De um nome pode surgir um edifício. Neste caso, duas linhas de betão atravessadas na paisagem, a condizer com a designação e o logótipo de uma nova casa de produção de vinho: Caminhos Cruzados. Esta adega, gizada por Nuno Pinto Cardoso, fica na Quinta da Teixuga, em plena Região do Dão, e entre os seus predicados está a sustentabilidade ambiental. Para isso, há alguns segredos técnicos a revelar, como as claraboias que otimizam o uso da luz natural, os reservatórios onde se guarda a água da chuva, as janelas generosas que facilitam a circulação do ar e, claro, o betão armado que retém a temperatura. Outros dos seus segredos está na ausência de pilares, seguindo um método análogo ao da construção de pontes, uma forma de se otimizar o espaço interior.
Adegas com Arquitetura
O vinho em forma de casa
É uma das adegas mais recentes deste lote, mas tornou-se rapidamente um ícone nacional. Isto porque o projeto para a Herdade do Freixo, de Diogo Valssassina, foi prolífero na criação de pontos de interesse. Não só pela sua distribuição subterrânea, que a esconde debaixo do solo quente alentejano, mas também pela espiral interior, por onde podem circular lentamente os visitantes. Aliás, esta espiral tem sido dada às mais diversas comparações, desde o Museu Guggenheim, em Nova Iorque, a um saca-rolhas gigante, o que talvez seja uma forma de se procurar explicação para algo tão inusitado e marcante. O certo é que as redes sociais ganham outra vida quando se atravessam com esta adega e os seus tons neutros dão-lhe mais uma ajuda à fotogenia, conferindo ao lugar um registo quase monástico na sua forma de tratar a luz – e o tempo.
A Adega Casa da Torre, em Vila Nova de Famalicão, é um elogio à madeira. O arquiteto Carlos Castanheira usa-a aqui com profusão, como tem feito em diversos projetos que assinou, mas mantendo uma elegância orgânica e vagamente oriental, capaz de envolver os visitantes ao primeiro instante. O edifício amplia uma adega já existente no passado, dando nova vida e possibilidades ao espaço. Embora a forma do telhado sugira mais depressa um espaço doméstico do que um local de trabalho, a impressão é logo desmentida no interior, onde a racionalidade se impõe na distribuição dos espaços e elementos da produção vínica. Nota também para a transparência do edifício, por entre as ripas de madeira e as paredes de pedra, que dilui as fronteiras entre o interior e o exterior.
O armazém de estágio e envelhecimento da Quinta do Portal foi desenhado por Álvaro Siza Vieira, arquiteto também responsável pela Adega Mayor. Tem como imagem de marca a sua pele em cortiça e xisto, que se altera com a passagem do tempo e recobre uma imponente estrutura em betão armado. Emoção e razão no mesmo plano, sobrepostas numa fusão ordenada de linhas e curvas, dando ao vinho nada menos do que cinco mil metros quadrados de tempo para envelhecer com toda a graça. Fica em Sabrosa, no vale do Douro, e tem ainda uma sala de provas e um auditório.
Foi a primeira grande adega de autor nacional e tem a assinatura do primeiro Pritzker português: Álvaro Siza Vieira. Inaugurada em 2007, pode-se dizer que marcou uma nova era na construção de adegas neste país, território onde hoje em dia há já um espólio relevante e capaz de se destacar a nível mundial. A Adega Mayor começa por impressionar pelas suas dimensões, formando um grandioso retângulo de 40x120 metros. Tem, no entanto, uma brancura serena capaz de anular-lhe o gigantismo, assim como um perfil fino em sintonia com as linhas da paisagem. A não perder é também o seu terraço panorâmico, onde há um espelho de água a receber a luz alentejana, assim como um banco ziguezagueante para apreciar este pedaço de sossego.
Fica numa das quintas mais antigas do Douro, construída em 1716 e outrora pertencente a Dona Antónia Adelaide Ferreira. A adega e a cave de barricas da Quinta do Vallado concilia, por isso, dois tempos históricos, resultando da recuperação de edifícios antigos e da construção de novos, num marcado convívio de linguagens. Tem a curiosidade de ser uma adega que funciona por gravidade, aproveitando o desnível dos socalcos, e esse diálogo com o terreno estende-se também ao revestimento das fachadas dos novos edifícios, feito totalmente em xisto. E se no exterior são as linhas retas que predominam, no interior há uma forma abobadada que lhe amacia o betão e comunica com as barricas. O projeto esteve a cargo do gabinete portuense Menos é Mais Arquitetos.
O revestimento em tijolo negro funde a Adega Alves de Sousa com o seu entorno. Está-se, afinal de contas, em pleno Douro e aqui o xisto marca não só o território como o imaginário coletivo. Para explicar este seu projeto, o arquiteto António Belém Lima recorreu à Tríade Vitruviana, definida por Vitruvio na Roma Antiga para estabelecer os princípios fundamentais da arquitetura: Firmitas, Utilitas e Venustas. É, por isso, uma obra que procura assumidamente o equilíbrio entre a estabilidade, a utilidade e a beleza, no que não poderia ser esquecido: o contexto paisagístico deste edifício. Aliás, para contemplar o cenário envolvente há um terraço panorâmico sobre os vales, ideal para provas de vinhos e longas conversas. Quanto ao interior, o público geral tem uma loja e uma sala de provas, que o arquiteto António Belém Lima articulou com os espaços de produção do vinho, dando a cada canto o seu registo funcional e visual.
A Adega Gran Cruz foi erguida num antigo estaleiro de construção civil, em Alijó, devolvendo nobreza a um lugar outrora negligenciado. Esse respeito pela paisagem é notório em todas as vertentes do projeto, a cargo do arquiteto Alexandre Burmester, sendo a faceta mais notória dessa postura o extremo cuidado na interligação da arquitetura contemporânea com as formas tradicionais da região. É um edifício complexo, uma soma fluida de parcelas, juntando no mesmo espaço duas adegas e um centro logístico de armazenamento. Para disfarçar esta sua escala, aproveita um acidente do terreno que o distribui de um modo mais leve, assim como oferece ao olhar uma fachada transparente que lhe aligeira as medidas. O resultado está à vista, tendo sido usados 3300 metros de madeira, 35 quilómetros de tubagens em aço inox e 5180 metros cúbicos de betão, tudo em harmoniosa comunhão estética, de acordo com as exigências funcionais de cada zona interna e perfeitamente integrado numa região classificada como Património Mundial pela UNESCO.