Chef Gil Fernandes- «A natureza é a minha maior fonte de inspiração.»

Chef Gil Fernandes- «A natureza é a minha maior fonte de inspiração.»

É na paisagem única da Fortaleza do Guincho que se inspira para criar cada prato, ou não fosse o mar o centro da sua cozinha. Entre três a quatro vezes por semana vai às rochas recolher algas e plantas marinhas, que são parte distinta do seu processo criativo. Numa conversa que «sabe a mar e a natureza», Gil Fernandes falou um pouco do homem por trás do chef e partilhou com a Villas&Golfe o amor à gastronomia ligada aos oceanos.

Fale-nos um pouco sobre como surgiu o gosto pela cozinha e o seu percurso nesta área. 
A paixão pela cozinha começou de forma muito natural. Cresci em Ribamar na zona Oeste, entre a horta do meu pai e a pastelaria da minha mãe, por isso sempre tive contacto direto com o produto, fosse na terra ou no forno. Mas houve também uma influência muito forte da minha avó paterna, que me levava ao campo para apanhar ervas aromáticas e medicinais. Foi aí que nasceu a curiosidade e o respeito por tudo o que é natural, sazonal e autêntico. Houve um episódio que também foi marcante para mim: com uns 10 anos, decidi fazer o jantar para a família. Não ficou grande coisa, mas lembro-me das gargalhadas à volta da mesa. Foi aí que percebi o poder da comida, não só para alimentar, mas para criar momentos.

Como é que a paisagem única da Fortaleza do Guincho influencia diretamente o seu processo criativo na cozinha? 
A paisagem da Fortaleza do Guincho é muito mais do que um cenário bonito. Todos os dias, ao chegar, olho para o mar, para a força do vento, para a luz que muda a cada hora. Isso influencia-me diretamente na forma como penso os pratos. Aqui há uma energia bruta, quase indomável, que me obriga a procurar equilíbrio, subtileza, mas também autenticidade. Apesar de não ser exatamente igual, há muitas semelhanças entre esta paisagem e o cenário onde cresci, em Ribamar. Por isso, cozinhar aqui, no Guincho, é criar no meu habitat natural. 

«[…] cozinhar aqui, no Guincho, é criar no meu habitat natural.»

É o próprio chef que muitas vezes recolhe alguns ingredientes marinhos, como algas, para usar nos seus pratos. O que o leva a fazer esta utilização, como faz esta recolha e como assegura que chegam à mesa com frescura e excelência? 
Vou às rochas três a quatro vezes por semana, dependendo das marés. Recolher algas e plantas marinhas faz parte do meu processo criativo, preciso de sentir o produto na origem para o trabalhar com verdade. Só colho o que está «maduro», no ponto certo, e apenas aquilo que sei que vou usar, em quantidades sensatas. Respeitar o ciclo da natureza é tão importante como qualquer técnica de cozinha. As algas são imediatamente acondicionadas em frio e chegam à cozinha com a mesma frescura e intensidade com que saíram do mar. É essa ligação direta ao território que quero que chegue ao prato. 

A linha que segue na sua cozinha envolve contemporaneidade, tradição e sustentabilidade. Como consegue equilibrar técnica com responsabilidade ambiental no seu trabalho diário? 
Não é o caminho mais rápido, nem o mais direto, mas é o único que faz sentido para mim e para a minha equipa. Trabalhar assim implica tempo, escuta e compromisso com o processo. A ligação aos produtores é estratégica nesta equação, em especial com a Quinta do Pisão com quem temos uma relação verdadeiramente circular, que envolve um processo de recompostagem; o lixo orgânico da Fortaleza é usado para fertilizar a terra da Quinta, que por sua vez nos fornece uma boa parte dos produtos de origem vegetal que usamos na cozinha. 

Tem alguma receita tradicional portuguesa que tenha reinventado de forma especial, com alguma narrativa ou memória ligada à paisagem do Guincho ou à sua própria vivência? 
Sim, o prato «Cabo da Roca: Lírio Tomates, Chorão das Praias» é fruto dessa narrativa, da forma como este território me toca e como o expressei no prato. 

Ao longo da sua carreira no restaurante, há algum momento ou prato que considere um turning point — algo que tenha reafirmado a identidade do Fortaleza do Guincho? 
Sim, «As Domingueiras: Cherne, Couve, Caldo do Cozido à Portuguesa»- uma reinterpretação do cozido à portuguesa que faz parte da memória de qualquer português e que trouxe de volta essa portugalidade à cozinha do Guincho. 

Os pratos servidos são tão visualmente marcantes quanto saborosos. Quais são os elementos visuais — cor, textura, apresentação — que considera imprescindíveis e que mais gosta de explorar?
A natureza é a minha maior fonte de inspiração - nas cores, nas formas, nas texturas e até naquela geometria perfeita que, por vezes, encontramos sem dar por ela. Observar o que me rodeia, seja no mar, numa paisagem rural ou até num simples passeio, dá-me ideias para criar pratos que são visuais, sim, mas que têm um sentido por trás. Gosto de explorar o contraste entre elementos - cores vibrantes, texturas inesperadas, composições equilibradas que respeitam o espaço no prato. A apresentação deve servir o prato, não distrair. No fundo, o objetivo é que cada criação respeite o produto, conte uma história e provoque curiosidade antes mesmo da primeira garfada. 

«Recolher algas e plantas marinhas faz parte do meu processo criativo, preciso de sentir o produto na origem para o trabalhar com verdade.»

Pensando no futuro da gastronomia e da cultura em torno do mar, quais os desejos ou metas para os próximos 5–10 anos no Fortaleza do Guincho e no seu percurso como chef? 
O mar está no centro da minha cozinha e vai continuar a estar. Nos próximos anos, aquilo que mais ambiciono é aprofundar ainda mais o conhecimento e a relação com o mar, não só como fonte de ingredientes, mas como ecossistema que precisamos de compreender, respeitar e proteger. Gostava de contribuir para uma abordagem mais consciente e sustentável da gastronomia ligada ao mar […]. Em particular, quero continuar a explorar o potencial das algas, que são um universo imenso e ainda pouco aproveitado em Portugal. […] Quem sabe até contribuir para o desenvolvimento de uma horta marinha na zona do Guincho, que permita melhorar esses ecossistemas e criar um modelo de produção sustentável, com base em conhecimento científico. 

Quando recebe um cliente que chega pela primeira vez ao Fortaleza do Guincho, o que mais deseja que ele leve da experiência: o sabor, a memória ou a emoção do momento?
Quero que o cliente leve os três: o sabor, a memória e a emoção. São estes elementos que, juntos, definem a verdadeira experiência gastronómica. Além disso, é fundamental que também perceba o que é a alta gastronomia e a hospitalidade portuguesa. No Fortaleza do Guincho, trabalhamos para que cada detalhe- do prato ao serviço- reflita essa união entre excelência técnica e um acolhimento genuíno.

Quando não está na cozinha, de que forma gosta de relaxar e onde busca novas inspirações — seja em viagens, artes, música ou até no contacto com a natureza? 
Como quase todos os cozinheiros, trabalho muitas horas e com horários muito exigentes, por isso, quando tenho horas vagas, gosto sobretudo de descansar e aproveitar o tempo com a família e os amigos. É esse equilíbrio que me ajuda a recarregar. De vez em quando, aproveito para viajar e buscar inspiração em outras culturas e sabores. E sempre que posso, gosto de pegar na prancha de bodyboard e apanhar umas ondas.

Que outra área, gosto ou atividade faz vibrar não o chef, mas o homem Gil Fernandes? 
As viagens, sem dúvida. Explorar outras culturas, novas paisagens, formas diferentes de viver, de comer, de estar, isso entusiasma-me profundamente. Gosto de sentir o mundo com todos os sentidos, e é nas viagens que muitas vezes encontro novas ideias, não só para a cozinha, mas também para a vida. O bodyboard também faz parte de mim. E claro, o futebol. Sou daqueles que vibra com o jogo, pela emoção, pela estratégia, pelo espírito de equipa. Dá-me aquela descarga de energia e entusiasmo que também acaba por se refletir noutras áreas da vida. 

 

Voltar para o blogue