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Casa-Museu Amália Rodrigues

De Lisboa para o mundo

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No tempo das cerejas nascia Amália Rodrigues, às cinco horas e zero minutos do dia 23 de julho de 1920, ou, pelo menos, assim ficou registado, embora a artista festejasse no primeiro dia do mês. Os avós maternos criaram-na numa casa à portuguesa e em Lisboa fez vida. Foi engomadeira, bordadeira, trabalhou numa fábrica e só depois se tornou fadista, ainda que desde cedo não escondesse o potencial da sua voz. Cantou os melhores poetas, não fosse de admirar o seu gosto por poesia, que chegou a escrever. Deu a conhecer as obras de Ary dos Santos e Camões ao mundo, sem esquecer a presença nas salas de espetáculo e no grande ecrã, graças ao papel que desempenhou no cinema e no teatro. Poucos imaginariam que, da Lisboa antiga, surgisse uma voz que levasse a cinco continentes o choro e a saudade de um povo. Todos os amores e tristezas ainda são dela, porque Amália ganhou a eternidade.
De frente para o número 193, estamos na Rua de São Bento, na capital. A casa pintada de amarelo desvenda o seu propósito, a partir das letras sinuosas que indicam Casa-Museu Amália Rodrigues. A artista ali viveu por mais de 40 anos, numa casa pré-pombalina tipicamente portuguesa, que hoje pertence à Fundação Amália Rodrigues, como forma de concretizar os últimos desejos da mulher que não teve medo de cantar desconfortos. 
Para chegar ao primeiro andar, subimos a escadaria que a diva portuguesa calcorreou até ao fim dos seus dias. A sua presença sente-se por todo o lado: no azulejo português, nas loiças, no piano, nas cordas da guitarra portuguesa e no aroma nostálgico que envolve as divisões. Na sala de estar, as peças religiosas e os objetos de congratulação são em maioria, podendo ler-se, entre eles, «Amália Rodrigues (...) cantou (...) para os pobres de Lisboa». Ao lado fica a sala de jantar, onde cerejas padronizam o papel de parede, lembrando a sua chegada ao mundo. Foi ali que a fadista recebeu colegas e amigos, mas também desconhecidos, que batiam à sua porta para prestar agradecimento. Por momentos, decidimos ficar em silêncio, como que a imaginar as suas gargalhadas a ecoar entre as paredes. 

A artista ali viveu por mais de 40 anos
Atravessando a porta de madeira, entramos na cozinha e conhecemos Chico, o seu papagaio de 30 anos, que, entre visitas, lá solta um «chama a Amália», como se esperasse por resposta. A divisão é simples e branca, típica dos anos 50, mas nela avista-se um armário especial, que revela um dos gostos secretos da artista: o chá. O seu preferido era o Earl Grey, mas dentro do mobiliário reside uma panóplia deles, intocáveis desde que partiu. Para ela, tudo era bom com chá, até mesmo as sardinhas.
Dali até ao segundo andar há mais quadros e retratos, e, já no topo das escadas, consegue sentir-se uma aura feminina. Embora não fosse uma mulher muito vaidosa, Amália tinha as suas vaidades, como o perfume Joy, de Jean Patou, e os 219 pares de sapatos, número 36. Muitos julgavam-na alta, mas não imaginavam que os 1,58 m que tinha eram aumentados pelos sapatos de plataforma, que ficavam camuflados pelos vestidos longos que usava. Grande parte daquele piso é atravessado por um closet que comprova os seus gostos requintados. Yves Saint Laurent, Prada, Disandro, Bruno Magli e Mabelle são apenas algumas das marcas que assinam os vestidos de palco, mas, fora dos holofotes, eram os famosos balandraus e as socas de cunha que a fadista preferia. Na maquilhagem, optava por Christian Dior e, entre os acessórios favoritos, estavam os óculos de sol escuros, os lenços, as écharpes e os leques. As joias eram detalhes importantes, facto que justifica as mais de duas mil pedras preciosas de diferentes feitios e tamanhos em espólio. Perto delas fica o quarto de Amália, que ostenta uma aparência religiosa. Quadros, cruzes e terços em todos os cantos. Santos e Nossa Senhora do Carmo pousados na cabeceira, que a protegeram por tantas noites. A cantora rezava ali, afinal, para ela, tudo era vontade de Deus. A biblioteca é a última paragem, onde encontramos os gira-discos e os livros que não se contam pelos dedos. A fadista falava cinco idiomas: francês, italiano, espanhol, inglês e português, o que justifica a heterogeneidade das suas leituras. Entre alguns títulos que captam o olhar, lê-se, algures, Eu hei-de voltar um dia, o que nos faz questionar se alguma vez partiste, Amália... até porque na tua voz continuamos a ouvir um país inteiro. 
Joana Rebelo
T. Joana Rebelo
F. Nuno Almendra
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