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Mário Roque – São Roque Galeria e Antiquário

«Ser antiquário é um mundo imenso»

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A paixão pelos objetos e pela história que cada um revela teve início quando Mário Roque, ainda criança, acompanhava a mãe, Maria Helena Roque, às feiras e antiquários na sua busca por raridades. Médico de formação e colecionador por mimetismo, aprendeu a viver com as duas artes, no entanto, a procura por relíquias portuguesas e internacionais levaram-no a perceber que a arte funciona como um antídoto ao desassossego dos dias. Assim, além da loja de raras antiguidades, empreendeu uma galeria onde são expostas várias expressões de artistas conhecidos e outros mais esquecidos. 
Tem duas grandes paixões (imagiologia e arte). Ambas se complementam ou é uma busca de equilíbrio? 
São de facto duas grandes paixões. Sou imagiologista e nutro um fascínio por arte e antiguidades, desde há longos anos, inicialmente como hobby e colecionador, posteriormente como antiquário. Neste contexto, olhar a imagem também é muito importante, mas sentir a peça é algo mais íntimo. Já em criança colecionava tudo: selos, moedas, postais, caixas de fósforos, relógios de bolso, óculos antigos, e tudo o que poderia ser colecionável. Estas coleções nunca duravam muito, porque, quando já tinha um número significativo de peças, mudava para outra. As que perduraram e me têm acompanhado são a de instrumentos de medicina antigos e a de pintura.

O seu historial de colecionador foi transportado para a loja onde estão peças de mundos longínquos e atuais. 
Na São Roque coexistem, ecleticamente, peças de mobiliário antigo e de vanguarda, pintura religiosa, naturalista, moderna e contemporânea, peças de cariz étnico e indo-portuguesas, num espetáculo visual e cultural abrangente. Ao mesmo tempo, promovemos objetos, artistas, obras, épocas e estilos, cujo valor intrínseco é reflexo de uma consciência atual que privilegia a comunicação e o entendimento com o espetador. Existem dois locais, na Rua de São Bento, o antiquário e a galeria, para que objetos, pintura e antiguidades revelem maior leitura e, assim, o visitante sinta a história e alma de tudo o que o rodeia. 

A arte está também muito presente nas suas escolhas. Foi um gosto de colecionador ou há outra razão? 
Ainda adolescente acompanhava a minha mãe às feiras e antiquários e, de certa forma, foi o seu fascínio pelos objetos que despertou em mim a vontade da procura e recuperação das peças que ia encontrando. É para mim uma sensação inexplicável descobrir uma peça, tocar-lhe e dar-lhe uma vida nova. Ainda na Bélgica, onde fiz o curso de Medicina, dava por mim à procura de objetos antigos. 

«Sou imagiologista e nutro um fascínio por arte e antiguidades»
E como se despede de uma peça ou objeto? 
No negócio, existe o comprar e o vender. Gosto mais de comprar, porque tem o encantamento de namoro, que me leva à busca, à escolha, e eleva o meu espírito de colecionador. Acredito que seja por estas razões que compro só o que gosto. Depois, há a venda, tenho de vender porque é isto que me possibilita voltar a comprar. Mas é como um divórcio, onde cada um segue o seu caminho e, por isso, nunca gostei de vender.

O que significa para si ser antiquário?
Tem um significado muito mais abrangente do que ser vendedor de antiguidades ou de arte. Se, por um lado, na aquisição, há estudo sobre as peças, que envolve peritos e historiadores de arte, por forma a garantir autenticidade; por outro, é indiscutível que os antiquários têm um papel fundamental na descoberta, proteção e conservação do património. E, no setor do antiquariato, existe também interação e estreita colaboração com museus e outras instituições, não só porque, muitas vezes, nos pedem para colaborar com peças nas suas exposições, como também os antiquários conferem aos museus objetos que valorizam as coleções expostas. E, na São Roque, promovem-se debates sobre peças relevantes, exposições de artistas, encontros de música, publicação de livros sobre temas relacionados com antiguidades e a nossa história; conferências, principalmente no estrangeiro, sobre peças significativas ou sobre arte portuguesa; ensino a alunos de mestrado; e aconselhamento a clientes, de forma a sentirem-se mais seguros nas aquisições ou nos seus investimentos. Posto isto, ser antiquário é um mundo imenso onde arte e antiguidades se abraçam para um bem comum.

Partir para novos mercados estava nos seus planos?
Cedo pensei na internacionalização. Eu e o António Afonso Lima, o meu partner, decidimos levar a São Roque além-fronteiras, há cerca de cinco anos, inicialmente com a participação na Bienal de Paris. A tomada de consciência sobre o desconhecimento que existia sobre a História e Arte portuguesa assim o exigiram. Pusemos mãos à obra, editamos um livro em francês e inglês com a história dos Descobrimentos e a arte de fusão, e apresentámos um stand temático e pedagógico sobre as viagens lusas, de África ao Japão, percorrendo todas as nossas possessões de forma sistemática. Todas as peças explicavam a fusão da arte com a cultura. O sucesso foi redundante e, desde então, temos repetido esta estratégia tanto em Paris, como recentemente em Bruxelas, esta última on-line devido à pandemia. De ano para ano, a adesão tem sido maior e, com isso, recebemos múltiplas visitas de pessoas que nos dizem que leram o nosso livro e ficaram tão entusiasmadas que se deslocaram a Lisboa para saber mais sobre Portugal e a nossa arte. A partir daqui, fui convidado para fazer conferências sobre arte portuguesa, em França e na Bélgica, e uma exposição em Paris sobre a faiança portuguesa do século XVII, a época áurea da nossa faiança. 

«Na São Roque coexistem, ecleticamente, peças de mobiliário antigo e de vanguarda»
E foi na Bienal de Paris, em 2018, que teve também uma surpresa. 
Sim, é verdade. A melhor peça da Bienal de Paris, uma das mais reconhecidas feiras de antiquário do mundo, foi uma peça nossa, uma salva portuguesa de cobre esmaltado e dourado do século XVI com armas reais portuguesas. O interesse nesta peça está no facto de existirem, à volta do brasão de Dom Sebastião, motivos africanos, sendo a primeira na Europa que se produziu unindo os dois continentes e onde o exotismo foi revelado como arte. Foi também a primeira vez que uma peça portuguesa foi premiada num certame e é um orgulho para todos nós. 

Como descobriu essa peça?
A peça estava com um colecionador há muitos anos, que a poderá ter comprado num outro antiquário e, segundo consta, essa salva do século VXI estaria na cozinha da casa. Resta acrescentar que o sucesso desta peça foi tão grande que os diretores do Museu Guimet, ao aperceberem-se da relevância da nossa faiança na introdução do oriental na arte europeia – que deu origem às primeiras chinoiseries –, no ano seguinte, pediram-me várias peças emprestadas para uma exposição sobre a porcelana Ming do período Wanli, com o intuito de mostrar a importância que a faiança portuguesa teve no desenvolver deste gosto.

«Os antiquários conferem aos museus objetos que valorizam as coleções expostas»

Quando a loja foi fundada, noutros tempos, conseguiu prestigiar o nome. 
Desde que a minha mãe abriu o antiquário, em 1990, sempre estive ao seu lado, embora exercendo atividade como médico. Não conseguia resistir e juntei duas paixões. Com isso, absorvi os seus conhecimentos e o seu imenso rigor. Em 2007, decidi abrir dois espaços com o António, pensando num local maior, mais dinâmico e multifacetado. Os tempos eram de facto outros, mas a minha estadia em Bruxelas, durante sete anos, deu-me uma visão mais internacional da arte e do mercado de arte. Sabia que tinha de promover uma mudança neste mercado em Portugal, de forma a tornar-se menos estático, mais competitivo e profissional, utilizando o modelo europeu. 

A galeria é também um espaço de exposições, tendo agora uma sobre as mulheres na pintura. 
Não pretendo ser galerista, no sentido da palavra. Mas sempre tive arte moderna que, mesmo no tempo da minha mãe, estava presente, por isso, e porque sinto que alguns artistas merecem mais carinho, comecei a realizar exposições abertas ao grande público. E, neste sentido, e depois de outras que já passaram por aqui, temos, até ao fim de julho A Tribute to Women. Artists in the São Roque Collection, onde vamos expor 91 peças de 40 mulheres pintoras, umas mais conhecidas do que outras, mas todas importantes, desde Josefa d’Óbidos, passando por Vieira da Silva, Paula Rego, Graça Morais, Maria Keil, entre outras. Este é um singelo tributo a estas mulheres, a quem as barreiras impostas por questões sociais, políticas ou culturais, impediram não apenas de seguir o caminho artístico, mas também de obter o seu verdadeiro reconhecimento nesse domínio. 
Cristina Freire
T. Cristina Freire
F. Nuno Almendra
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