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José Mendes de Almeida

«A fotografia é um mundo onde cabe tudo»

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A paixão pela fotografia leva o médico cirurgião José Mendes de Almeida a viver duas vidas distintas. Com a mesma intensidade que dedica aos seus doentes, capta também momentos e singularidades que ficarão eternizados para sempre. O fascínio pelas linhas curvas, sombras e vivências humanas, que encontra por onde passa, já lhe deram livros editados e muitas exposições em várias cidades ao redor do mundo. Os primeiros passos de câmara na mão aconteceram em criança. Desde aí, percebeu que não podia trancar este talento dentro de si e deu-lhe liberdade. 

Começou a fotografar quando era criança?
Há uma fotografia minha com 8 anos em que se vê que estou com uma máquina, já a tirar fotografias. Muito mais tarde, frequentei o Instituto Português de Fotografia, que abriu em 1975. Fui logo lá fazer um curso. Naquela época, revelava e imprimia. Mas, na parte final do curso de Medicina, não tinha tempo e deixei de fotografar. Estive muitos anos sem tempo para este meu hobby. Porém, em 2003, estava em Nova Iorque e acabava de sair uma máquina fotográfica digital que oferecia alguma qualidade – creio que era a primeira desse segmento no mercado –, voltei a fotografar e não parei mais. 

A fotografia ficou em segundo lugar e a culpa foi das suas notas. 
Verdade. Logo a seguir a 1974, houve um ano com numerus clausus para entrar em Medicina, só contavam as notas do liceu. Eu estava na melhor turma de ciências, era bom aluno, mas não chegou. Não entrei e fui fazer Engenharia Química. Tive uma conversa com o meu pai, em que lhe disse que, no ano seguinte, voltaria a tentar, mas que, se não entrasse, iria para Vevey, na Suíça, fazer um curso de fotografia, que ele financiaria. Ele concordou e, quando chega o dia de ver as notas, percebi que tinha sido o primeiro a entrar na Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa. E foi assim, não fui fazer um curso de fotografia e fiz-me cirurgião. O meu pai deixava-me ser fotógrafo, mas uma pessoa que entra para Medicina no primeiro lugar não pode virar as costas e, ainda por cima, numa família de médicos. Se não entrasse naquele ano, teria sido fotógrafo e não médico. O meu pai gostava muito dos meus trabalhos, principalmente dos abstratos. Tinha muito orgulho. 

«O MEU PAI GOSTAVA MUITO DOS MEUS TRABALHOS»

A fotografia abstrata tem alguma razão de ser?
Fotografo várias situações, porque, se não formos mudando, ficamos prisioneiros de um tipo de fotografia e, a determinado momento, começamos a repetirmo-nos e fotografamos sempre o mesmo. Por isso, fui fazendo situações diferentes ao longo do tempo. Hoje em dia, faço muita fotografia de rua, porque não tenho tempo para mais e faz-me bem, mexo as pernas. Mas as fotos mais importantes que tenho são abstratas e deram um livro, chamado Curva

As linhas curvas chamam a sua atenção ou foi um acaso?
A linha curva é mais interessante do que a linha reta. Modifica muito a perceção conforme o lado em que a vemos. Já tinha feito um ensaio sobre sombras, também abstrato, que esteve exposto na Flórida e, a determinado momento, decidi fazer sobre a linha curva. Foi um trabalho moroso, porque é muito minucioso. É a preto e branco para realçar a forma. A capa do livro é um regador – gosto imenso dessa fotografia, esteticamente é boa. O processo que levou a que a fotografia nascesse foi incrível: um dia, a minha mulher apareceu com um regador em casa, percebi que tinha um design fantástico e comecei a descascar mentalmente a peça; coloquei-o na mesa da cozinha, que tem uma luz direta fantástica, peguei na máquina e comecei a fotografar. As fotos acabaram por descontextualizar o que é o objeto e fazem aparecer as linhas curvas. 

«SE NÃO FORMOS MUDANDO FICAMOS PRISIONEIROS DE UM TIPO DE FOTOGRAFIA»

Como prepara uma fotografia? 
Quando estou a fazer fotografia abstrata, olho para o conceito estético; quando faço street photography, olho para a vida humana. Eu não gosto da fotografia ensaiada. Já me disseram que não tinha um estilo próprio, mas não é bem assim, porque, se sei falar várias línguas, porque é que tenho de falar só português? Se sei fazer fotografia abstrata, que me dá gozo e as pessoas gostam, porque é que não posso fotografar o que vejo na rua? Ninguém tem de estar prisoneiro de um estilo. 

O que representa para si a fotografia?
É uma pergunta muito difícil de responder, porque podemos olhar para essa definição sobre vários prismas. A fotografia tem um espetro muito amplo, que vai do lado técnico ao registo documental, passando por um exercício intelectual. Mas, em resumo, a fotografia é um mundo onde cabe tudo.

«Só junto a cor quando ela acrescenta algo à fotografia»

A sua segunda vida já resultou em livros editados e muitas exposições.
Sim, já publiquei cinco livros e fiz exposições em vários sítios, como Lisboa, Nova Iorque, Florença e outros locais. Houve também uma fotografia minha numa exposição no Museu Thyssen-Bornemisza, em Madrid, e continuo a ser médico. 

Como é o seu processo criativo ou de captação de imagens? 
Tenho dois processos criativos diferentes: um é andar em busca de algo – no trabalho das linhas curvas, andava a procurá-las e onde as encontrava, fotografava –; outro é disparar para o que encontro pelo caminho. Em fotografia de rua, muitas vezes, vou disparando ou faço o enquadramento e fico à espera que apareça alguém para dar a imagem que pretendo. 

Nas suas imagens prevalece o preto e branco, a cor não o fascina?
Só junto a cor quando ela acrescenta algo à fotografia; caso contrário, faço a preto e branco. Há situações onde o preto e branco fica melhor; se quero realçar a forma, tenho de pôr a cor de lado. Há uns tempos, fiz uma viagem à Islândia, tirei imensas fotografias e vou converter tudo a preto e branco, porque fica mais dramático. A minha fotografia a cores é muito influenciada pela fotografia a preto e branco, devido à luz e às sombras. Também recuperei uma câmara antiga do meu pai e voltei ao analógico, e isso fez-me reviver o passado, apesar de a fotografia nunca ser passado. 


Foto: José Mendes Almeida
Foto: José Mendes Almeida
Foto: José Mendes Almeida
Foto: José Mendes Almeida
Foto: Nuno Almendra
Foto: Nuno Almendra
Cristina Freire
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