Chef Ricardo Braga - «A independência permitiu resgatar pratos, valorizar ingredientes e afirmar a nossa identidade.»

Chef Ricardo Braga - «A independência permitiu resgatar pratos, valorizar ingredientes e afirmar a nossa identidade.»

Acredita que a gastronomia é uma expressão viva da identidade angolana: feita de memória, afectos, sabores intensos e respeito pelas raízes. Para o Chef Ricardo Braga, cozinhar é honrar a tradição, valorizar o produto local e projetar Angola para o mundo. «Teimosa da Banda» é o seu projeto mais recente, que procura promover os sabores do país. 

Como é que a sua formação em Portugal influenciou o seu percurso?
Foi determinante. Deu-me base técnica sólida e um olhar mais atento para ingredientes e processos. Essa experiência fez-me valorizar ainda mais os sabores da nossa terra, não apenas pelo gosto ou valor cultural, mas também pelo seu potencial gastronómico.

O que define a essência da cozinha angolana?
É uma cozinha de alma, de tradição oral e de memórias passadas de geração em geração. Vive de ingredientes locais como a ginguba, o óleo de palma, o peixe seco, o feijão, a mandioca ou a gimboa. Mais do que receitas, é uma cozinha que une, celebra e cura.

Fale-nos do projecto «Teimosa da Banda».
É o meu projecto mais recente, que procura promover o sabor de Angola. Acredito que antes de reinventar um prato é preciso conhecê-lo a fundo. Por isso, valorizo o produto angolano e aplico técnicas contemporâneas sem mexer na alma do sabor. Não se trata de apagar a tradição, mas de a ampliar, mantendo a sua essência.

«[...] precisamos apresentar a nossa gastronomia com orgulho, consistência e qualidade.»

E como encara a autoria numa cozinha de memória colectiva?
Ser autor é um acto de responsabilidade. A gastronomia angolana vive da herança de mães, avós e comunidades. Quando crio, dialogo com essas memórias. A empada de moamba de ginguba, o pincho de frango das ruas de Luanda ou a bolinha de peixe seco com maionese de calulu são exemplos de pratos que trazem esse diálogo entre passado e presente.

A diversidade de Angola é também uma inspiração?
Sem dúvida. Cada província tem sabores, técnicas e rituais próprios. Essa pluralidade cultural é uma fonte inesgotável de inspiração que me permite unir tradição e inovação.

A cozinha angolana pode conquistar o mundo?
Acredito plenamente. Temos autenticidade, sabor, história e identidade. Não precisamos adaptar-nos a gostos externos; precisamos apresentar a nossa gastronomia com orgulho, consistência e qualidade. Quando a tradição é respeitada, ela atravessa fronteiras.

«Quando a tradição é respeitada, ela atravessa fronteiras.»

Qual é o papel da sustentabilidade na sua cozinha?
Vai muito além da escolha do ingrediente. Envolve combater desperdícios, apoiar produtores locais, respeitar a natureza e educar equipas e clientes. O chef moderno deve ser embaixador cultural e agente de transformação social e ambiental.

Quais os ingredientes que melhor representam Angola?
O óleo de palma, a mandioca e as suas folhas, o funge, o feijão, a ginguba, o peixe seco, o gindungo e o marisco da costa. São ingredientes que contam histórias e carregam a alma da nossa cozinha.

Como é que a marca «Visit Angola» pode apoiar a gastronomia?
Pode projectar Angola como destino turístico autêntico, valorizando ingredientes locais, festivais e roteiros gastronómicos. Isso estimula o turismo interno, atrai investimento, melhora infra-estruturas e promove formação de cozinheiros, agricultores e vendedores de mercado. A gastronomia deve estar no centro da experiência turística.

Que balanço faz destes 50 anos de independência para a gastronomia?
A independência permitiu resgatar pratos, valorizar ingredientes e afirmar a nossa identidade. Hoje vivemos um momento de viragem: entre o passado que honramos e o futuro que queremos construir. Vejo uma cozinha cada vez mais respeitada, estudada e inovadora, mas sempre fiel à sua alma. A gastronomia angolana tem tudo para conquistar o mundo sendo exactamente o que é: diversa, rica e verdadeira.

«O chef moderno deve ser embaixador cultural e agente de transformação social e ambiental.»

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