
JORGE TEIXEIRA - Arquiteto e CEO da ADA-Atelier de Arquitetura
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«Inspira-me a capacidade de interpretação simbólica»
As autocaravanas que o pai desenhava e construía foram uma fonte de inspiração na infância, mas o mérito de bem desenhar e pensar é dele próprio. Jorge Teixeira, arquiteto há mais de três décadas e fundador da ADA-Atelier de Arquitetura, soma projetos singulares a nível nacional e internacional e muitas histórias para contar. Pioneiro no método passivhaus em Portugal, a consciencialização ambiental continua a ser a grande preocupação no seu exercício profissional.
Como surgiu o gosto pela arquitetura?
Surge por volta dos 11/12 anos. Os meus pais tinham saído de Lousado para o Porto e eu estudava na Escola Gomes Teixeira, onde tive a felicidade de ter um professor de desenho, também arquiteto, de cuja turma me tornei um dos melhores alunos. Eu tinha a felicidade de desenhar bem e, ao sábado, ele tinha a carolice de nos convidar para fazer aeromodelismo. Quando os aviões estavam preparados, íamos lançá-los ao aeroporto Francisco Sá Carneiro. Quando fui ao atelier dele e comecei a perceber o que era arquitetura, isso foi determinante para mim. Havia já uma vocação artística em mim, sem dúvida, mas a definição do papel de arquiteto devo muito ao arquiteto Mesquita. Fiz o curso de seis anos e foi um curso que me apaixonou completamente. Tive o privilégio de ter o arquiteto Siza Vieira como gestor do ano e depois o arquiteto Eduardo Souto Moura como professor. Ainda hoje tenho esquiços deles de análises aos nossos trabalhos, que conservo religiosamente.
E a criação da ADA? Era uma vontade?
O acrónimo ADA surge porque eu queria estar nos primeiros lugares das Páginas Amarelas. Na altura, o mercado era muito difícil e o meu nome começava por J, por isso foi a forma que encontrei de me posicionar. Sempre quis fazer o meu trabalho e sair de Portugal profissionalmente, tinha essa necessidade de criar um espaço meu. Nessa altura havia dificuldade de impôr um desenho e de não regredir 30 anos em relação às grandes cidades. Os primeiros clientes que me batiam à porta queriam uma casa tradicional, com pilares de granito, telhados e cheguei a recusar vários trabalhos. Mas consegui levar a minha identidade às pessoas. Tive a oportunidade de fazer um edifício icónico na Trofa, um edifício envidraçado curvo, que foi o meu primeiro escritório. Anos mais tarde, na China, fiz três centros comerciais, com uma distinção da China Retail. E foram inúmeros os projetos internacionais ao longo deste percurso, nomeadamente uma sede institucional da Vodafone em Moçambique.
Como vê a arquitetura em Portugal e a perspetiva que nós, portugueses, temos sobre os arquitetos?
Creio que a perspetiva mudou muito. Acho que o país deu um salto cultural muito grande. Os portugueses são muito engraçados, resistem muito mas quando se deixam conquistar amam perdidamente. Vou dar um exemplo: ainda hoje na Europa, se viajarmos pela Espanha, pela França, a tipologia e o design de habitação continuam a ser o tradicional. Hoje, em Portugal, já ninguém quer uma casa com esse tipo de design. Quando eu comecei o meu exercício profissional eu sofri exatamente o contrário, sofri essa resistência. Mas isto é viral, porque o português a partir do momento que percebeu que as pessoas com dinheiro começaram a fazer casas modernas, também quiseram. E isso levou a que as pessoas conseguissem perceber as grandes diferenças. Estar numa sala de estar, com um grande envidraçado na frente, ter o exterior no interior, poder presenciar uma tempestade ou um pôr de sol, é algo que permite um relaxamento numa vida atarefada muito grande. E isso não se pode trocar por mais nada. É evidente que o entendimento estético e conceptual é algo mais profundo e que os nossos liceus se têm demitido de o fomentar nas pessoas. Ninguém consegue amar o que não conhece. Mas quando explicamos a ideia conceptual às pessoas, elas entendem.
No que toca ao urbanismo e ao investimento público, considera que Portugal tem evoluído na forma como gere burocracias, planeamento, oportunidades?
Somos um país criativo, não é por acaso que temos dois Pritzkers. Hoje temos a mais cara e a mais larga infraestrutura per capita da Europa. Nem a Alemanha tem os custos infraestruturais que nós temos per capita. Esse é um dos grandes problemas de planeamento do nosso território e isso reflete-se na gestão. Os Planos Diretores Municipais, por exemplo, são essenciais, mas muitas autarquias acordaram para eles muito tarde. Alguns ainda são muito confusos, pouco explícitos e sem sentido estratégico. Houve muita imprecisão do levantamento real, poderíamos ter feito muito melhor.
A construção eco-friendly é uma preocupação quando pensa num projeto?
Sim, essa preocupação já começou quando me estava a acabar de formar, aquando da minha participação num seminário no Quebec. O Canadá foi o primeiro país com esta consciência ambiental. Na época de 80 para 90, desenvolveu um programa que queria tornar os edifícios mais eficientes e criar uma legislação em que os procedimentos construtivos permitissem um melhor isolamento térmico dos edifícios. Depois a Alemanha também começou a desenvolver esta temática, através do Professor Wolfgang Feist, que nessa época percebe que pode fazer uma casa difernte. Ele era físico e criou a certificação passivhaus. Quando ouvi falar na passivhaus, percebi que era isso que eu queria. Porque entendi claramente que o nosso clima é um clima que tem um inverno muito húmido e muito frio, e durante décadas se construiu sem preocupação com o isolamento térmico. Eu sou dos primeiros arquitetos a preocupar-me com isso e depois mais tarde com a passivhaus. Formei-me em Portugal nessa metodologia e consegui fazer algumas casas passivhaus. A verdade é que hoje os meus clientes vivem radiantes por ter uma casa com aquela qualidade ambiental. Uma das coisas que a passivhaus tem é que a filtragem do ar é renovada 60%/hora e a temperatura é completamente estabilizada ao longo do dia, da semana e do ano. Isso permite uma economia energética de 60/70%. Hoje em dia já temos muitas casas passivhaus pelo país. O ano passado fiz um Mestrado em Barcelona sobre construção circular e economia circular. Devo ser a única pessoa neste país com um mestrado nesta área e com um conhecimento muito específico do que é o desafio da construção nos próximos anos.
Sente-se a procura por um novo lifestyle nos pedidos dos clientes? Nomeadamente uma vontade da aproximação à natureza, um design mais minimalista, o conforto associado aos detalhes…
Sobretudo após a pandemia, mudou completamente o paradigma das pessoas que me chegavam ao atelier. Já não queriam uma casa grande, queriam uma casa simples, confortável. Portugal tem uma necessidade de comprar casa, de investir todo o esforço de trabalho na habitação. E nesse sentido, as pessoas ao comprarem as casas hoje em dia procuram uma casa mais sustentável e com construção mais rápida. Além disso, não querem estar só na natureza, querem estar com a Natureza. Há uma consciência muito forte sobre a necessidade de sintonia com a natureza, sobretudo entre as novas gerações, que são brilhantes neste aspeto. Querem é viver, experienciar, não são apegadas aos bens materiais.
Qual é o tipo de projeto que mais gosta de fazer? Há algum em particular que gostaria de destacar?
É uma pergunta complicada de responder, porque para quem já fez hospitais, que é talvez o edifício mais complexo, ou um laboratório nível 3… Mas uma casa, uma pequena casa, pode ser um projeto delicioso e um grande desafio para um arquiteto. Porque a casa encerra tudo. A casa é laboratório na cozinha, é hospital na casa de banho, é social e institucional na sala de estar, é familiar à mesa e é parte íntima em cada um dos quartos. Se for bem pensada e pensada à imagem de cada família, é um grande desafio.
Onde vai buscar inspiração? Tem alguma referência na arquitetura?
Inspira-me a capacidade de interpretação simbólica. As questões da filosofia, da simbologia, são algo que sigo há muitos anos. A escultura tem uma carga simbólica desde a antiguidade, é ancestral, como é o caso da escultura celta. E esta capacidade de entender o que estou a ver levou-me a tentar procurar o lado simbólico. E do lado simbólico levou-me a perceber que eu não consigo criar sem ter uma estrutura simbólica dentro de mim. Cada objeto para mim é um objeto exploratório e um momento de aprendizagem. Projetamos enquanto persona naquilo que criamos. O meu momento atualmente é um momento fractal. Acredito que o detalhe é a cosubstanciação do todo.
Para além da arquitetura e da escultura, como ocupa os seus tempos livres?
Gosto de estar com a família. Ocupo-me com questões que me trazem carga de conhecimento para o meu exercício profissional. Ocupo-me com a filosofia, com a história, com a arqueologia experimental e com as questões da ancestralidade. Estou em vias de formar uma associação celta.
Tem muitos projetos e sonhos por realizar?
Profissionalmente, quero desenvolver um lago de ondas para surf; é um projeto que temos para o país, já a ser preparado no Algarve. Mas o meu grande projeto neste momento é o de conseguir elevar o nível de experienciação das pessoas no turismo dentro da natureza, mas uma natureza preservada. Levar às pessoas uma nova consciencialização do ambiente e do mundo onde vivemos. Essa é a minha grande preocupação.
Texto: Carla Martins
Fotos: Ana Nogueira