O que o levou a criar o projeto
Herdade da Rocha?
Foi
a paixão pelo Alentejo e também pelos vinhos. Em 2007, procurava uma
propriedade aqui (no Crato). Se não fosse na Serra de São Mamede, pelo menos no
Alto Alentejo, pois sabia que esta região era privilegiada para a produção de
vinhos. Acabei por encontrar esta magnífica propriedade e apaixonei-me no
primeiro dia em que a visitei.
Em que estado encontrou
a propriedade?
Era
mato e muita giesta. Havia uma parcela boa de olival, direi até centenária,
e depois existiam outras áreas. Áreas essas que é onde nós temos, atualmente, a
vinha plantada. O que me encantou nesta propriedade, e o que é muito diferente
do habitual do Alentejo, é a forma como entramos. À medida que vamos avançando,
vemos logo toda a propriedade, de 200 em 200 metros. E depois, todas estas
rochas, com as quais me identifico bastante e que são lindíssimas! Foi
realmente um amor à primeira vista. Lembro-me de ver, ao longe, uns veados. Pensava
eu que eram vacas, por ignorância minha, pois nem sabia que havia veados
selvagens. Quando os avistei perguntei ao Sr. Francisco (pessoa que me mostrou
a propriedade): «Afinal ainda ali há vacas?». Respondeu: «Não. São veados. E andamos
precisamente à procura deles, pois é habitual eles andarem por cá». O Crato é
uma vila histórica, tem influências da Serra de São Mamede. No mesmo dia tomei
a decisão de comprar. Aconteceu em finais de 2007.
Portanto, desde 2007, começaram a fazer
desta propriedade a Herdade da Rocha?
A
primeira coisa que fizemos foi registar o nome (Herdade da Rocha). Achámos que
se enquadrava, por todo o seu território, pelas rochas que se encontravam cá e
também porque nós somos da família Rocha. Antigamente, e ainda hoje, o local
era conhecido como o Couto Saramago. Não tem nada que ver com o Saramago
(escritor). De seguida, talvez em simultâneo, trabalhámos no projeto da plantação
da vinha. Foram precisos direitos. São doze hectares de vinha. Trabalhou-se
nisso cerca de dois anos.
«Dada a sua dimensão, a propriedade permite que tenhamos cá um campo de golfe»
Falando da vinha. Quantas castas compõem
a vinha?
Temos
várias castas. Castas autóctones, castas que não são autóctones, como é o caso
do Alicante Bouschet e do Syrah (mas
têm um comportamento muito bom aqui no Alentejo). E temos a Touriga Nacional e a Touriga Franca. Em termos de tintos,
temos estas quatro castas. Em termos de brancos, temos três: o Alvarinho (que é um desafio, sendo eu do
Norte), o Arinto (que é a casta mais
predominante nesta região) e a Viognier (que é para lhe dar
aqui alguma dimensão internacional e para conseguir também vinhos com um pouco
mais de volume).
Plantação da vinha, desafio concluído. O
que veio a seguir?
Em
2009, plantámos a vinha. Em simultâneo iniciámos o projeto para esta casa
(atual Boutique Lodge). Era a casa da família, à época.
E depois?
A
casa ficou construída. Estivemos até 2013 a aguardar energia (luz). Quando
comprámos a herdade isto era mato, uma pequena selva. Foi tudo feito de raiz. Em
2013 conseguimos energia, mobilámos a casa, começámos a passar cá alguns dias e
alguns fins de semana. Entretanto, os nossos filhos foram crescendo, a vontade de
virem já não era a mesma, porque tinham outro tipo de agendas e, então, nós não
conseguíamos vir tantas vezes. Entretanto, a nossa filha mais velha, a Mária
acaba por se formar em hotelaria e lançou o desafio de entregar isto ao Alojamento
Local. Explorámos o espaço, no sentido de promover não só o projeto, mas os
vinhos. Com as quatro suites no
exterior, mais os quartos da casa, criámos condições. Criámos o Boutique Lodge,
com uma decoração diferente. Em 2017, abrimos o espaço aos hóspedes.
«A adega é muito virada para as visitas, para o turismo»
Que experiência pode
usufruir, aqui, um hóspede?
É
uma oportunidade única para ter um contacto com a natureza e descansar, acima
de tudo. As pessoas têm de ter oportunidades de descanso. O silêncio que
conseguiu sentir cá, durante o fim de semana, acho que deu para perceber. Depois
têm a oportunidade de ter uma experiência dos vinhos, de fazer provas, visitar a
adega.
Caminhar, andar de
bicicleta…
Claro.
Para ter contacto com a natureza é necessário caminhar ou andar de bicicleta. Temos
aqui a possibilidade de observação da natureza, dos animais; é um lugar
fantástico para passar cá uns dias...
E, ao longo da propriedade, foi criando espaços
distintos?
Sim.
Temos a oportunidade de fazer um piquenique junto à vinha, onde tem um ambiente
agradável. Aproveitámos a parte natural e compusemos. Por exemplo, temos mesas
no meio de duas rochas cobertas. Temos mesas para esses mesmos piqueniques
debaixo das azinheiras, que têm uma sombra fantástica, e é totalmente limpo. Ainda
em fase final, está uma tapada com cerca de 8 hectares, que será possível percorrer,
e onde vai ser construída uma ponte sobre uma reserva de água, com pontos de
ligação entre rochas. Vai ser criado um passadiço de madeira (já está uma
grande parte) para ser possível observar os animais autóctones da região,
nomeadamente o veado, que é a nossa imagem; o javali; o coelho lebre e outras
espécies. Não será um jardim zoológico, não será um parque natural, mas será um
espaço de 8 hectares onde as pessoas podem observar os animais autóctones no
seu habitat natural.
Há ainda um espaço muito diferente… quase
de meditação, não é?
Sim.
Esse é um outro projeto que tencionamos levar para a frente. Naquele lugar há um
ângulo de visão magnífico sobre a natureza. Trata-se de uma grande rocha, à
qual temos fácil acesso, e, em cima desse penedo, proporcionamos uma visão
alargada sobre um pôr do sol transcendente. A minha vontade é fazer desse lugar
uma espécie de retiro espiritual, homenageando alguém, que agora não posso
divulgar, e criar ali um espaço onde as pessoas se sintam bem e que seja um
retiro de paz.
Tem, também, um espaço
muito especial na Herdade da Rocha que, de vez em quando, serve para
descomprimir do stress do dia a dia…
Sim.
O golfe. Dada a sua dimensão, a propriedade permite que tenhamos cá um campo de
golfe. Estamos a fazer a experiência. Ainda não está concluída. O campo ainda
não está homologado. No Alentejo temos dificuldade com a água, tivemos de criar
um campo de golfe ecológico. Estamos a criar uma espécie de relva que necessita
de pouca humidade (os americanos foram os primeiros a avançar com isso). Na Europa
é pouco utilizado. O objetivo, num futuro próximo, será fazer dele um campo de
golfe não de alta competição, mas, sim, de golfe turístico.
Neste momento quantos tees de saída
tem o campo?
Temos
quatro buracos a funcionar.
E a adega quando surgiu?
A
adega ficou concluída só agora, mas já produzíamos cá os vinhos. A parte
subterrânea da adega tem cerca de 1000 m². Tem uma parte superior, que é uma
pérola, que permite às pessoas fazerem provas de vinho. É onde temos os lagares.
Ali é feita a vinificação. O estágio é feito na zona subterrânea (zona com um pé
direito de 8 m). Quisemos juntar à adega a componente da arte. Por isso, a
adega é muito virada para as visitas, para o turismo. Tem um espaço que pode servir
até para as empresas e grupos fazerem conferências, retiros, etc.
Que artistas estiveram envolvidos neste
projeto das obras de arte?
Temos
obras de vários artistas. As portas são do Paulo Neves, artista urbano. Também tivemos
uma forte intervenção da equipa de design
da Antarte, que desenvolveu, em conjunto, o trabalho na adega. Temos, também, obras
de um escultor que trabalha essencialmente o aço corten, o António Miguel, que
é algarvio; temos um painel grande de azulejos feito por uma holandesa que está
em Portugal, a Meinke Flesseman; e depois temos outras obras que trouxemos de fora,
do Japão, da Indonésia.
E aquelas pinturas junto
à zona do lagar?
São do Fábio Carneiro. Toda aquela
pintura representa a Antarte. Inspiramo-nos na própria natureza: a relação da
ondulação com a cor terra… ao mesmo tempo que lhe demos uma forte componente
artística e de design. Para a zona
dos lagares criou-se aqueles desenhos de forma a enquadrarem-se nas paredes. A
obra do Fábio tem cerca de 50 m por 5 m de alto. O Fábio Carneiro inspirou-se em
obras da mesma época do vinho e daí encontrarmos a figura de Baco, o
famoso deus do vinho; e a Mona Lisa. São clássicos. Temos ali refletida a Capela
Sistina, temos Michelangelo.
A sala das barricas é
muito discreta…
É
o salão nobre. É um projeto do nosso designer
(Antarte), é onde estão as barricas todas. É um projeto nosso, meu, da Sónia
e da Paula. Essa sala situa-se entre três partes da adega. A sala dos lagares,
e os próprios lagares, são um desafio lançado ao Fábio. O salão nobre, sala das
barricas, está soterrado, isolado, tem isolamento térmico e a própria decoração
em madeira foi toda desenhada e desenvolvida na Antarte. As portas da adega são
de madeira sustentável, que veio diretamente dos Açores. Começámos a construir
a adega em 2013, e estamos em 2018. Demorou cinco anos a concluir a adega.
Passando para os vinhos. O que nos
oferece a Herdade da Rocha?
Estamos
numa região de difícil produção. São solos graníticos, de muito calor, mas com
temperaturas baixas. Por isso o vinho tem frescura, muita concentração, muita
qualidade, mas é muito diferente de muitas regiões. As produções são baixas. Há
regiões no país onde se consegue tirar 10 toneladas por hectare e, em algumas,
até mais. Nós, aqui, dificilmente conseguimos mais do que 5 toneladas por
hectare. Este ano, foram até menos, pelas razões conhecidas, mas a média, considerando
2017 (que não foi um ano cruzeiro), aproxima-se muito das 60.000 garrafas. Porém
o projeto foi criado a pensar na qualidade e não na dimensão. E em tentar,
claro, caracterizar esta região fazendo vinhos ao nível dos melhores.
Que vinhos temos?
Começámos
por lançar os vinhos da marca Couto Saramago
(Branco, Tinto e Rosé). Foi a entrada da gama. Depois temos a Herdade da Rocha Selecção, que é,
como quem diz, o nome de uma seleção das melhores uvas e dos melhores
lotes de vinhos. E temos o Rocha Especial
Reserva. São os três tintos que habitualmente saem todos os anos. Estamos a
fazer agora um produto diferente, que é tirar o melhor que têm as castas nesta
região. Estamos a criar um monocasta, mas só o engarrafamos quando for classificado.
Quando atingir um nível superior de cada vinho fazendo um lote de premium. Neste momento estamos a lançar
o Alicante Bouschet Premium. A nossa
intenção é fazer mais monocastas, no que diz respeito aos tintos. Nos brancos, temos
o Couto Saramago para entrada e temos
o Herdade da Rocha Reserva. São dois perfis idênticos, dois
vinhos frescos, só que um, como é uma reserva, tem o seu estágio em madeira e
tem também um estágio em garrafa. O outro é um vinho mais fresco, mais direto,
mais simples no consumo normal.
Qual é o seu vinho predileto?
Depende
do dia e da altura do ano. E, acima de tudo, depende da refeição. Se estamos
num dia quente, e se temos uma refeição mais leve, sinceramente gosto e
acompanho muito com um branco. Como estamos no final de outubro, daqui para a
frente vou privilegiar os tintos. E, dentro dos tintos, o Reserva Especial. Agora estou muito entusiasmado com os monocastas.
Talvez por ser uma experiência diferente: para quem participou na plantação da
vinha e acompanhou todo o processo da vinha, acho que os monocastas criam outro
entusiasmo.
E os rótulos. Porquê personalizá-los
daquela forma?
Todos
os rótulos têm um veado associado. O veado, além de ser um animal muito
característico nesta região, é um animal de que gosto imenso. Investimos nesta
propriedade pelo facto de encontrarmos cá veados, por isso associamos a imagem ao
veado. Agora, cada vinho tem o seu rótulo. Por exemplo, os brancos têm um veado
com uma textura de azulejo. Como o azulejo normalmente é azul, associamos a
frescura ao branco. Para o branco Reserva
convidámos um artista a fazê-lo. E o Herdade
da Rocha tinto também. É um vinho com mais tempo, por isso, o rótulo é mais
escuro, tem aquelas triangulações de cores. Na gama de entrada temos um rótulo
branco. O Grande Reserva foi feito pelo
Paulo Neves. Não irá ficar só na colheita de 2015, na reserva especial, como
vai permanecer ao longo dos próximos anos nos vinhos monocastas, nos premium.
Nos próximos tempos
vamos encontrá-lo mais à volta do mobiliário (Antarte) ou dos vinhos (Herdade
da Rocha)?
Gostava
de continuar como estou. Gosto muito daquilo que faço. Diria que estou a
dedicar-me, e continuo a dedicar-me, 80% ao mobiliário, nomeadamente à criatividade
em relação aos produtos, e, sempre que posso, os fins de semana, passo cá,
nas vinhas. Obviamente que, no período das vindimas, dediquei-me só 50% a
cada área. Mas, agora terminadas, vou voltar ao normal. Tenho uma grande paixão
pela minha atividade profissional. Gostava de continuar assim. Este é um
projeto claramente de emoção, de muita paixão, em que dedico o tempo com paixão,
mas não me posso distrair, porque a empresa (Antarte) depende muito de mim.