Sente que a pintura tem obrigação de mostrar o belo?
O belo, por vezes, dói muito a pintar, até porque é necessário invocar recordações dolorosas. Eu pinto o sonho, aquilo que as pessoas gostariam de ser e que deveriam ter o direito a ser.
Pinta, no fundo, a utopia de um mundo perfeito?
(risos) Se calhar... Mas também é para mostrar que o mundo não é perfeito e que, para ser perfeito, devia ser como está nos quadros.
Tudo isto é influenciado pela sua infância?
Pinto muitos pássaros, muitas gaiolas, violas de lata, serenatas à noite sob o luar. São tudo pilares da minha memória, da minha infância e do meu crescimento.
Trocava algo na sua infância?
Não, não trocava nada. Olho para ela com prazer e com uma certa nostalgia. Eu costumo citar uma música da Mercedes Sosa que tem um verso com o qual me identifico muito: «Gracias a la vida, que me ha dado tanto». A vida a mim deu-me tudo, fui uma criança e um adolescente extremamente feliz.
Para além da infância em Moçambique, o que o influencia mais?
Eu sou um homem de Moçambique. Cresci lá e formei-me lá mas todos os dias surge algo novo. Toda esta vivência na Europa fez-me absorver algumas coisas. A minha pintura não se tornou europeia, mas foi influenciada pela minha vivência europeia.
Costuma ir a Moçambique?
A última vez foi há cinco anos, quando fui convidado para ir lá fazer uma exposição. As passagens são extremamente caras.
Continua a ter ideias novas com facilidade?
Sim, porque a vida todos os dias nos traz coisas novas. Amigos novos, amigos antigos que se reencontram, os casamentos… Fui casado quatro vezes e no fim há sempre a mágoa da separação, seguida de uma renovação e, muitas vezes, de uma nova paixão que traz um fluxo de criatividade. As coisas vão acontecendo no dia-a-dia.
Pinta todos os dias?
Todos os dias brinco um bocado: faço uns desenhos, uns riscos. A mão precisa de treino diário, isso é obrigatório.
Que exposições mais se orgulha?
Todas. Mas ao mesmo tempo todas me deixam uma certa insatisfação. Não está relacionado com ficar descontente com alguma coisa, é ficar com a sensação que há sempre algo além. No dia em que olhar e achar que está tudo feito, arrumo os pincéis e acabou. Eu gosto de expor, é sempre um desafio e assusta sempre um bocado, há sempre um julgamento, uma avaliação.
Tem curiosidade em saber o que as pessoas pensam quando olham para os seus quadros?
Os quadros têm que ter a capacidade de dialogar com as pessoas, de ter voz própria. E por vezes acontecem coisas estranhas: já vi miúdos pequenos que vão com os pais e depois não querem ir embora, se calhar atraídos pelas cores; também já me aconteceu ver gente que está perante um quadro e chora. E aí sabe-se que aquele quadro disse alguma coisa àquela pessoa.
Ter os seus quadros expostos é como despir a sua alma?
Nós quando expomos estamos a expor-nos. Estamos completamente despidos de qualquer mentira. A arte não se ensina, é pessoal e jamais pode ser baseada em mentiras. Em arte, tudo o que não seja honesto, não é arte.