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· Cultura · · T. Maria Cruz · F. ©PMC

Fernanda Amorim

«Quando apareciam peças ligadas ao vinho, eu comprava»

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Tão terna e singela recebeu-nos no seu novo espaço cultural – o Wine Museum Centre Fernanda Ramos Amorim –, que se encontra em sintonia com a magnífica paisagem da Quinta Nova Nossa Senhora do Carmo, em Covas do Douro. Fernanda Amorim é uma colecionadora inata de peças que preservam as memórias culturais da região do Douro. As portas deste museu vinícola abriram em agosto. O projeto, de linhas modernas, com 200 m2, é da autoria do arquiteto Arnaldo Barbosa – conhecido como um dos arquitetos do Douro. Em pouco mais de meia hora, a compiladora desta produção mostrou-nos, em jeito de visita guiada, os reflexos da tradição secular do Douro através do seu espólio exposto no museu. Peças do século XIX e XX, reunidas ao longo de anos pela colecionadora, deram lugar a um espaço cultural digno de ser visto. Este espaço museológico veio para ficar e contar a história e a paixão pelos vinhos da inspiradora Fernanda Ramos Amorim. 

Porque trouxe o Wine Museum Centre para aqui?
Não foi aqui que começou, de facto. Começou nos armazéns da Burmester, em Vila Nova de Gaia. Naquela altura, a Burmester era nossa, e a minha filha, como eu já tinha um museu em Grijó e já tinha muitas peças ligadas ao vinho, perguntou-me se eu queria fazer um museu na Burmester. As condições eram más, mas existiam uma espécie de caves e eu consegui fazer um museu em pequena escala, mas ainda pus lá muita coisa.

Isso já vai há muitos anos?
Vai há 15 anos, por aí. Criei o espaço, e ficou por ali. Entretanto, quando apareciam peças ligadas ao vinho, eu comprava. No caso de algumas, nem sabia o que estava a comprar. Um dia, um senhor ligou-me e disse-me: «Olhe, tenho aqui uma quantidade de peças que estão dentro de um caixote, mas que são de um laboratório, e parte delas vem do instituto do Vinho do Porto». Eu, no início, disse que não queria nada, porque tinha tudo cheio, mas depois comecei a refletir, e disse-lhe: «Bem... eu não quero nada, de facto, mas uma coisa assim pode ser muito útil, vou guardar em caixotes», e ficou assim.

Foi guardando...
Sim. Entretanto, a Luísa (filha) estava toda entusiasmada, vendemos a Burmester, e dedicamo-nos mais à Quinta Nova. Então ela disse: «Ó mãe, o museu tem de sair lá da Burmester, porque aquilo já foi comprado por uma empresa espanhola, e vamos mudar tudo para o Pinhão». A partir daí desenvolveu-se o laboratório, conforme veio de lá.

E é tudo o que encontramos aqui no Wine Museum?
Sim, não tem mais, nem menos. À medida que ia aparecendo uma peça diferente, eu ia comprando. Tudo o que fosse ligado aos laboratórios, ao vinho e, assim, fui aumentando mais a coleção. Depois tivemos de sair do Pinhão.

E teve de arranjar um lugar...
Tinha de armazenar o museu em algum lado, porque não me ia desfazer destas peças.

E, assim, abriram-se as portas em agosto na Quinta Nova...
Era para abrir a 15 de julho. Infelizmente, o meu marido faleceu e o funeral foi nesse dia. Não tivemos tempo de abrir e, por isso, abrimos em agosto.

Quem entra no museu o que encontra?
Encontra o campo. Começa com o campo, a parte da agricultura: a vinha é a primeira coisa. Depois, tudo o que pertence à agricultura: a parte do enxofre; o carro de bois; o homem da vindima – está vestido a rigor; a parte da festa, os principais instrumentos musicais, retratados também em fotografia. Segue-se a prensa – é uma prensa secular, que veio para cá depois de estar na casa que era dos frades. Vem a parte da adega e armazém: tudo o que é medidas, o que faz parte da prova do vinho. Segue-se a parte do laboratório: tem um livro catalogado muito importante – é um livro de venda de peças e está tudo discriminado, e eu tenho peças, aqui, que estão de acordo com o que contém o livro, e algumas são mesmo originais. Como este forninho, por exemplo. 

Tem aqui peças com quantos anos? 
Tem aqui peças de 1905.

E o livro?
O livro é de 1981. É sobre o vinho, mas mais sobre o laboratório. Tenho ali outro mais antigo, é de 1917. Foi encontrado no lixo, por um empregado, que me perguntou: «Isto interessa-lhe?», e eu respondi: «Claro que me interessa!».

Continuando a apresentação do museu. Agora estamos na tanoaria...
Esta parte foi montada por um tanoeiro, porque eu não percebo nada disto. Veio do Pinhão cá. Aqui temos o fogão, que também é muito antigo e servia para aquecer os moldes, que depois eram cravados no pipo. Aqui, é tudo em madeira, feito à mão por um artista. 

E, agora, segue-se o processo de engarrafamento... 
É um espetáculo, pôr os rótulos. Está engraçado o chapéu, o saquinho, aquelas meias, os sacos... 

E sabe o lugar de todas as peças?
Ah, pois! Tenho tudo fotografado e noto logo quando algo não está no sítio.

Onde é que vai arranjar cada peça?
A maior parte são coisas de família. Coisas antigas, dos meus avós. 

São tudo peças nacionais? 
Sim, sim. Não comprei nenhuma lá fora. 

Há assim alguma mais especial para si?
A mais antiga, a prensa. 

E a paixão pela cultura do vinho de onde vem?
Desde os meus, talvez, 13 anos. Tinha uma irmã mais velha, quase cinco anos, que gostava muito de velharias. Ela ia às compras e eu ia atrás dela. Davam-me dinheiro de prendas de anos e eu ia comprando não só velharias como antiguidades. Depois, quando comprámos a Quinta do Mosteiro, em 1980, como aquilo era antigo, eu quis mobilar a casa. Comecei pela cozinha. Claro que a cozinha foi feita de novo, mas o forno é o mesmo, e tem lá outras coisas que nunca saíram de lá. O meu marido a certa altura disse: «Está a ficar impossível, esta cozinha parece um museu, daqui a pouco é incomodativo», e eu disse-lhe: «Tens razão, até eu já acho que é muita coisa». Entretanto, as minhas filhas foram de férias, as três, e eu fiquei sem ninguém. Então, pensei: «Como é que me vou entreter?!». Falei com o meu marido e ele disse: «Estás maluca». Mas eu tinha lá um espaço grande, em Grijó. Então, um dia ele teve de sair e eu «nem é tarde nem é cedo», quando ele chegar, já está feito. E assim foi. Ele chegou e viu o espaço pronto. Comecei só com uma sala, que ao princípio era onde os animais dormiam... E assim começou a formar-se o Museu na Quinta do Mosteiro.

E o que é que o senhor Américo Amorim achou disso?
Gostou, mas disse: «Vais parar por aqui». Eu: «Não, vou continuar». «Aonde?», pergunta ele. «Aqui» (Grijó), digo eu, e agora são cinco salas e são quatro mil e tal peças que lá tenho.

E do Wine Museu o que é que ele acharia?
Infelizmente não viu este museu, mas ainda colaborou comigo. Aliás foi ele que me ofereceu o museu.

Com certeza ele imaginara que a Fernanda iria fazer aqui uma coisa linda...
Sim. Ele sabia que eu, desta vez, ao fazer, iria fazer uma coisa de origem, porque quero mesmo que seja um museu.

No futuro, outro museu virá?
Ai, agora acho que não vou fazer mais nenhum. Estou a fazer um minimuseu lá no escritório do senhor Amorim. Algo pessoal, que já comecei. Quero expor as coisas dele: tenho a fatiota toda dele, de quando tirou o doutoramento na América; tenho outra dos vinhos; o chapéu da confraria, e doutra confraria, com outra capa; vou colocar os óculos dele; a pasta dele; as canetas dele; tudo dele. A minha filha vai lá, serve-se do escritório, mas não toca em nada, pois está tudo da mesma forma que ele deixou. Tem muitos livros, e sempre que recebo algum dedicado a ele ponho lá. Será um lugar mais pessoal, para a família e algum cliente especial visitarem. Acompanhei-o sempre, fui quase uma secretária particular dele, desde que me casei. Acompanhei-o uma vida inteira.

E isso deixa saudade...
Se deixa…

Maria Cruz
T. Maria Cruz
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