Kostadin Luchansky - «Angola é o lugar onde aprendi a ver — e a sentir.»
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Há olhares que registam o visível e outros que revelam o invisível. O olhar de Kostadin Luchansky pertence a ambas as categorias. Búlgaro de origem, angolano de coração — e já de nacionalidade — fez da sua câmara um instrumento de memória e celebração. O seu trabalho mostra uma Angola autêntica — viva, diversa e luminosa — vista por quem aprendeu a amá-la por dentro. Fundador do Angola Image Bank, criou um verdadeiro património visual do país: um arquivo de belezas naturais, rostos, tradições e emoções que contam, em silêncio, a história de um povo orgulhoso, forte e cheio de vida. O seu trabalho é mais do que fotografia: é memória, é identidade, é homenagem.
Nasceu na Bulgária, mas chegou a Angola ainda adolescente e aí construiu a sua vida. O que o trouxe até Angola e o que o fez ficar?
Cheguei a Angola com quinze anos, acompanhando os meus pais, que vieram trabalhar para Luanda. Era 1990 — um tempo de contrastes, mas também de esperança. Devido à guerra, passei os primeiros quinze anos predominantemente em Luanda, mas sempre sonhando em conhecer Angola inteira — a Angola dos postais, dos mapas, dos atlas e dos livros que a descreviam. Quando a guerra terminou, comecei aos poucos a descobrir o resto do país — uma terra que me ensinou a ver o mundo de outra forma. O que me fez ficar foi essa força invisível que Angola tem — humana, luminosa e imprevisível. Sempre fui recebido de braços abertos e criei centenas de amizades que duram até hoje. Hoje sou também angolano de alma, de coração e por direito.
«Sempre fui recebido de braços abertos e criei centenas de amizades que duram até hoje.»
Ao longo dos anos, percorreu o país de norte a sul, do litoral ao planalto central, das florestas húmidas aos desertos, nomeadamente em expedições extremas da National Geographic. Que imagem o marcou mais profundamente?
É quase impossível escolher uma única imagem que me tenha marcado. Angola é um país de mil rostos — cada província é um mundo à parte, com as suas paisagens, luzes, gentes e tradições. Em todo o lado encontrei pessoas genuínas, de uma hospitalidade desarmante, guardiãs de culturas e rituais que o tempo ainda não conseguiu apagar. O Moxico — hoje dividido em norte e sul — talvez tenha sido o que mais me impressionou: pela vastidão das florestas de miombo intactas, pelas lagoas transparentes onde se pode beber água directamente das mãos, pelos inúmeros riachos e rios cristalinos, e pela sensação rara de estar num território ainda puro, onde a natureza dita o ritmo da vida. A Huíla, por sua vez, é um palco de contrastes. As manhãs frias, o ar fino das montanhas, os nevoeiros e depois — de repente — a descida vertiginosa pela estrada da Serra da Leba, onde as nuvens se dissolvem em neblina e o horizonte se abre para o deserto do Namibe. É um daqueles momentos em que percebemos que Angola é, mais do que um país, uma travessia entre mundos. As operações off-shore de exploração de petróleo e gás também me impressionaram imensamente pela sua complexidade e tecnologia avançada. Em Malanje, ver de perto a Palanca Negra Gigante — endémica de Angola e símbolo nacional — fotografar, filmar e contar as manadas com drone no seu ambiente natural, ajudando na preservação deste animal junto da Fundação Kissama e, em particular, com o Dr. Pedro Vaz Pinto… foram experiências sem igual.

O Angola Image Bank é hoje um arquivo visual notável e uma referência incontornável. Como nasceu essa ideia e qual é a sua missão?
Nasceu da vontade de organizar o caos bonito das minhas viagens. Fotografei Angola durante décadas e percebi que havia uma necessidade urgente de preservar, catalogar e partilhar esse património visual. O Angola Image Bank é uma ponte: entre o passado e o futuro, entre o olhar local e o olhar global. A missão é clara — mostrar Angola como ela é, com verdade e dignidade — e criar uma base de dados que sirva artistas, investigadores, meios de comunicação e futuras gerações. É o meu contributo para a memória colectiva do país.
A sua formação é em Biologia. Esse olhar científico influenciou a forma como fotografa?
Completamente. A Biologia ensinou-me a observar antes de agir, a ver em vez de apenas olhar, a compreender os ritmos da natureza, a reconhecer padrões invisíveis. Quando fotografo, aplico a mesma curiosidade que tinha no campo de investigação: procuro entender o comportamento da luz, o movimento das pessoas, a ligação entre o homem e o meio. O fotógrafo e o biólogo partilham o mesmo impulso — o de descobrir e documentar.
« O Angola Image Bank é uma ponte: entre o passado e o futuro, entre o olhar local e o olhar global. »
Que Angola quer mostrar ao mundo — a que vê ou a que sente?
Quero mostrar ambas, porque uma alimenta a outra. A que vejo é feita de cores, texturas e contrastes; a que sinto é feita de emoção, orgulho e resistência. A nossa Angola é viva, complexa e bela — uma Angola que não cabe em estereótipos, mas que se revela no quotidiano: num mercado, num pôr-do-sol sobre o mar, num gesto de solidariedade entre desconhecidos.
Como alguém que cresceu em Angola e se tornou angolano, o que mais o fascina no povo deste país?
A capacidade de recomeçar. É algo que admiro profundamente. Os angolanos sabem rir em dias difíceis, sonhar mesmo quando falta quase tudo. Há uma generosidade silenciosa, uma vontade de partilhar a vida. Aprendi com eles que o tempo não se mede em pressa, mas em intensidade. Angola ensinou-me a ter paciência, a ouvir, a confiar no instinto — e a nunca desistir.

Angola vive um processo contínuo de transformação. Que sinais de desenvolvimento mais o impressionam e que desafios persistem?
O dinamismo da juventude é o maior sinal de futuro. Há talento, há criatividade, há uma vontade de mudar. Mas o desafio está em equilibrar modernidade e tradição. O progresso é essencial, mas não pode apagar o que somos. As culturas locais, a relação com a natureza e a memória colectiva são tesouros que precisam de ser preservados. O verdadeiro desenvolvimento é aquele que valoriza as raízes.
«A nossa Angola é viva, complexa e bela - uma Angola que não cabe em estereótipos […]»
A fotografia tem o poder de criar memória e identidade. Sente que o seu trabalho ajuda os angolanos a reencontrar orgulho no seu país?
Espero que sim. Quando alguém me escreve a dizer que uma fotografia o fez lembrar a terra natal, ou que reconheceu ali algo esquecido, sinto que o ciclo se completa. A fotografia não é apenas estética — é pertença. É o espelho onde um povo se revê e se reencontra.
Depois de tantos anos, o que representa Angola para si hoje?
Representa casa, pertença e propósito. Angola é o lugar onde aprendi a ver — e a sentir.
É onde encontrei o meu olhar, mas também onde continuo a aprender todos os dias. É um país que me formou e ao qual devo quase tudo o que sou como pessoa e como fotógrafo.
«Os Angolanos sabem rir em dias difíceis, sonhar mesmo quando falta quase tudo. Há uma generosidade silenciosa, uma vontade de partilhar a vida.»