Chef Vítor Matos

Chef Vítor Matos

«Acredito que vou viver noutros países para além de Portugal, porque preciso disso.»

Transmontano puro, no olhar e nas palavras. As memórias de criança, em Vila Real, no seio de uma família pobre, estão presentes num discurso recheado de histórias e de viagens, mas que nunca esquece as origens. Em dois anos, Vitor Matos passou de duas a cinco estrelas Michelin, tornando-se o chef mais premiado de sempre em Portugal. Arroz de cabidela, cozido à portuguesa e cabrito assado continuam a ser os seus pratos favoritos. 

Fale-nos um bocadinho da sua história… Como nasce o gosto pela cozinha e a vontade de se profissionalizar?
O início da minha história profissional tem que ver com a minha origem. Sou transmontano, de Vila Real, nasci numa aldeia chamada Jorjais, onde vivíamos do campo e do gado, no seio de uma família muito pobre. Os nossos telhados eram de palha e a nutrição era muito fraca. Não havia açúcar, não havia carne, apenas muitos vegetais. Mas éramos felizes, eu acho que era muito mais feliz do que sou agora […]. Aos 10 anos fui para a Suíça e passei a ser um emigrante. As memórias de infância, a falta das fogueiras da avó, a falta dos amigos, são lembranças que fazem a memória da gastronomia muito rica mas ao mesmo tempo muito pobre. E esse sentimento de faltar comida na minha infância faz-me passar por uma segunda fase em que vou para a Suíça, onde tenho tudo e mais alguma coisa e vivo aquele sentimento de descoberta. Comi o meu primeiro chocolate aos dez anos. A minha mãe era cozinheira na Suíça e a minha ligação à cozinha também tem muito que ver com isso, tem que ver com essas memórias. 

Ao longo do seu percurso, que experiências é que mais o marcaram?
Inicialmente, os meus pais não queriam que eu fosse cozinheiro, porque achavam que era uma profissão que não era digna dos estudos que eu estava a fazer. Cheguei a ir para a universidade e desisti, achei que aquilo não era para mim. Dos 15 aos 18 anos fiz o meu curso profissional, na Suíça, consegui fazer estágios na cozinha e não foi nada fácil. Tive de batalhar muito porque, infelizmente, os chefs para quem trabalhei eram xenófobos, maltratavam-me, davam-me pontapés, puxavam-me as orelhas, era maltratado diariamente, verbal e fisicamente. Fui até seguido por um psicólogo porque não conseguia enfrentar todos aqueles problemas. Eu acho que tudo isso me fortaleceu e muitas vezes choro a pensar no passado. […] Curiosamente, e por ser obstinado e não me deixar vencer, eu e uma amiga fomos os melhores alunos da Suíça de prática de cozinha naquele ano, que nos deu acesso ao Centro Nacional de Cozinha, onde participamos com os melhores jovens do mundo na área. Fiquei em sétimo lugar, à frente de países como Japão, que têm uma formação incrível. Foi um início difícil, com três anos de estágio, muitos problemas, horários difíceis, a andar todos os dias uma hora a pé porque não tinha transportes para ir para casa, no meio da neve, mas essas dificuldades todas fazem aquilo que eu sou hoje, enquanto pessoa e enquanto profissional. Depois, vim para Portugal, com 19 anos. Comecei a procurar trabalho e fui dando os meus primeiros passos. 

Recebeu várias distinções durante este percurso e entrou recentemente para a história como o chef português com mais estrelas Michelin, acumulando cinco no total. A que é que sabem estas distinções?
No dia a seguir acordei normalmente. Não mudou nada na minha vida. Isto não muda a nossa vida, é uma ideia errada. Muda só uma coisa: traz notoriedade para as nossas equipas e para os nossos projetos. Acima de tudo, dá um balanço e um respirar nos negócios. A estrela é um peso enorme nos negócios e nenhum negócio sobrevive sem dinheiro, essa é a realidade. Fico muito contente porque as minhas equipas trabalharam, são focadas, vivem isto, respiram isto e para elas a estrela também é muito importante. E é isso que vale, o reconhecimento. Eu sou apenas uma cara por trás do projeto e da equipa. Esse reconhecimento é muito bom […] também para Portugal, porque traz cada vez mais um turismo que viaja para comer. 

O que é que distingue um prato do chef Vitor Matos? Quais são as suas principais influências?
Sinto que cada vez mais me influenciam as viagens. Memórias de um sítio, memórias de uma coisa que comi. Adoro comer em Espanha no restaurante de um amigo, o «As Garzas», um restaurante super pacato e tranquilo, em frente ao mar, onde me sinto em casa. É um dos locais que me influencia muito por causa do peixe, peixe bem cozinhado e uma cozinha de profundidade. São as memórias que nos trazem ideias. De Marrakech, as especiarias… Há 3 semanas estive em Bangkok, uma cidade complicada, que nos esmaga, que absorve. Mas vim de lá com as memórias dos sabores. 

Na confeção dos seus pratos, privilegia os produtos da época e da região? Costuma fazer compras no mercado?
Atualmente já não faço isso, mas quando estava no Porto, no Le Meridien, ia ao Mercado do Bom Sucesso. Neste momento são as minhas equipas que tratam disso. O que priveligio cada vez mais na minha cozinha é o peixe, mariscos da nossa costa, sabores que nos fazem viajar, nórdicos, asiáticos, do Brasil. 

O que é que distingue Portugal no que toca à gastronomia e aos produtos?
Temos o melhor peixe do mundo. Temos uma cultura muito enraízada de bons enchidos, boas carnes, bom pão, bons cereais. O que é nosso é único. O nosso mar é incrível, os nossos mariscos são incríveis. Os melhores chefs do mundo usam os nossos peixes e os nossos mariscos. Sem falar dos vinhos… Temos o vinho do Porto, único no mundo, mas cada vez mais começamos a dar cartas no vinho. Somos um país pequeno mas de conquistadores e poetas, temos de continuar a levar aquilo que é nosso além fronteiras.

Um bom chef precisa necessariamente de uma boa equipa?
Sempre. Não há bom chef sem uma boa equipa, não há outra maneira de ser. Nem preciso de responder mais nada. 

Qual é o seu prato favorito? O que mais gosta de confecionar e o que mais gosta de comer.
Os três pratos de que mais gosto, porque não consigo escolher entre eles, são arroz de cabidela, cozido à portuguesa e cabrito assado. Estes são três pratos para os quais eu viajo, se necessário, só para isso. Faço 300kms para ir comer uma boa cabidela. Daquilo que gosto na minha cozinha, posso dizer que adoro um bom imperador, que é um peixe sublime, que cozinhamos com vapor aromático, com especiarias. A simplicidade do produto é incrível, leva flor de sal e não leva mais nada, apenas o próprio sabor do peixe. Cada vez mais é importante a essencialidade do produto e que o que juntemos possa elevá-lo e não estragar. 

O que gosta de fazer nos seus tempos livres? Quem é o Vitor Matos para além da cozinha?
Já fui uma pessoa de estar sempre a comprar e a ler livros de cozinha. Neste momento, sou um colecionador de vinhos. Mas, atualmente, não consigo ter passatempo nenhum, nem tenho tempo sequer para comer fora. Creio que, pela ordem natural das coisas, cada vez mais vou querer viajar. Viajar para esquecer e para viver experiências fora de Portugal. Acredito que vou viver noutros países para além de Portugal, porque preciso disso.

Vive atualmente em Vila Real, ou seja, no interior do país. É aqui que encontra um equilíbrio?
Sim. Voltei à aldeia onde nasci, construí uma casa no meio do nada, longe de tudo, onde não ouço barulho, apenas dos meus cães. 

Que planos tem para o futuro?
Já sonhei em ter um cantinho meu, no sentido profissional. Mas às vezes mudo de ideias. Neste momento, vou dar continuidade ao que estou a fazer. Seria injusto para as equipas e para toda a gente deitar a toalha ao chão, depois de tanto trabalho. E há um ou dois projetos que também merecem chegar a um patamar superior. Tenho a plena convicção que dois dos restaurantes onde faço consultoria também vão chegar à segunda estrela Michelin.

Texto: Carla Martins
Fotos: Ana Nogueira

Back to blog