Ricardo Marfim dos Santos - Infraestruturas: a base esquecida do agronegócio em Angola
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Muito se fala sobre o potencial agrícola de Angola — e com razão. Vivemos num país com terras férteis, recursos hídricos abundantes e clima favorável. No papel, temos tudo para sermos uma potência agroalimentar no continente africano. Mas, no entanto, a realidade é outra. O agronegócio angolano continua preso a uma realidade de baixo rendimento, informalidade e dificuldades logísticas. E há uma razão central para isso: a fragilidade das nossas infraestruturas.
Durante décadas, o país apostou forte no petróleo, deixando de lado setores estruturantes como a agricultura. Hoje, com a instabilidade de preços dos hidrocarbonetos, fala-se em diversificação. No entanto, não haverá verdadeira transformação do agronegócio se continuarmos a ignorar o papel decisivo das infraestruturas.
Falo de estradas, pontes, sistemas de irrigação, energia elétrica, armazéns, telecomunicações. Parece básico, mas basta sair de Luanda para percebermos as reais dificuldades. Sem estradas em condições mínimas, como transportar os produtos até ao consumidor urbano ou ao porto de exportação? Em alguns casos, o produtor perde parte da colheita antes mesmo de conseguir vendê-la.
A cadeia de valor do agronegócio depende de eficiência, da produção à distribuição. E isso só é possível com investimento sério e contínuo em infraestruturas. Armazéns e silos são fundamentais para conservar e armazenar a produção. A eletrificação rural permitiria não só mecanizar a agricultura, como também dar vida a pequenas agroindústrias locais. O acesso à água, por sua vez, é o que garante a continuidade da produção, sobretudo nas regiões mais áridas.
Há também a questão do acesso à informação. Em plena era digital, muitos agricultores ainda operam na base da experiência empírica, sem acesso a previsões meteorológicas, cotações de mercado ou mesmo formação técnica. A inclusão digital no meio rural não é um luxo, é uma necessidade. Com uma infraestrutura de telecomunicações adequada, o campo angolano pode tornar-se mais produtivo e competitivo.
Outro ponto raramente referido, é a infraestrutura de apoio: centros de formação agrícola, laboratórios, linhas de crédito acessíveis e bem estruturadas, por exemplo. Apesar de complementares, possuem um papel estratégico na modernização do setor.
Havendo vontade em transformar verdadeiramente o agronegócio em Angola, não podemos continuar a tratar a questão das infraestruturas como secundária. É necessário tratá-la como a fundação sobre qual toda a estrutura de desenvolvimento agrícola deve ser construída. Sem estradas, não há escoamento. Sem energia, não há indústria. Sem água, não há produção. E sem conectividade, não há futuro.
Investir em infraestruturas não é apenas construir obras; é criar condições para que o agricultor produza mais, perca menos e ganhe melhor. É permitir que o campo se conecte ao mercado, ao conhecimento e ao mundo. Angola não pode continuar a desperdiçar o seu potencial agrícola por falta de base. Está na hora de sair do discurso e agir com visão, estratégia e, acima de tudo, compromisso com o desenvolvimento real e sustentável do nosso país.
Ricardo Marfim dos Santos
CEO, Tecnovia Angola