Fora dos ecrãs,
como é a Catarina?
Quando não
estou a exercer a minha profissão de comunicadora, ou estou a fazer ações de
voluntariado, quer através da minha missão de Embaixadora de Boa Vontade do
Fundo de População das Nações Unidas, quer na função de presidente e fundadora
da associação sem fins lucrativos e ONGD Corações Com Coroa. E também aceito
muitos dos convites que recebo para dar palestras em escolas, sobre as matérias
dos Direitos Humanos e Igualdade de Género. Como prioridade na ocupação dos
meus dias, está, obviamente, o tempo disponível para os meus adolescentes (sempre
que eles aceitem!). Para além disso, cuido da minha saúde mental e física,
fazendo regularmente aulas de pilates, passeios, programas culturais e
escapadelas com amigas.
É uma
mulher de causas. O que a move?
Poder
contribuir diariamente, através da minha profissão e da minha condição de cidadã
com privilégios, para a tentativa de melhorar as condições de vida de quem
está em situação de vulnerabilidade social. É um propósito de vida. Eu só me
sinto completa e equilibrada, se a minha pegada tiver uma repercussão positiva
na vida de outras pessoas, sobretudo raparigas e mulheres, que são quem mais
sofre, no mundo inteiro e em Portugal, as discriminações, desigualdade de oportunidades
e escolhas e a violência de género. O facto de ser embaixadora do UNFPA há 24
anos, presidente da CCC há 11 anos e documentarista dos programas Príncipes do Nada, na RTP, há 18, tem-me
dado a informação concreta da realidade sobre as violações dos direitos humanos
e a noção clara de que este meu trabalho não remunerado é uma missão de vida.
A minha vida, mesmo enquanto figura pública, tem um sentido que vai muito além
do meu umbigo.
Tem vindo a
consciencializar o público para os Direitos Humanos. O que é que já conseguiu alcançar
e o que falta?
Com as
pessoas certas ao meu lado (e convém dizer que são muitas mais as pessoas que
tenho conhecido que fazem a boa diferença e que promovem uma solidariedade ativa
e horizontal do que as que só pensam em si próprias), tenho conseguido, através
de projetos que colocam as pessoas e os seus direitos no centro de todas as decisões,
pequenas grandes conquistas que se mantêm ao longo dos tempos. Por exemplo, ao serviço
do UNFPA e da CCC na Guiné-Bissau, em diferentes regiões do país, conseguiu-se
reduzir o número de mortes maternas, ergueram-se serviços na área da saúde
sexual e reprodutiva, planeamento familiar e saúde materna infantil, e
erradicou-se a prática da mutilação genital feminina. Através de iniciativas da
CCC, já concretizámos sonhos universitários de 35 jovens raparigas com bolsas
de estudo e apoio bio-psico-social. Também já reerguemos a vida de mais de 800
mulheres. Já chegamos a mais de 10 000 alunos e alunas, com o projeto CCC Que Vai à Escola, que combate a violência
no namoro e o bullying, mas também a pobreza menstrual.
É Embaixadora da Boa Vontade do UNFPA. Duas décadas depois, como olha para
o papel que a instituição assume no mundo?
Sempre com
enorme responsabilidade. É uma honra poder amplificar a voz de milhares de
pessoas (sobretudo meninas, raparigas e mulheres) que confiam no meu pequeno
poder para criar sinergias, para fazer advocacy
junto dos líderes políticos, parlamentares, ONGs, setor privado e sociedade
civil em geral, de forma a atenuar as imensas desigualdades que sofrem todos os
dias.
«Preocupa-me
também o presente e o futuro dos jovens»
É, também,
fundadora e presidente da associação Corações Com Coroa. Ajudar o próximo sempre foi um dos seus objetivos de vida?
O nosso
trabalho é visível, transparente e comprovado através dos testemunhos na
primeira pessoa. Acredito que, se o exercício da responsabilidade social e corporativa
das empresas tiver, cada vez mais, um papel determinante, como escolha para o
ADN da própria empresa, o apoio aos nossos projetos irá continuar ou aumentar
(assim como o número de sócios) e, por isso, apesar das imensas dificuldades
inerentes à gestão de uma associação cujos lucros são «apenas» a autonomia das
beneficiárias, acredito que iremos conseguir estender ainda mais os nossos braços
a quem mais precisa.
A CCC é uma
empresa social e, nesse sentido, tem uma equipa remunerada que todos os dias
trabalha para dar o seu melhor e que tem de ter o seu posto de trabalho
assegurado. Temos, na sede da CCC, seis profissionais e, no CCC Café, quatro funcionárias.
É muito exigente, do ponto de vista financeiro, mas muito gratificante quando
vemos vidas a mudarem radicalmente para melhor, informando, apoiando e
capacitando.
Conhecendo a
realidade do nosso país mais profundamente, acha que ainda há muito a fazer?
Portugal ainda é um país pobre, do ponto de vista económico, de mentalidade,
ou seja, ainda falta consciência às pessoas para as disparidades do nosso país
e, ao mesmo tempo, consciência para as realidades de outros países?
Há
obviamente muito a fazer e posso destacar as questões que mais me preocupam: a
desigualdade de género que promove a violência (só no ano passado foram mortas
em Portugal, em contexto de violência doméstica, 20 mulheres); a diferença
salarial, em que, nas mesmas profissões, as mulheres ganham menos 16%; a
desigualdade no acesso a lugares de chefia e participação política; o volume do
chamado trabalho informal, de cuidadoras, que lhes retira tempo para poderem
investir em si próprias; e ainda muita discriminação relativamente à conciliação
da maternidade.
Segundo a
ONU, no mundo (onde Portugal está, claro, incluído), serão precisos 286 anos
para se eliminarem as leis que discriminam as mulheres e as raparigas. Os direitos das mulheres estão em
perigo. Há sinais e provas de retrocesso e, por isso, é necessário aumentar a vigilância
e ação coletiva que defenda sociedades mais justas em que as pessoas e os
seus direitos humanos estejam no centro da ação política.
Preocupa-me
também o presente e o futuro dos jovens. Sinto que o sistema da educação nas
escolas está desatualizado e sinto que seria urgente capacitar os jovens dos
seus direitos num incentivo ao exercício de uma cidadania mais ativa e solidária.
Acho que se devia promover a literacia da empatia, o ensino dos afetos, para
aumentar, a par do conhecimento e do pensamento crítico, também a inteligência
emocional.
Qual seria,
para si, o ideal de sociedade?
Mais empática.
Eu sei, convictamente, que o meu equilíbrio emocional vem da minha entrega ao «outro»,
da prática da solidariedade.
É da opinião
que, se quisermos, todos nós, arranjamos tempo para sermos um bocadinho
melhores com o próximo?
Acredito que
se consegue arranjar sempre um bocadinho de tempo para o que nos faz bem. Mas também
sei que existem vidas extremamente difíceis (e mulheres que se desdobram,
esquecendo-se de si próprias). As pessoas que se sabem e sentem privilegiadas, têm,
na minha opinião, a obrigação de dar mais à sociedade e, dessa forma, vão
descobrir a verdadeira magia de vivermos uma humanidade partilhada.
Diga-nos, a
Catarina absorve muito da experiência e sabedoria dos mais velhos?
Sabemos que
é capaz de ver uma pessoa idosa e «perder» tempo só a conversar com ela, não a
ignorando. Sente que, nos tempos de hoje, os mais jovens não dão importância
aos mais velhinhos?
Não posso nem
quero generalizar. Sinto que as redes sociais, que são a nova realidade, retiram
alguma disponibilidade para se estar com as pessoas presencialmente, mas não
sinto que a falta de atenção, em relação aos mais velhos, seja uma característica
da nova geração.
«A minha
vida, mesmo enquanto figura pública, tem um sentido que vai muito além do meu
umbigo»