EDINE CRESPO, SÓCIA FUNDADORA DO COCONUTS/CAFÉ DEL MAR

EDINE CRESPO, SÓCIA FUNDADORA DO COCONUTS/CAFÉ DEL MAR

«[…] não tenho dúvida que o meu trabalho inspira muitas mulheres, sobretudo por perceberem que sim, é possível .»

Sócia fundadora do Coconuts/Café del Mar, Edine Crespo é considerada uma das 100 mulheres mais influentes de Angola. A filha, Ana Catarina, agora Diretora Geral, assume o legado de um projeto com enorme reconhecimento no mercado nacional e que privilegia os fornecedores e produtos angolanos, veículos para um setor que é também cartão-postal de um país.

De que forma o Café Del Mar valoriza e utiliza produtos nacionais na sua cozinha? Há um esforço consciente em reduzir a dependência de produtos importados?
Sem dúvida, o investimento no sector agrícola foi um alívio significativo para os empresários da restauração, entre outros. Quando iniciámos a nossa actividade, em 1998, em plena época de guerra, a forte dependência da importação deixava-nos constantemente apreensivos quanto à disponibilidade diária de produtos agrícolas para atender os nossos clientes. Hoje em dia, já contamos com uma vasta rede de fornecedores locais, que vai desde pequenos agricultores a grandes produtores, o que nos permite fazer escolhas com base na qualidade e no preço. Privilegiamos sempre a produção nacional e apenas recorremos à importação de alguns produtos muito específicos - como lacticínios e carnes – quando  não encontramos no mercado local a qualidade necessária para manter os nossos padrões.

Que desafios tem enfrentado na obtenção de produtos agrícolas de qualidade produzidos localmente, e como isso impacta o funcionamento diário do restaurante?
O principal desafio que enfrentamos é a falta de consistência, tanto na qualidade dos produtos como na sua disponibilidade imediata. Por vezes, somos obrigados a antecipar ruturas de stock e até a retirar determinados pratos do menu devido à ausência de oferta local adequada. Outro ponto crítico são as oscilações de preços pois todas as variações no custo da matéria-prima têm um impacto directo nos nossos preços, o que inevitavelmente se reflete no menu.
 
Na sua opinião, o que falta para que Angola se torne realmente auto-sustentável em termos de produção agrícola e abastecimento alimentar?
Penso que é fundamental começarmos a considerar, com seriedade, o transporte de mercadorias por via marítima ou ferroviária. As actuais vias de acesso terrestres encontram-se, em geral, em mau estado, o que dificulta significativamente o escoamento dos produtos. Além disso, o custo do transporte rodoviário tende a aumentar devido ao desgaste constante dos camiões, o que torna ainda mais difícil fazer chegar os produtos das províncias - que são grandes centros de produção -aos principais mercados de consumo. Acredito que a criação de hubs logísticos regionais poderia também facilitar o armazenamento e distribuição eficiente, reduzindo custos e perdas no percurso.

«Penso que é fundamental começarmos a considerar, com seriedade, o transporte de mercadorias por via marítima ou ferroviária.»

O restaurante tem parcerias com produtores locais? Se sim, como essas parcerias contribuem para o fortalecimento da economia rural e para a frescura dos produtos servidos?
Sim. Conforme mencionado, a maioria dos nossos fornecedores são locais. Trabalhamos principalmente com frutas e legumes da época, o que garante frescura e qualidade aos pratos. Muitos dos produtores com quem trabalhamos estavam anteriormente na rede informal, e conseguimos fazer com que entrassem na economia formal. Acredito que estas parcerias acabam por ter um impacto directo para o crescimento sustentável dos pequenos produtores locais.
 
Como vê o papel dos empresários da restauração na promoção do consumo de produtos locais e na educação do consumidor sobre a importância da sustentabilidade alimentar?
Os empresários da restauração desempenham um papel importante na promoção do consumo de produtos locais, pois conseguem transformá-los de maneiras que nem sempre são óbvias para outros. Além disso, os restaurantes são um dos cartões-postais do país, o que nos permite apresentar ingredientes locais tanto aos clientes nacionais quanto internacionais. Acredito que, nos dias de hoje, já existe uma forma de sustentabilidade alimentar, ainda que, em grande parte, de forma inconsciente. Pelo menos no que diz respeito as frutas e legumes, pois, de uma maneira geral, tanto nos restaurantes como nos supermercados, encontramos predominantemente produtos provenientes das fazendas nacionais.
 
O seu Grupo tem alguma fazenda que produza?
O Grupo não possui uma fazenda dedicada à produção, pois o nosso foco está exclusivamente no sector da restauração. No entanto, temos uma horta no restaurante, onde já cultivamos e consumimos, exclusivamente, manjericão, caxinde, salsa, e rúcula.

Este ano passa o testemunho à sua filha Catarina - que legado espera deixar-lhe e que visão partilham para a continuidade do Café Del Mar?
A Catarina juntou-se a uma equipa onde muitos deles andaram com ela ao colo. Espero que ela tenha um apurado sentido de justiça, humanidade , solidariedade e respeito; são estes para mim os valores fundamentais da vida. O Café Del Mar é um desafio diário, tentamos sempre ser melhores e com a entrada da Catarina na equipa tenho sentido em vários aspectos da nossa actividade o impacto positivo do “sangue novo”. Estamos perfeitamente alinhadas em relação a investimentos num futuro breve e sobretudo na continuidade de um projecto que sem dúvida é uma marca no mercado nacional.

Foi recentemente eleita uma das 100 mulheres mais influentes de Angola - como encara esta distinção?
Sinto-me honrada pelo reconhecimento; são 26 anos de trabalho árduo feito com muita dedicação e amor, numa área muito complicada e desafiante e que se tem que ser muito resiliente. Encaro com muita responsabilidade pois não tenho dúvida que o meu trabalho inspira muitas mulheres, sobretudo por perceberem que sim, é possível. 


«O Café Del Mar é um desafio diário, tentamos sempre ser melhores […]»

 

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