![Luís Portela, Presidente da Fundação BIAL - «Talvez possa haver um desbravar na área da espiritualidade, feito pela ciência […]».](http://villasegolfe.com/cdn/shop/articles/K_LuisPortela.png?v=1758055057&width=1100)
Luís Portela, Presidente da Fundação BIAL - «Talvez possa haver um desbravar na área da espiritualidade, feito pela ciência […]».
Share
A serenidade das suas palavras é o um convite ao pensamento e à reflexão. Com um percurso visionário na área da saúde, Luís Portela, Presidente da Fundação BIAL, honra-nos com uma conversa onde a ciência e a espiritualidade se encontram, reflexo de um caminho científico que firma passos na história da humanidade.
«Tem sido muito agradável ao longo de 31 anos podermos apoiar o conhecimento científico e da medicina em geral.»
A Fundação BIAL completa 31 anos e é uma instituição de referência nacional e internacional, particularmente no âmbito da investigação em Neurociências e Parapsicologia. Tem sido um caminho enriquecedor esta missão de incentivar o estudo científico do ser humano, tanto do ponto de vista físico como espiritual?
Tem sido muito agradável ao longo de 31 anos podermos apoiar o conhecimento científico e da medicina em geral. Temos três prémios, o Prémio BIAL de Medicina Clínica, o Prémio BIAL Award in Biomedicine e o Prémio Maria de Sousa que são prémios que incentivam o desenvolvimento científico em geral, nas ciências da saúde. Ao longo destes anos distinguimos alguns dos mais notáveis médicos e investigadores em Portugal e temos distinguido pessoas de topo a nível mundial. Também é muito agradável termos criado um sistema de bolsas de investigação científica que cobre duas áreas onde nós entendemos que há muito ainda para desbravar, que são a área das Neurociências e a área da Parapsicologia. Já apoiamos mais de 800 projetos, envolvendo cerca de 1900 investigadores, que é uma coisa que me deixa muito satisfeito. Há resultados muito interessantes em alguns casos, publicados em revistas científicas, que ainda não são muito do conhecimento das pessoas. Mas a ciência é assim e ao longo das próximas décadas as coisas irão sendo conhecidas e divulgadas.
Através da Fundação BIAL, deixa parte do seu legado?
Não perspetivo as coisas assim. Desde criança que ganhei o hábito de procurar fazer as coisas o melhor possível. Desejava fazer uma carreira médica e de investigação; gostei muito do contacto com o doente, com os alunos e com o meio universitário, mas a morte prematura do meu pai, com 50 anos, quando eu tinha 21, alterou a minha vida, e eu acabei por optar por deixar a carreira de médico investigador para me dedicar à empresa e honrar a memória do meu avô e do meu pai, dando continuidade ao trabalho bonito que eles tinham feito e do qual eu tinha muito orgulho. Portanto, ao longo da minha vida procurei fazer as coisas bem, ser correto e bom naquilo que procurava fazer. Não «bonzinho», não «banana», nunca gostei de assumir esse papel, mas ser uma pessoa correta, boa. E depois logo se vê. Se as pessoas são beneficiadas, se não são, já não estou a pensar nisso.
E é possível olhar a espiritualidade com as lentes da ciência?
Sim, considero que é possível e desejável. Durante muito tempo as pessoas foram separando as duas coisas-o que é da religião é da religião, o que é da ciência é da ciência-, e a espiritualidade foi ficando para trás. […] Felizmente, nas últimas décadas, começaram a aparecer alguns investigadores que, sob o rigor do método científico, começaram a estudar fenómenos descritos desde a antiguidade como milagres ou mistérios, e as pessoas começaram a tentar perceber o que era isso. Perceber o que era a transmissão de pensamento, a telepatia e fenómenos diversos. Isso, a meu ver, tem criado alguma raíz daquilo que poderá vir a ser o século XXI, em que talvez possa haver um desbravar na área da espiritualidade, feito pela ciência, que possa ajudar as pessoas a perceberem melhor o que estão a fazer na terra, a perceber melhor o que são em essência. E que não haverá razão para nos andarmos a acotovelar, a exterminar pessoas, animais, plantas. Penso que caberá à ciência desbravar esta área. Tenho alguma esperança que seja pela via da ciência que a humanidade possa ter um esclarecimento suficiente para ter um comportamento mais equilibrado à superfície da terra […].
Aos 12 anos pediu para deixar de ir à missa, por sentir que as respostas que lhe chegavam por via de uma educação católica não satisfaziam a sua curiosidade. A licenciatura em Medicina e a ciência ajudaram a encontrar essas respostas?
Quando tinha essa idade, impressionava-me muito o facto de a humanidade, sob o ponto de vista da fé, aceitar tudo e mais alguma coisa. Não sabia explicar, chamava-se milagre, mistério… e tudo se aceitava. Isto sob o ponto de vista da fé. Mas essa mesma humanidade, sob o ponto de vista da ciência, rejeitava as coisas. E eu achava um bocadinho estranho. Que humanidade é esta que parece que vive em polos opostos? […] E parecia-me que, de facto, o que era conveniente era o caminho do meio. Aceitar os fenómenos descritos na antiguidade, como estão descritos, mas estudá-los, e perceber se são fantasia ou são reais, e qual o tipo de explicação racional que existirá para eles. […] Esse foi o meu sentido de procura de descoberta na juventude, e por isso é que fui para medicina e investigação, para desbravar algum terreno e dar algum contributo para as pessoas perceberem melhor aquilo que é a vida e o nosso envolvimento neste planeta terra. […]
A pandemia trouxe, inegavelmente, um abanão social, nomeadamente na forma como devemos olhar para nós enquanto seres humanos, para a natureza, para a saúde. Considera que a ciência está preparada para acompanhar uma mudança de mentalidade que se vira mais para o que é natural?
Eu penso que as pessoas perceberam que a situação que se viveu na pandemia teve que ver com uma má utilização do livre arbítrio, da humanidade, que, de facto, na minha opinião, vive muito embriagada com a materialidade. […] Há muita coisa que as pessoas se habituaram a fazer e que não faz muito sentido. Procurar a exacerbação dos sentidos de uma forma fácil, o hiperconsumismo, o hipermaterialismo desenfreado em que vivemos. E portanto eu acho que as pessoas ponderaram que realmente há valores que estão para além disto. […] Considero que no pós-pandemia é natural que haja um maior número de cientistas a envolverem-se na investigação nestas áreas. Há um maior número de pessoas a procurarem encontrar-se consigo próprias de uma maneira diferente da que faziam antes, mas também há um maior número de cientistas, vindos da psicologia, da matemática, da fiolosofia, da física, que vão ponderando que será útil investigar nestas áreas. Aquilo que eu desejo é que no século XXI os seres humanos em geral se voltem mais para si, para a natureza, para uma forma de estar harmonioza na terra e que os cientistas possam dar um contributo nesse sentido, investigando áreas que ficaram para trás. […] Parece-me que a ciência pode dar aqui um bom contributo para que a humanidade tenha uma presença mais harmoniosa à superfície da terra.
Assistimos a uma procura pelo slow living, pela terra, por produtos biológicos, pelo olhar para dentro. A espiritualidade pode ser o caminho de desenvolvimento pessoal humano para viver em paz, sem ansiedade e em plena atenção? Como é que se consegue chegar a esse lugar?
Eu acho que quando se perspetiva a vida numa dimensão espiritual, tende-se a ter uma perspetiva mais abrangente das coisas. Tende-se a minimizar os factos físicos, a não os hipervalorizar. […] Eu acho que é importante que as pessoas, uma, duas vezes por ano, meditem um pouco, ponderem profundamente sobre aquilo que andam aqui a fazer. […] Não menos importante é, no nosso dia a dia, tirarmos 10 ou 15 minutos para ponderar se nas últimas 24 horas aquilo que fizemos está de acordo com os nossos grandes objetivos de vida, ou se nos afastamos, se fizemos coisas que consideramos erradas. E nesse caso, o que é que podemos fazer para não errar daquela maneira. Eu acho que esta é uma forma bonita de estar na vida. […]Acho que quando fazemos um processo deste tipo, com sinceridade, honestidade e transparência para connosco próprios, há um dia em que nós olhamos par trás e dizemos: venci aquele meu defeito. Venci-me a mim próprio. Já não faz parte de mim. E esses são momentos de grande vibração espiritual. […]
Como se chega a esse exame de consciência? Há várias formas? Porque somos todos diferentes…
Eu acho que as técnicas de relaxamento e as técnicas de meditação, que hoje são conhecidas em várias escolas, são muito úteis para nos conseguirmos encontrar connosco próprios. Eu, pessoalmente, gosto muito de me encontrar comigo, utilizando o relaxamento, a meditação, por via do silêncio. Mas admito que há pessoas que gostam mais de se encontrar consigo próprias por via da oração, ou ouvindo música, ou apenas sons sincopados, focando-se na sua própria respiração. Penso que é importante guardar os tais 15 minutos para diariamente se encontrarem consigo próprias. Considero que a higienização mental é absolutamente essencial, talvez mais essencial do que a higienização física que assumimos como hábito. Mas o que é importante é fazermos o percurso, é focarmo-nos em sermos melhores.
«Considero que a higienização mental é absolutamente essencial.»
Já escreveu uma dezena de livros em torno do tema da espiritualidade que se tornaram bestsellers. O que é que o move no papel social e científico que tem tido nesta área?
Eu acho que uma das coisas mais bonitas da vida é aprender. Se nós quisermos, todos os dias aprendemos. […] E eu gosto disso. E a partir de certa altura, achei que não tinha o direito de guardar para mim aquilo que a vida me vai ensinando, comecei a ter prazer em partilhar.[…] Escrevi durante 17 anos artigos de opinião no Jornal de Notícias, e foi isso que me criou o hábito de escrever. Depois, alguns desses artigos compilados começaram a dar os meus primeiros livros e tenho já dez livros publicados. Escrevo com muito gosto. […] O sentido é, sobretudo, a partilha.
Foi condecorado várias vezes, nomeadamente como Comendador da Ordem de Mérito, distinguido com quatro Honoris Causa, recebeu o Prémio de Neurociências da Louisiana State University… Em que medida esta materialização do reconhecimento assume importância na sua vida?
Eu acho que é bonito nós vermos o reconhecimento das outras pessoas. São três condecorações de Estado, são quatro doutoramentos Honoris Causa, e outras distinções portuguesas e estrangeiras, e de facto tenho-me sentido muito acarinhado pela sociedade em geral. Devemos ter algum cuidado em não nos enebriar com isso, mas é bom sentirmos o carinho dos outros, sentirmos que os outros percebem o esforço que estamos a fazer e que apreciam isso.
Para além do prazer pela leitura e pela escrita, o que gosta de fazer nos seus tempos livres? O que é um luxo para si?
Gosto imenso de estar com a minha família. Sou um homem de família, tenho um enorme prazer em estar com a minha mulher, com os meus filhos, com as minhas noras e genros, em estar com os meus nove netos. Também gosto de estar com os amigos, naturalmente. E gosto muito do contacto com a natureza, muito. […] Há mais de 25 anos que gosto de passear de bicicleta, sobretudo quando posso atravessar uma mata, passear junto à beira mar ou beira rio. Ou passear a pé, que também gosto muito. Agora que estou reformado, praticamente todos os dias passeio de bicicleta ou a pé.
Qual é o seu livro favorito?
Há muitos livros de que gostei bastante, mas digo um que é pouco conhecido, nomeadamente no ocidente, mas é um livro tão lindo, tão lindo… Chama-se «O livro do caminho perfeito», de Lao-Tsé. É um livro escrito há alguns milénios atrás e com uma atualidade realmente fantástica. As verdades de Lao-Tsé são as verdades do dia de hoje.
É um homem do norte, e no norte há um particular gosto por comer bem. Quais são os seus pratos favoritos?
Há bastantes anos que deixei de comer carne. Comer cadáver de animal de sangue quente começou a chocar-me um bocadinho. Não quer dizer que seja pecado e uma vez ou outra até como, mas muito raramente. Se for a casa de um amigo e me puserem carne, eu como. Mas, diariamente, como peixe e pratos vegetarianos. Não sou muito esquisito, gosto de comer bem. Desde coisas simples como uns bons filetes de pescada ou um bom arroz de tomate, até arroz de hortos que para mim é um pitéu. Mas também um arroz de marisco, uma açorda de marisco ou uma lampreia, um bom robalo ao sal…
Onde encontra o seu equilíbrio e de que forma aplica a espiritualidade na sua vida?
Procuro, uma ou duas vezes por ano, redefinir as minhas coordenadas, o meu propósito de vida, os meus grandes objetivos de vida. No dia a dia, faço todos os dias o meu exercício de meditação, de encontro comigo próprio e de afastamento desse turbilhão de coisas que anda aí à nossa volta. De uma perspetiva serena e tranquila, não egoísta. Parto do princípio que a harmonia universal é uma coisa que existe permanentemente, sempre disponível para nós todos. Mas às vezes andamos tão distraídos, que até parece que não existe essa harmonia universal. Para mim é importante estar 10 ou 15 minutos com essa harmonia e procurar estender isso ao longo das 24 horas do dia.
«Parto do princípio que a harmonia universal é uma coisa que existe permanentemente, sempre disponível para nós todos.»
Texto: Carla Martins
Fotos: Ana Nogueira