A
hora do almoço aproximava-se, num dia particularmente chuvoso, mas com a
promessa de uma agradável conversa à mesa. De muito pouco vale uma boa
refeição, se a companhia não for boa, mas com Fernando Melo, numa sincera troca
de ideias e de histórias, a comida e o vinho, já por si de excelência, souberam
ainda melhor.
A
seleção recaiu sobre o restaurante Horta dos Brunos, em Lisboa. Receção
calorosa e extremamente gentil. Fernando tinha-nos avisado: «Eu não falo de
gastronomia nem de enologia. Eu só sei falar de comida e de vinhos». E como sabe.
Mas já lá iremos, pois agora interessa-nos falar sobre a pessoa por detrás
desta figura conhecida do público.
Sobre
a infância, diz-nos que viveu os primeiros sete anos na estupefação: «Tudo era
novo, tudo me parecia distante e nada me parecia eu». Sempre o melhor aluno,
habituado a superar-se em tudo, mas isolado, até que descobre a insatisfação,
no rebuliço de uma juventude revigoradora, onde decide reinventar-se.
Nascido
no Porto, vai ainda jovem viver para Lisboa com a família. Habituado a passar
longas temporadas em casa de um tio que vivia em Évora e era engenheiro, é aí
que se inspira para seguir engenharia. Segue-se o técnico, mas muda-se para física.
Pensou em desistir para fugir ao marasmo do curso de então, até que um
professor o impele a entrar para um curso novo, onde foi muito feliz, pois
sentia que se vivia «tranquilamente aquilo que se respirava», principalmente
pelo grau de exigência. E issofoi apaixonante,mais por vontade de fazer
diferente do que por vaidade. Pelo caminho, surge a vontade de ser jesuíta. Um
chamamento pouco óbvio, mas que se afigurou estrutural numa fase em que a
inevitabilidade da vida o deixou sem chão. Contudo, os desígnios eram outros e a
vontade de ser pai impunha-se mais forte. Agarrou-se à força do seu coração e
hoje é pai de «três filhos maravilhosos».
Enveredou
pelo doutoramento – que não chegou a terminar –, trabalhou em métodos formais, em
linguagem de descrição e em aplicações de deteção remota, com imagens de
satélite e fotografia aérea. Mas começou a questionar-se se essa era realmente
a vida que queria seguir. Percebe, então, que tem uma capacidade algo
extraordinária para provar vinhos. Começa aí a aventura de se enfiar em tudo o
que eram espaços de técnicos de grande gabarito, nos países todos por onde passa,
ao ponto de encher malas só com copos de provas. Pensou: «A minha vida está a
mudar», e mudou completamente. Fez a defesa da tese de doutoramento e despediu-se
dessa vida como se nunca a tivesse tido. O pai perguntava-lhe: «Mas sentes-te
realizado com aquilo que fazes», e Fernando respondia: «Pai, o que eu faço hoje em
dia é de longe a tarefa mais complexa de toda a minha vida, tenho-me aplicado
completamente a fazer isto». E assim é. Para Fernando, «a simples crítica de um
vinho é um exercício intelectual; as pessoas têm a mania de escalonar entre o
que é mais difícil e o que não é».Mas, para ele, é simples: «Basicamente, fico
sossegado, porque a prova de vinhos é criar conhecimento, é um exercício belo,
é libertador e é fundador ao mesmo tempo».
Entretanto,
surgem os primeiros convites profissionais, a par com empresa que possuía. Pelo
meio, uma hidrocefalia e mais um renascimento na sua forma de estar na vida. A
partir daí, Fernando Melo nunca mais foi o mesmo e dedicou-se a uma arte que
ele explica como «olhar para as garrafas todas, para um cardápio, e reconhecer
um código», tornando-se especialista em abrir esse código.