Entre o Domingo Gordo e a Terça-Feira de Carnaval, ouve-se algo na aldeia de Podence, no concelho de Macedo de Cavaleiros, a 40 quilómetros de Bragança. Ouve-se e vê-se. Com frenéticos saltos, correrias e gritos, os Caretos andam à solta para perturbar a paz diária das suas gentes. Reconhecem-se pela indumentária. As personagens vestem coloridos e típicos fatos com franjas de lã, máscaras de lata ou couro e chocalhos à cintura. Inserido nas festividades de inverno, tão características na região de Trás-os-Montes e Alto Douro, o Carnaval de Podence também é conhecido como Entrudo Chocalheiro, uma prática social relacionada com o fim do inverno e o início da primavera. As «chocalhadas» e todo o comportamento performativo dos Caretos têm como principal alvo as mulheres, com quem eles tentam dançar e «chocalhar», divertidos e protegidos pelo anonimato.
O ato simbólico remete para uma possível ligação aos antigos rituais agrários e de fertilidade, muito diferente do que se observa nos dias de hoje. Assim, todos os anos, os mascarados diabólicos e misteriosos (cuja origem se perdeu no tempo) saem à rua nas festividades carnavalescas, interrompendo os longos, frios e silenciosos dias de inverno.
O ato simbólico remete para uma possível ligação aos antigos rituais agrários e de fertilidade
Na noite de Domingo Gordo realizam-se casamentos fictícios entre rapazes e raparigas solteiros, numa cerimónia trocista. Um momento de humor, em que não se admitem reclamações por parte dos noivos. Na manhã do dia seguinte, manda a tradição que o rapaz visite a rapariga que lhe calhou por sorteio, recebendo dela doces e vinho fino em gesto de agradecimento. Uma brincadeira que ninguém leva a mal.
Os mais novos, os que seguem e imitam os Caretos, são chamados de Facanitos e asseguram a continuidade da tradição de visitar as casas de vizinhos e familiares, num ritual de convívio. Muitos até vêm de fora, os emigrantes, que regressam com o objetivo vincado de quem tem no sangue a responsabilidade de dar seguimento à prática herdada de pais, tios e avós. Mas os tempos mudaram e com eles a tradição adaptou-se. Nos dias que correm, também já é comum a participação de raparigas, que à semelhança dos garotos, se iniciam na infância com a imitação dos mais velhos.
Saem à rua nas festividades carnavalescas, interrompendo os longos, frios e silenciosos dias de inverno
Na terra, a exibição destas figuras diabólicas é um dos eventos mais importantes do calendário, que cada vez mais atrai turistas, nacionais e estrangeiros, curiosos com tão peculiar tradição.
Em 1985, os Caretos de Podence organizaram-se e transformaram o grupo numa associação cultural. O objetivo era claro: preservar a História. Como símbolo da cultura do nordeste transmontano, estes mascarados têm sido convidados a participar em vários acontecimentos culturais e recreativos por todo o país. A Associação Grupo de Caretos de Podence tem assim tido um importante papel, garantindo a contínua viabilidade do Carnaval ao longo das últimas quatro décadas. A beleza e força da tradição, bem como a persistência e amor de quem à terra pertence, levaram a que os Caretos de Podence fossem declarados Património Cultural Imaterial da Humanidade, pela UNESCO, a 12 de dezembro de 2019.
