
WANDERLEY RIBEIRO, PRESIDENTE DA ASSOCIAÇÃO AGRO PECUÁRIA DE ANGOLA (AAPA)
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«Angola tem uma responsabilidade alimentar importante no continente Africano e deve assumi-la.»
Presidente da Associação Agro Pecuária de Angola, Wanderley Ribeiro é a voz da classe empresarial para o setor agro. À Villas&Golfe fala do momento atual do agronegócio em Angola e da importância de posicionar o país no cenário internacional, desenvolvendo ideias e aplicando conhecimento científico.
Como descreve o momento actual do agronegócio em Angola?
Ao longo dos últimos 50 anos de arquitetura e construção da nossa soberania económica, a agricultura mereceu pouca atenção e consequentemente teve uma participação pouco expressiva neste processo. A dinâmica da nossa economia tem-se revelado insustentável para este modelo, sobretudo pelos riscos crescentes no domínio da (in)segurança alimentar, obrigando a uma revisão e reflexão profunda sobre o papel da agropecuária e a sua influência num conjunto de variáveis macro-económicas com impacto directo na vida do cidadão. De 2015 para cá, novas abordagens têm sido conhecidas, num esforço conjunto entre governo e empresários, buscando encontrar uma plataforma de entendimento que permita desenvolver de forma sustentável o agronegócio em Angola. A dimensão do esforço empreendido não é ainda compatível com os resultados preconizados, entretanto, a dinâmica revela uma nova abordagem de aposta e compromisso com o sector.
Qual é o papel da AAPA no sector agropecuário?
A Associação Agro Pecuária de Angola foi fundada em 2016 num contexto desafiador para a classe empresarial e para o sector. Primeiro, para promover alinhamento interno entre os produtores e, segundo, para assegurar a defesa dos interesses da classe junto das demais entidades, em particular com o Governo. Em linhas gerais o objecto social da AAPA é contribuir para a promoção e fomento da actividade agropecuária empresarial em Angola, defendendo e promovendo os interesses comuns dos produtores no plano interno e externo. Apesar de sermos uma associação de representação empresarial, as nossas abordagens estratégicas são transversais e inclusivas, observando sempre que possível o impacto e a dinâmica das medidas na agricultura familiar, pois reconhecemos o papel e a relevância que esta tem para o país.
Que tipo de apoio institucional e governamental tem recebido a AAPA?
Temos uma profícua plataforma de concertação com o Governo, que nos permite interagir com pouca burocracia com as principais entidades públicas e os seus líderes. Ter este espaço onde as nossas ideias e opiniões podem ser apresentadas e debatidas, dá-nos credibilidade junto dos nossos associados. Naturalmente, nem todos os temas que levamos para a mesa de concertação merecem a aceitação ou tratamento em tempo útil e há vezes em que o entendimento do órgão de tutela difere do nosso. Ainda assim, reconhecemos nesta divergência de opiniões, oportunidades de aprendizado e cooperação.
Que conquistas recentes destaca na agricultura e pecuária angolanas?
A principal conquista é termos conseguido colocar a agricultura e pecuária na agenda de prioridades do país, tanto em relação à necessidade de fortalecimento da segurança alimentar, como pelo desiderato da diversificação económica. Algumas medidas que considero relevantes são, por exemplo, a constituição do Conselho Nacional de Segurança Alimentar em 2024, e em 2025 o lançamento da Estratégia Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (ENSAN II); o lançamento da Estratégia Nacional de Reconversão dos Sistemas Agroalimentares 2026 – 2035, e a aprovação do Aviso 10 do Banco Nacional de Angola, um instrumento de financiamento à economia real em condições especiais. Estes são instrumentos e medidas que expressam a vontade política, mas nós temos tido dificuldades em converter estas medidas em resultado e impacto na dimensão que o país precisa. É aqui onde devemos aplicar o melhor das nossas capacidades para identificar a causa e mudar a abordagem.
Que estatísticas mostram a evolução do sector nos últimos anos?
Os dados oficiais do MINAGRIF apontam para o crescimento contínuo desde 2019 em todas as fileiras, esta tendência foi também revelada no crescimento de 6% que o sector teve na campanha agrícola 23/24. Naturalmente, para quem anda pelo interior do país, é notório este crescimento, sobretudo revelado no aumento das áreas de produção, há 5 anos eu fazia o trajeto de 500km Luanda - Luquembo e via apenas 2 fazendas a produzir, hoje no mesmo percurso já contabilizo 10 unidades produtivas.
Na pecuária, o cenário não é diferente, observa-se o aumento do efetivo bovino, suíno, avícola e é indiscutível a relevância do plantel caprino em todo o país. Na pecuária a análise dos dados carece de maior cuidado por existir ainda alguma discrepância entre as diferentes fontes, entretanto a FENACOOPA - Federação Nacional das Cooperativas Pecuárias de Angola defende um crescimento de 3,2 milhões de gado bovino em 2020 para 5.8 milhões em 2025. Os indicadores caminham em patamar em campo positivo, porém, ainda muito abaixo da necessidade real do país.
Quais são hoje as principais dificuldades e carências do agronegócio?
É preciso olharmos para o que temos ignorado, a tão almejada revolução verde da agricultura não está apenas nas terras, mas na germinação de ideias e na aplicação do conhecimento científico. Alguns desafios que considero estruturais para o desenvolvimento do sector são a definição clara do Plano Nacional de Desenvolvimento Agrícola; a revisão e definição integrada do arcabouço de políticas públicas para o agronegócio; a disponibilidade de financiamento desburocratizado; instrumentos financeiros customizados de acordo com os diferentes segmentos do agronegócio e compatíveis com o nível de maturidade dosector em Angola; o fortalecimento da capacidade institucional e a aposta séria no modelo e na estratégia de formação de quadros para o sector.
Em que produtos ou culturas Angola já é auto-suficiente?
A categoria raízes e tubérculos no Relatório da Campanha Agrícola (RCA) do Ministério da Agricultura e Florestas representa a nossa maior rubrica da produção nacional com pouco mais de 13 milhões de toneladas na campanha agrícola 22/23 dos quais a mandioca representa 81%. Estes indicadores colocam Angola como 4º maior produtor de mandioca em África. A participação de Angola no mercado global da banana é pouco expressiva, ainda assim a banana representa o nosso melhor caso de estudo e de sucesso no domínio da exportação alimentar. Estima-se que em 2023 Angola tenha exportado aproximadamente 10 milhões USD em banana, num mercado global de exportação de 14bilhões USD.
Como posiciona Angola no cenário internacional do agronegócio?
Angola tem uma responsabilidade alimentar importante no continente Africano e deve assumi-la. Uma breve comparação de Angola com os maiores produtores africanos de milho, trigo, soja e arroz, permite-nos compreender como nos equiparamos das referências do continente em volume de produção e os indicadores não são animadores. Esta situação revela a dimensão da oportunidade e do compromisso que deve ser assumido, sobretudo na alocação de recursos financeiros. A Zona de Comércio Livre Continental Africana (AfCFTA) vai exigir que sejamos mais eficientes nas nossas operações, dependendo do nosso nível de preparo a AfCFTA pode representar uma oportunidade ou uma ameaça, tanto uma como a outra exigem o melhor das nossas capacidades para lidarmos com esta nova realidade. No ranking da produção e produtividade agrícola, hoje temos pouco a oferecer se comparados à África do Sul, Nigéria, Quénia, Egipto, e outros.
Que iniciativas existem para defender e promover a produção nacional?
Há um conjunto de instituições (FADA, FACRA, BDA, FGC, REA), instrumentos e programas (Aviso 10, PRODESI, PDAC, MOSAP, taxas aduaneiras agravadas, etc.) e diplomas específicos, que visam defender e promover a produção nacional. Estas instituições e instrumentos estão devidamente caracterizadas para atender a segmentos específicos do agronegócio (produção, logística, comércio, etc.), através de produtos específicos. Este é um ajuste gradativo que temos observado ao longo dos últimos 10 - 15 anos, buscando conformar os instrumentos com a realidade do país e do beneficiário. Penso que estamos a dar passos relevantes neste domínio. É preciso reforçar a capacidade de assistência técnica aos produtores através de parcerias público-privadas, alocar os recursos financeiros destes programas, que precisam de ser dimensionados e calendarizados de acordo com a real necessidade do país e das metas que se pretende alcançar.
Que expectativas existem para o agronegócio nos próximos 10 anos?
Se não olharmos para o que temos ignorado e corrigirmos os problemas de base, vamos apenas crescer sem necessriamente desenvolver. Partindo do princípio que estamos todos comprometidos com esta causa e que aplicaremos o melhor das nossas capacidades e recursos para o seu pleno funcionamento, vamos observar nos próximos 10 anos: a consolidação de grandes investimentos que estão ainda em fase de implementação; a entrada de novos players no sector; o reforço da capacidade institucional do Ministério da Agricultura e Florestas, a aposta rigorosa em pesquisa e desenvolvimento, o desenvolvimento do Corredor do Lobito provocará um efeito aglutinador em torno do seu eixo central. Destaco também a aposta da agricultura familiar em culturas de valor agregado e de rendimento.
É também agricultor? Como descreve o seu percurso até chegar à presidência da AAPA?
Iniciei a minha relação mais intensa com o agro em 2015. Durante 3 anos ensaiei os modelos de produção que entendia serem mais adequados ao meu contexto, começando com a produção de hortifruti (HF). A minha trajetória nos primeiros anos de agricultura foi bastante solitária, período gerido por uma abordagem de tentativa e erro, e essa experiência saiu caro. Ao fim de alguns anos, senti a necessidade de me associar a quem estivesse a viver os mesmos problemas que eu e desta forma reverberar noutra frequência não só os problemas, mas também as propostas de soluções para o sector, foi aí que o associativismo apareceu como solução. Na minha empresa, tive que rever o meu modelo de negócio e a área de actuação, passando em 2018 a apostar na produção de cereais, com particular realce para a cultura do arroz. Desenvolvemos o modelo de negócio mais adequado ao desafio, definimos parcerias e avançamos com a operação que tem crescido ano após ano desde 2019, tendo em 2024 semeado 500 hectares de arroz, dos quais 25% em regime de inundação. Em paralelo, aventurei-me em 2017 como co-fundador de uma das primeiras startups agritech no país, mais uma missão de pioneirismo e repleta de desafios. A realidade é que esta empresa é hoje uma referência no domínio do fomento e assistência técnica agrícola, com 25 funcionários, presença em 5 províncias e mais de 10.000 hectares produtivos sob a nossa coordenação e supervisão. A minha relação com a AAPA tem início em 2022, a convite de um grupo de empresários de referência no sector, que além de apresentarem o desafio colocaram os seus ombros e mãos para tornar a visão possível. Estou neste momento no final do meu mandato, do triénio 2022 – 2025, e vejo que fizemos um bom percurso no lançamento das bases do espírito associativo dentro do agro.