com o esforço de todos, tem sido possível manter a posição de liderança que a Unitel vem ocupando no mercado nacional de telecomunicações, fidelizando os seus mais de vinte milhões de clientes.   

 

O que considera ter sido mais transformador na economia angolana desde a independência?

A mudança, nos anos 80, do modelo de gestão da economia, operada pelo Programa de Saneamento Económico e Financeiro, que significou o abandono da gestão centralizada, onde o Estado era omnipresente, e a sua substituição pelo modelo actual, em que a intervenção do sector privado, nacional e estrangeiro, e de mecanismos de mercado na alocação de recursos na economia foi sendo uma realidade cada vez mais presente. Este modelo, que vem sendo refinado ao longo dos anos, tem permitido melhorar os níveis de eficiência, reduzindo o desperdício e o esbanjamento.


Na sua opinião, quais são os pilares da boa governação que Angola deve consolidar para os próximos 50 anos?

Creio que a boa governação passa pela consolidação de uma efectiva separação de poderes, entre os poderes legislativo, executivo e judicial, e pelo reforço da rule of law, na organização e no funcionamento das instituições em todos os sectores da actividade política, judicial, económica e social. Neste quadro, assume especial importância a resolução pacífica dos diferendos, entre o Estado, as empresas e os cidadãos, com o reforço do papel dos tribunais, que devem ser credíveis e transparentes na composição dos diferendos que vão sendo chamados a dirimir.

 

«Há gestores que são verdadeiros heróis no nosso país, na busca diária de soluções criativas para garantir a sustentabilidade do seu negócio [

Como avalia o papel das empresas nacionais, como a Unitel, na modernização do país e no futuro da juventude?

O sector das telecomunicações está, como já antes referi, em constante evolução e modernização, assegurando, no espaço nacional, e entre este e o estrangeiro, a interligação digital entre regiões, instituições públicas e privadas, empresas e famílias e modernidade e maior eficiência no seu funcionamento. A Unitel, como líder nacional do sector e com presença em todo o território nacional, tem procurando desempenhar este papel, oferecendo aos jovens a possibilidade de prosseguirem uma carreira de sucesso, onde a formação e a capacitação são constantes, pois só assim poderão operar hardware e software em permanente modernização e estar à altura dos complexos desafios colocados pela indústria, a nível global. Além disso, a Unitel vem tendo uma presença marcante, no quadro da sua responsabilidade social, em sectores como a educação, saúde, desporto, cultura e artes, complementando a ação do Estado.


Que valores ou princípios sempre levou consigo, tanto na política como no sector empresarial?

Respeito pelo próximo, independentemente da sua condição social ou económica; espírito de tolerância e de diálogo, sem considerar as convicções políticas, filosóficas ou religiosas uma barreira impeditiva da convivência humana; e crença no mérito e na competência, como condição sine qua non para a promoção dos colaboradores.


Se pudesse dar um conselho aos futuros líderes de Angola, qual seria?

O meu conselho seria que seguissem o exemplo de tolerância dado pelo Presidente José Eduardo dos Santos, aquando do fim do conflito armado em Angola, ao poupar a vida dos seus outrora inimigos e acolhê-los no seio das instituições do Estado; e pelo Presidente João Lourenço, ao reconhecer, recentemente, o contributo dos signatários dos Acordos de Alvor, Agostinho Neto, Holden Roberto e Jonas Savimbi, para o alcance da paz em Angola. São exemplos de atitudes patrióticas, de valorizar a nossa condição de angolanos e o espírito de reconciliação e de perdão.

 

Texto: Carla Martins
Fotografia: Pedro Soares

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