Como lidou com a gestão dos restaurantes, em tempo pandémico?
Lidei de uma maneira assustadora, isto porque nunca tínhamos passado pela mesma situação. Ficar de um momento para o outro sem reservas é muito esquisito. Os ordenados tinham de ser pagos. Felizmente, pagamos os nossos impostos, tivemos a nossa faturação, o governo ajudou no que ajudou... Foi difícil, mas não abdiquei de ninguém da minha equipa, e isso é que é importante.
Foi um período que serviu também para se reinventar?
Serviu um pouco. Em termos gastronómicos não fui bem-sucedido, uma vez que apostei no take away. A vertente económica também não foi o nosso forte, embora nos tenha feito pensar: «Se vamos superar isto, vamos superar tudo». Fez-nos refletir sobre a necessidade de criar soluções que nos possam salvaguardar em situações de aflição.
Caracterize a gastronomia portuguesa.
A gastronomia portuguesa é sabor, memória e tradição. É muito eclética. Tem o melhor peixe e marisco do mundo. Os portugueses fazem grelhados, estufados, assados, cozidos... e, depois, há bons produtos. Ninguém tem peixe como nós, ao nível da variedade e sabor, graças às águas portuguesas muito frias e cheias de algas. Temos, inclusive, bons vegetais e algumas raças autóctones. Nas carnes não somos os melhores do mundo, mas há carnes de boa qualidade. Uma característica muito forte da gastronomia portuguesa é a reinvenção. Já é ancestral, faz-se há muitos anos. Não deixa de ter piada sermos conhecidos, por exemplo, pelo bacalhau, quando o produto nem é nosso, mas, lá está, criamos várias receitas com ele.
O que comemos diz muito sobre nós?
Somos muito o que comemos. Não é por acaso que quando vamos para fora temos, de imediato, saudades da comida portuguesa. É uma gastronomia que marca. Qualquer turista que nos visite, hoje, fica doido com a nossa comida.
Quais são os critérios que adota para a seleção dos ingredientes nos seus restaurantes?
Há uma coisa fundamental no setor da restauração, que é ter uma base grande de fornecedores e colaboradores. Não podemos falhar, os pagamentos têm de ser a tempo e horas e temos de andar coordenados. Eu pago bem e a horas, desde sempre. Criei uma rede na base da confiança e honestidade e, por isso, têm de me dar o melhor produto. Eu não preciso de ir ao mercado, uma vez que tenho uma boa rede de fornecedores. O mercado é que vem até nós, caso contrário estávamos desgraçados, já trabalhamos 14 horas por dia. Portanto, sou criterioso, exijo do fornecedor.
O valor nutricional é um fator que tem sempre em conta na elaboração do menu?Evidentemente. Se no menu estiverem só incluídos hidratos, o cliente sairá no final da refeição a «rebolar». E, de facto, não é isso que pretendemos. A comida precisa de ser algo sobre a qual, no final, a pessoa possa dizer: «Estou leve, mas satisfeito». Aliás, um prato rico precisa de um molho, de uma proteína e de uma guarnição e não de muitos hidratos e gordura. Hoje, vejo a cozinha como o mais natural e o menos manipulada possível.
Quando recebeu a notícia de que acabara de conquistar a sua primeira estrela Michelin, o que sentiu?
Senti orgulho em mim e na minha equipa. Quando ganhei a segunda estrela Michelin, igual. No dia em que ganhar a terceira, sentirei o mesmo orgulho. Nós trabalhamos para isso. A estrela Michelin não deixa de ser um prémio, mas a minha melhor conquista são os clientes que tenho.
Em que aspetos se distingue um restaurante de duas estrelas de outro com três estrelas?
O aspeto diferenciador é sempre a comida. Tem de se fazer comida diferente, bonita, apetecível e com muito sabor. E, se puder fazer coisas que os outros não façam, melhor. Portanto, pratos «fora da caixa», que tornem o menu diferenciado. Depois, inerente a um bom restaurante está o serviço de excelência. Hoje, o serviço de sala tem de ser muito bom e interativo com os clientes. Os colaboradores que temos, por exemplo, são bem formados. Os vinhos servidos têm de estar à temperatura correta, adequando-se ao menu. Aliando tudo isto, trabalha-se até chegar ao topo. No nosso caso, só nos falta atingir a terceira estrela Michelin.
A gastronomia portuguesa tem o melhor peixe e marisco do mundo