Roberto Medina - «Tudo pode ser fotografável, mas nem sempre é belo»

Roberto Medina - «Tudo pode ser fotografável, mas nem sempre é belo»

Em casa não gosta de espelhos ou de quadros com rostos, não é superstição, é gosto pessoal, garante. Os 51 anos em nada impedem o espírito jovem, que sempre se encontra onde a música e a fotografia estão. Roberto Medina é familiar à indústria musical, mas é no perfil de fotógrafo que se apresenta à V&G. Como profissional na área estreou-se não há muito tempo, mas como amador conta que já faz uns anos. O que lhe alimenta a alma é viajar, daí ter passado por Angola, Portugal, Inglaterra e Holanda. Quando não está no estúdio gosta de se dedicar à música e as viagens de carro são momentos que dedica à inspiração. Sobre a sua arte confessa ser impactante, sem ser agressiva. E assim o é: sensual, sem transvazar; provocante, sem ser polémica. Quando olha pela Sony A7R5, os pormenores são-lhe importantes, talvez mais importantes do que as palavras, porque essas ele prefere devolvê-las num só olhar, numa só expressão, numa só fotografia.

Guarda muitas memórias da infância em Angola?
Até aos 11 anos vivi em Angola. E, sim, tenho algumas memórias, principalmente da vertente musical. Quando era mais novo recordo-me de os meus irmãos mais velhos quererem formar uma banda na brincadeira... e, na verdade, foi aí que a música entrou na minha vida, em conjunto com os amigos. 

Da música à fotografia, como é que se desenrolou o seu percurso? 
Foi surgindo. Eu sempre estive inserido no domínio das artes, licenciei-me em Design for Digital Media e até já tinha começado com a fotografia. Não me formei em Portugal. Na verdade, fiz uma tentativa na Faculdade de Design, Tecnologia e Comunicação quando tinha 19 anos, mas depois a música meteu-se no caminho e acabei por me formar em Inglaterra, anos depois. A fotografia aparece como algo não propriamente planeado, mas, se tivesse de especificar um momento em que me tornei profissional, diria que foi há cinco anos. O meu primeiro trabalho profissional foi a exposição Afrikanizm Art, até lá guardava tudo o que fazia para mim. Penso que estava à espera de que surgisse um projeto assim. O desafio era o de fazer de uma cadeira protagonista, e assim o fiz, mas de modo que não sobressaísse em relação às modelos. A ideia, para além de ter a cadeira, era mostrar a beleza feminina. Tive homens a participar na sessão fotográfica, mas preferi não os incluir no projeto. Só tinha um ou dois e é sempre mais difícil conseguir com que eles façam parte deste tipo de projetos.

Acredita que este trabalho teria sido mais fácil de realizar em Inglaterra?
Sim, fácil no sentido comercial, de venda, porque no recrutamento de pessoas nem por isso. Só que em Angola as pessoas veem, gostam, mas depois acabam por ter receio de comprar e de mostrar a quem quer que seja. 

Considera que a sua arte é uma arte de impacto? 
Penso que sim, aliás, acho que deveria ser assim. Quero dizer com isto que é importante mudar certas mentalidades. A minha arte é de impacto, mas não é agressiva.

A mulher e a nudez são dois mundos que se cruzam nas fotografias que expôs na Afrikanizm Art. Na hora de fotografar, a objetiva tem limites?
A modelo nunca está completamente nua. Se reparar, há detalhes que não a deixam estar totalmente despida. Não é fácil, aliás, das cem fotografias que tiro, seleciono duas ou três. Cabe ao fotógrafo ter a sensibilidade de escolher as certas. Existe uma linhe ténue entre sensualidade e pornografia, pelo que se trata de um trabalho rigoroso. A ideia não é ver apenas um corpo, mas a expressão do rosto. Trata-se também da composição artística do quadro num todo, é sobre o espaço, a roupa, a posição...

«Há muita Angola que o mundo ainda não viu»

Como foi todo o processo por detrás?
A fotografia em si começa no estúdio. A minha máquina é uma Sony A7R5 e posso dizer que tive especial atenção à composição da luz. Servi-me de luz artificial, com projetor, flash e refletores. E, portanto, tirei as fotografias, selecionei-as e trabalhei-as em Photoshop. Quando digo que as trabalhei, não quero dizer que retirei todas as imperfeições, mas sim aquilo que se mostrou dispensável. Tudo depende do estilo e do projeto que se queira realizar. Mas neste em específico tentei misturar ficção e, para isso, utilizei alguns efeitos. 

Tudo é paisagem? Tudo é belo? Tudo é fotografável?
Tudo pode ser fotografável, mas nem sempre é belo, principalmente no domínio artístico. 

De que modo a câmara define um fotógrafo? 
Não creio que seja a câmara que vá definir um fotógrafo, até porque um profissional da área consegue trabalhar com qualquer câmara e o resultado será bom na mesma. Claro que, se a câmara for má, o resultado será inferior, mas depende sempre do projeto que se queira executar. Eu, por exemplo, tenho lentes que são caras e outras que custaram 20 ou 30 euros em segunda mão, mas que dão um efeito particular ideal para certos projetos.

O que é que o inspira?
Viajar e conhecer pessoas. Tudo o que seja novo é bom e inspira. Sempre que posso, viajo. 

E o que mais gosta de fotografar?
Eu gosto de street photography. Em Angola ainda não o fiz, mas gosto de retratar povos e locais. Penso também que as minhas preferências têm fases.

Que experiências ou países marcaram mais o seu percurso como fotógrafo? 
Uma pergunta difícil. Creio que Angola me marcou bastante. Desde que voltei a viver no país percebi que há muito para fotografar, e em diferentes registos. Há muita Angola que o mundo ainda não viu, daí achar que neste país conseguirei evoluir e reunir mais experiência.

Se tivesses de escolher uma paisagem em Angola para fotografar, qual seria?
A Serra da Leba.

Quais são os maiores desafios da área?
Perante o último projeto que executei, arranjar o contacto das pessoas certas é um desafio. Por exemplo, não optei por ir a uma agência para requisitar modelos, que se calhar chegavam, mostravam-se e já estava. Não. Eu gosto de passar pelas pessoas na rua e achar que dariam uma ótima fotografia, com determinada posição e luz. Talvez aos olhos dos outros não pareça haver potencial, mas eu analiso a fundo e percebo o que pode ou não ser ajustado. Então, para o último trabalho que expus, encontrei os meus modelos na rua. Cheguei perto deles, sem os conhecer, e lancei-lhes o desafio.

O que planeia para o futuro? 
Eu não penso num prazo além de um ano (risos). Este ano gostaria de fazer um projeto de rua, ir para sítios ditos «arriscados» e fotografar tanto pessoas, como arquitetura. 
Estou também com outra ideia em mente. Há uma vendedora que se encontra todos os dias na rua do Miramar. Está lá sempre, na mesma posição, com diferentes roupas e expressões. A minha ideia é fotografá-la durante um mês e fazer uma montagem com o material recolhido. Por outro lado, gostava também de apostar na parte musical. O género em que quero apostar não está bem definido, terá algumas particularidades africanas, mas não será kizomba ou semba, apesar de gostar. 

Fale-me do Roberto Medina.
Tenho 51 anos e sou pai de duas filhas. Nasci em Angola, os meus pais são cabo-verdianos. Estudei e vivi em Portugal, durante vários anos, fui viajando e vivi na Inglaterra e na Holanda. O Roberto é o mesmo Beto Medina dos tempos da música. 

Destaques:
«Gosto de passar pelas pessoas na rua e achar que dariam uma ótima fotografia»


Texto: Joana Rebelo
Fotografia: Edson Azevedo

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