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Alexandra Bento

«Nós comemos aquilo que somos»

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Quando lhe falaram com entusiasmo sobre o curso de Nutrição, as suas dúvidas dissiparam-se, tendo a certeza de que era aquele o seu futuro: promover a saúde através da alimentação. Alexandra Bento é nutricionista, docente universitária e Bastonária da Ordem dos Nutricionistas, um cargo exigente e trabalhoso que foi o culminar de 13 anos como presidente da extinta Associação Portuguesa dos Nutricionistas. Salvaguardar a profissão, projetá-la, lutar pela presença de mais nutricionistas nos Centros de Saúde e nas escolas são algumas das suas batalhas, até porque Alexandra é uma mulher de causas. E porque assim é, tem sido reconhecida. Com todo o mérito!

Desde quando se começou a interessar pela nutrição?
Foi quase uma casualidade. Apesar de boa aluna, fazia parte daquele conjunto de jovens que não sabe o que quer em termos profissionais. Por casualidade, encontrei uma amiga que me disse que estava em Nutrição e que me falou com tal entusiasmo do curso que eu não tive dúvidas nenhumas.

Como tem sido a sua experiência enquanto Bastonária da Ordem dos Nutricionistas?
Não é simples, é muito trabalhoso, exige muita disciplina, muita vontade de o fazer e exige, acima de tudo, que se consiga perspetivar uma profissão no presente e projetá-la no futuro. Desde o início da minha atividade profissional, pensei que era necessário uma estrutura que salvaguardasse a profissão, que a projetasse e, por outro lado, que acabasse por defender os indivíduos que procuram os nutricionistas, que é o que a Ordem faz. Tinha eu vinte e poucos anos quando decidi concorrer à presidência da então Associação Portuguesa dos Nutricionistas, com o objetivo de trabalhar para a criação da Ordem e projetar a profissão. Fizemos um trabalho interessante e conseguimos pôr a nutrição, a alimentação e os nutricionistas na ordem do dia.

«HÁ MUITAS FORMAS DE COMER BEM, MAS NÓS TEMOS UMA QUE FAZ PARTE DA NOSSA TRADIÇÃO: A DIETA MEDITERRÂNICA»

O reduzido número de nutricionistas nos cuidados de saúde primários e a sua ausência nas escolas têm sido duas das suas lutas. O Ministério da Saúde e o da Educação têm dado abertura para resolver estas questões?
Há alguns locais de excelência para a presença dos nutricionistas: nos cuidados de saúde primários, que é onde se previne o aparecimento da doença e se promove a saúde, mas também nas escolas, que é onde as nossas crianças estão grande parte do dia e fazem quase todas as refeições. Se tivermos uma escola com nutricionistas que permitam que o ambiente alimentar seja salutogénico e que promovam a educação alimentar, as crianças e jovens terão mais literacia alimentar e serão capazes de fazer boas escolhas. ‘Nas escolas’, temos dois nutricionistas: um nos serviços da Direção Geral da Educação e outro na Direção Geral dos Estabelecimentos Escolares. Nem vou adjetivar o que é que eu acho em relação a isto. A Ordem apresentou uma proposta ao Ministério da Educação, com o nosso olhar sobre aquilo que é a alimentação escolar. ‘Está em cima da mesa’. Em relação ao Ministério da Saúde, nos Centros de Saúde, há pouco mais de cem nutricionistas. A Ordem aconselha, no mínimo, um nutricionista para cada 20.000 habitantes. Deveríamos ter 500 em todo o país. Este ano vimos abrir um procedimento concursal para o recrutamento de 40 nutricionistas. É uma boa notícia! Nunca houve um concurso com tantos lugares de uma só vez. Esperemos que isto signifique que em anos subsequentes possa haver outros concursos.

Lançou o livro Comer Bem é o Melhor Remédio. Com que objetivo?
Que fosse um instrumento de leitura fácil e que fosse possível transformar a linguagem científica, que é pesada, numa linguagem corrente, apelativa, e que quem o lesse pudesse usufruir de mensagens que fossem fáceis de operacionalizar. Também tem algumas receitas, mas foi um desafio da editora. Assim sendo, convidei o Chef Hélio Loureiro, porque partilho com ele muitas ideias e muitas maneiras de estar à volta da mesa.

Como está a dieta dos portugueses?
Tem vindo a degradar-se. Isto é um paradoxo, porque, por muito que o nosso país tenha melhores condições de vida, por muito que se aposte na literacia da população, por muito que se saiba que a alimentação é um determinante de saúde importantíssimo, os portugueses afastam-se daquilo que é o comer bem, que é a dieta mediterrânica. Há muitas formas de comer bem, mas nós temos uma que é muito nossa, que faz parte da nossa tradição. Temos fantásticas condições para o fazer e só não o fazemos se não houver uma grande vontade coletiva. Não há uma fórmula mágica, há um conjunto de medidas que podem ser operacionalizadas.

«PODE HAVER UM CONJUNTO DE MEDIDAS QUE PODEMOS TOMAR, MAS, SE NÃO APOSTARMOS NA EDUCAÇÃO ALIMENTAR, TUDO RUIRÁ»

Numa sociedade cada vez mais obesa, qual é a importância da tão falada (re)educação alimentar?
Desse conjunto de medidas de que falava, é a base. Pode haver um conjunto de medidas que podemos tomar, mas, se não apostarmos na educação alimentar, tudo ruirá. Se temos cerca de dez milhões de habitantes para educar, o que temos de fazer é apostar na educação dos que estão no espaço escola, que são as crianças e os adolescentes. Se trabalharmos esse espaço, estamos a trabalhar o amanhã, mas também o presente, porque eles têm capacidade de replicar em casa aquilo que aprendem.

Doença celíaca, intolerâncias, alergias… O mercado de produtos alimentares está preparado para estas patologias?
A doença celíaca é uma doença tratada nos sítios onde se tratam as doenças. Depois há outros indivíduos que, não tendo doença, têm uma sensibilidade ao glúten, que é o mesmo que dizer que quando comem um alimento com glúten se sentem mal. Ora, se se sentem mal, não devem insistir. Excluindo estes, todos os outros podem e devem comer alimentos com glúten, porque são alimentos imprescindíveis. Excluí-los por medo, receio, moda, por mito é uma má atitude alimentar. Para os indivíduos com doença celíaca ou sensibilidade ao glúten, a indústria alimentar está preparada, providencia uma panóplia de alimentos que torna possível uma alimentação agradável.

«Somos o que comemos»?
Essa frase tem imenso sentido, porque somos mais ou menos saudáveis em grande parte devido ao que comemos. Há, no entanto, outra forma de a colocar, que poderá levar-nos a pensar muito mais. Muitas vezes nós comemos aquilo que somos. Que é o mesmo que dizer que nós comemos de acordo com os conhecimentos que temos, de acordo com o dinheiro que temos e a nossa condição social.

Medalha de Mérito Grau Ouro da C. M. do Porto, Medalha de Ouro do Ministério da Saúde. O que significam para si estes reconhecimentos?
Tenho dedicado muitos anos da minha vida pessoal e profissional a causas, que no fundo se resume a uma causa: a alimentar. Vejo, em números redondos, duas dezenas dos meus anos de vida dedicados à causa alimentar. Na minha atividade profissional sou nutricionista, mas fora dela tenho trabalhado em causas relacionadas com tentar sinalizar a questão alimentar como uma questão importante para a saúde da população e para o bem-estar de um país. Se o tenho feito o melhor que sei e se sou reconhecida, fico satisfeita, como qualquer pessoa ficaria. 


T. Maria Amélia Pires
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