Chef Christian Rullán - «A simplicidade permite-nos viver o luxo extremo.»

Chef Christian Rullán - «A simplicidade permite-nos viver o luxo extremo.»

Na sua voz a frontalidade, simultaneamente espelhada num olhar que procura viver o mais simples da vida. O amor trouxe-o até Portugal, e foi em Guimarães que realizou o sonho de abrir um espaço próprio. Hoje, é no Le Babachris, categoria Bib Gourmand do Guia Michelin, que nos convida a desfrutar da sua cozinha, multifacetada e única. 

- Nasceu em França e foi criado em Palma de Maiorca. Como surge a paixão pela cozinha e o que o trouxe até Portugal?
A paixão pela cozinha surge por causa dos meus pais, que tinham um take away em Maiorca, numa cidade do norte, e foram um pouco pioneiros no take away nos anos 70. Por causa disso, no fundo, eu vivi sempre na cozinha. Mas antes de ser cozinheiro fui técnico florestal. Deixei a área para me dedicar à cozinha mas comecei tarde, já com 24 anos. Entrei numa escola de hotelaria e restauração em Palma de Maiorca e posteriormente na L’école Lenôtre em Paris, onde aprendi muito. Foi aí que tive todas as bases que tenho agora, bases francesas mediterrânicas. Cheguei a Portugal, graças à minha mulher, que me conquistou. Eu era aquele tipo inculto que não queria conhecer Portugal porque achava que havia muitos países mais interessantes e estava muito equivocado. Conhecer Guimarães há 13 anos atrás foi incrível, foi como conhecer o slow living da época, numa altura em que em Maiorca eu via o turismo de massas. Guimarães tem esta tranquilidade, este slow living, uma vida mais tranquila. Antes de me mudar para cá ainda tive outras experiências profissionais, em Maiorca e França, nomeadamente num restaurante estrela Michelin, mas depois decidi procurar um espaço para abrir o meu próprio restaurante.

- O Le Babachris é um projeto inspirado no amor, premiado pelo Guia Michelin. Fale-nos sobre esta história bonita.
O nome Le Babachris é a junção de Bárbara e Christian, o nome da minha mulher e o meu. Conheci a Bárbara em Vale de Isére. Apaixonámo-nos, talvez devido ao frio e à altitude… Houve depois um momento de separação, porque eu estive a trabalhar como chef privado para uma família em Madrid, e foi nessa altura que a Bárbara me convidou para vir conhecer Portugal, numa altura em que Portugal também estava a passar por uma fase de mudança. Eu era muito reticente porque na minha cabeça estava que a cozinha do norte de Portugal era muito tradicional e eu não faço cozinha tradicional, faço uma cozinha mais minha. Mas comecei a ver o que podia funcionar aqui no norte. Decidimos vir para Guimarães, também por ser um lugar mais tranquilo. Eu não queria criar uma moda mas sim uma tendência. As pessoas confundem muito isso. Eu não sou uma moda, sou uma tendência, tenho uma filosofia de vida, uma maneira de pensar. No mundo cabemos todos e tem de haver respeito. Eu queria criar uma coisa muito informal, mas onde os meus pratos dessem a conhecer que eu era um apaixonado e um profissional pela cozinha. 

- O que é mais importante para si quando cozinha?
Quando começo a cozinhar, ponho-me no lugar do cliente. Não vou fazer nada, nunca, que eu não goste, para dar ao cliente. O cliente quando vem aqui tem de ver que há um trabalho, uma pessoa por detrás de cada prato, comprometida com o seu ofício e que o faz com o coração, não apenas por dinheiro. Que lhe dá uma experiência. Que o sabor começa de uma maneira e termina com outra. Quando faço um prato, tento que o cliente desfrute dele ao ponto de se abstrair dos seus problemas, das suas coisas. O nosso ofício é surpreender gustativamente. A mim interessa-me o que está por detrás do visual. Parte-me o coração um cliente que vem aqui comer e está com o telemóvel, sofro com isso. E penso que se não tem 30 minutos para se alimentar, não sei o que está a fazer aqui. Pareço demasiado radical, mas o que acho é que as coisas têm de ser vividas.

- O chef Christian do Le Babachris é o mesmo chef que cozinha em casa?
Não, a Bárbara zanga-se mas eu não cozinho em casa. E aqui, desfruto da cozinha mas tem de haver disciplina e hierarquias. Porque o cliente não perdoa.

- No meio de uma sociedade muitas vezes engolida pelos excessos, há cada vez mais a procura de um slow living, que valoriza a apreciação do presente. Sente essa vontade nos seus clientes e na forma como apreciam os seus pratos?
Noto que os clientes chegam cá muito pelo «boca a boca». E se lhes perguntar como é o Le Babachris, não sabem bem explicar, porque há muita fusão. Há toques asiáticos, há mediterrâneo… Por exemplo, em Portugal há centenas de receitas de bacalhau. E eu inventei outra, a de um bacalhau pescado com anzol, muito mais caro, onde utilizo a parte do lombo e acompanho com um bourbon, que é um molho francês básico, feito com redução de chalotas, vinagre e vinho branco e adiciono uma proporação de manteiga. E, claro, tem um contraste que quando o cliente português prova… fica maravilhado. Uso sempre produtos com a melhor qualidade possível. E quando o cliente vem aqui, percebe que a comida é saudável. 

- Como escolhe os seus produtos? Privilegia o que é biológico?
Não é possível que os produtos sejam todos biológicos porque o cliente não quer pagar. Então, eu tenho de transformar. Nós, que estamos no Guia Michelin, e todos os que fazem cozinha de patamar médio-alto, não sabemos para onde caminhamos. Não podemos baixar os preços, porque isso é ir ao produto de quinta gama. Eu defendo o meu oficio, porque detrás dele há sabedoria, cultura de viagem, estudo, geografia, história, química, investimento. Mas claro que explicar isto ao cliente é difícil, não interessa ao cliente.

- O que faz para cuidar de si e desacelerar quando é preciso? 
Não sei fazer isso… estou num processo. Faço terapia e voltei a fazer exercício físico. Tento ter o copo meio cheio e não meio vazio. Não sei se foi sorte, mas identifiquei-me com um livro de filosofia estoica, que me ajudou bastante, sobretudo a entender algumas questões. Não tenho resposta para tudo mas tenho reflexão sobre tudo. Costumava stressar facilmente, era muito radical. Agora tento ver oportunidades nas coisas, ter mais calma. Não faço meditação e não sei meditar porque a minha cabeça está sempre a mil. Mas acho que a meditação começa quando tu perdoas a ti mesmo e às coisas que passaram na tua vida. 

- O que considera um luxo?
Luxo para mim é a minha liberdade. É o que faço. Por outro lado, sei que esse luxo implica uma grande responsabilidade, porque a minha equipa e a minha família dependem de mim. Mas poder tomar o pequeno almoço com a minha filha, levá-la à escola, vir a pé para o trabalho, estar a 10 minutos de casa… Se isto não é luxo, não sei o que é. A simplicidade permite-nos viver o luxo extremo.


Texto: Carla Martins
Fotos: Ana Nogueira

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