Chef Helt Araújo «Angola tem todas as condições para se afirmar no mercado internacional […]».
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Criou a Fundação Ovina Yetu em 2024, um projeto nascido de um sonho, com o propósito de procurar conhecimento sobre a gastronomia angolana. Hoje, o empresário e chef de cozinha Helt Araújo resgata produtos típicos, técnicas, tradições e saberes ancestrais de Angola, devolvendo a sua importância ao mundo. Em entrevista à Villas&Golfe, fala-nos da importância de valorizar os produtos locais, de sustentabilidade e de um país que considera ter um enorme potencial para se afirmar no mercado internacional.

Fale-nos da Fundação Ovina Yetu e de que forma ela pode contribuir para o fortalecimento do agronegócio em Angola, valorizando os produtos locais e promovendo a sustentabilidade.
A Fundação Ovina Yetu é um projecto de investigação, registo, escrita e divulgação da história da gastronomia e dos produtos nativos angolanos, que contribuem para a resiliência e para uma alimentação mais sustentável.A Fundação nasceu, e está a desenvolver-se, devido à necessidade de haver um espaço que agregue todos os valores envolvidos na sua missão, que é o de proporcionar conhecimentos sobre o DNA da gastronomia angolana, dos seus produtos e técnicas, enquanto fomenta a preservação dos saberes tradicionais e da identidade sociocultural. A Fundação Ovina Yetu pretende desempenhar um papel essencial no fortalecimento do agronegócio ao promover práticas agrícolas sustentáveis, oferecer capacitação técnica e facilitar o acesso dos produtores locais aos mercados. Ao valorizar os produtos do campo, contribui para o crescimento da economia, para a preservação das tradições culturais e para a promoção da sustentabilidade, além de criar e desenvolver cadeias produtivas mais justas, o que beneficia os agricultores, as comunidades e os consumidores.
«A Fundação Ovina Yetu pretende desempenhar um papel essencial no fortalecimento do agronegócio […].»
Considerando que a produção agrícola nacional ainda não cobre as necessidades do país, que caminhos identifica para aumentar a oferta interna e reduzir gradualmente a dependência alimentar externa?
Para aumentar a oferta interna, o país precisa de investir em diversas frentes. Primeiro, é essencial garantir o acesso a insumos de qualidade (sementes, fertilizantes e tecnologias) e melhorar as infra-estruturas, principalmente as de escoamento. Em segundo lugar, a formação técnica dos produtores deve ser intensificada, com programas de extensão rural e de transferência de conhecimento adaptados à realidade de cada localidade. A organização dos pequenos agricultores em cooperativas pode também aumentar a sua capacidade produtiva e facilitar o acesso a financiamentos. Paralelamente, políticas públicas de apoio à produção nacional são essenciais para dinamizar o sector e reduzir a dependência alimentar.
A sustentabilidade alimentar vai além do acesso à comida — passa também pela sua qualidade e origem. Como vê o papel da gastronomia neste processo?
A gastronomia desempenha um papel estratégico na sustentabilidade alimentar ao valorizar ingredientes locais, ao promover dietas equilibradas e ao estimular a identidade cultural. Quando chefs e cozinheiros apostam em produtos da terra, criam uma procura que fortalece os pequenos produtores e encurta as cadeias de abastecimento. Além disso, ao educar o consumidor sobre as origens e os métodos de produção dos alimentos, a gastronomia contribui para escolhas mais conscientes e responsáveis. Em Angola, há um enorme potencial para que a cozinha tradicional, aliada à inovação, reforce o orgulho nacional e valorize práticas alimentares sustentáveis, respeitando a biodiversidade e promovendo o bem-estar.
Angola tem potencial para se afirmar no mercado internacional com produtos agrícolas e gastronómicos. O que falta para que essa projecção se torne uma realidade consistente?
Angola tem todas as condições para se afirmar no mercado internacional com produtos agrícolas e gastronómicos de excelência. O país dispõe de terras aráveis que permitem o cultivo de uma vasta gama de produtos — do café ao dendém, da mandioca à ginguba — além de uma tradição culinária rica e profundamente enraizada na identidade local. Este património é um activo valioso tanto do ponto de vista económico como cultural. Além disso, nos últimos anos, tem-se verificado um avanço importante no reconhecimento institucional deste potencial, prova disso é o Plano Nacional de Fomento ao Turismo (PLANATUR 2024–2027) que menciona claramente a promoção da gastronomia nacional entre as suas acções estratégicas, o que demonstra uma crescente valorização da cozinha angolana como vector de desenvolvimento. O nosso país tem uma herança culinária rica, autêntica e diversificada, com uma base de ingredientes nativos de alto valor nutricional e cultural. Muitos desses produtos ainda são pouco conhecidos fora das suas comunidades de origem, o que representa uma grande oportunidade de diferenciação no mercado internacional. A título de exemplo, o trabalho que tem sido desenvolvido pela Fundação Ovina Yetu é prova do imenso potencial oculto: já foram identificados mais de 3.000 produtos autóctones, e o processo de descoberta e valorização continua através do empenho de uma equipa técnica multidisciplinar composta por biólogos, engenheiros alimentares, agrónomos, antropólogos e sociólogos que trabalham incansavelmente para a descoberta e o registo de produtos que são originários da nossa terra. No entanto, para que a projecção internacional se torne uma realidade consistente, ainda há desafios a enfrentar. É necessário investir em infra-estruturas de produção e criar mecanismos logísticos eficientes. Além disso, capacitar produtores, cozinheiros e empreendedores do sector alimentar é fundamental para assegurar padrões de excelência e inovação.
«Em Angola há um enorme potencial para que a cozinha tradicional […] reforce o orgulho nacional […].»
Acredita que a aposta na agricultura e na alimentação pode ser um dos pilares para diversificar a economia e reduzir a dependência do petróleo?
Sim, claro. Acredito firmemente que a agricultura e o sector alimentar podem e devem ser pilares da diversificação económica do país. O petróleo, embora continue a ser uma fonte importante de receitas, é um recurso finito e sujeito a flutuações no mercado internacional. Já a agricultura tem um potencial renovável e uma capacidade inclusiva de gerar emprego, fixar populações e estimular a economia. Ao investir na produção agrícola, na transformação agro-industrial e na gastronomia, Angola pode criar um ciclode desenvolvimento que valoriza os recursos naturais, reduz importações, e assegura a segurança alimentar. Esta aposta estratégica tem o poder de reconfigurar o modelo económico nacional para um futuro mais resiliente e sustentável.
Texto: Carla Martins
Fotos: Direitos Reservados