Viveu muitos anos na Holanda, mas quando foi solicitado para intervir no Chiado, após o incêndio, Carlos Castanheira acabou por ficar no seu país. Os prémios que foi recebendo desencadearam inúmeros convites para projetos no estrangeiro, mormente na Ásia, onde tem trabalhado sobretudo com Álvaro Siza Vieira em projetos ‘faraónicos’, ainda que também goste de escalas menores, porque é interessante o desafio de pensar coisas diferentes. Confessa, no entanto, que os prémios lhe causam algum aborrecimento, porque o dispersam por outras atividades, e o que Carlos gosta realmente é de fazer arquitetura. Sempre com um sentido de humor apurado, fala-nos dos projetos ligados ao setor vinícola, nomeadamente da Casa da Torre, da Quinta da Faísca e de um projeto recente para o Grupo Amorim. Nunca fez um hospital – revela – e um dia há de fazer uma torre!
Quando era jovem, a arquitetura já fazia parte dos seus planos?
Não tinha ninguém na família que tivesse que ver com a arquitetura. Mas sempre me interessei muito por ver coisas em construção. Achava interessante. Também sempre gostei muito de brincar com legos e esse tipo de jogos de construção, e de desenhar. Se voltasse atrás, tomaria a mesma opção. O que me fascina é o ato de criar, dar conforto e prazer. Gosto de fazer coisas diferentes, de estar envolvido em projetos muito grandes, mas também pequeninos, e esse desafio de pensar coisas diferentes é muito interessante.
Fale-nos de dois projetos, um pequenino e outro muito grande, que tenham sido desafiantes.
Quando me chamaram para ver o local de um projeto que estamos a fazer na China, com 72.000 m2, foi um bocadinho assustador, mas depois ganha-se coragem e «vamos para a frente!». Outra coisa é fazer uma casinha pequena, ou uma pequena ampliação, como a que acabámos de fazer de uns escritórios de uma fábrica, que também é estimulante.
Esse projeto na China foi o que desenvolveu com o arquiteto Álvaro Siza Vieira. Como é que duas cabeças pensam um projeto dessa dimensão?
Para mim é comum porque eu já faço isso há muitos anos, mas é preciso um respeito mútuo, o mesmo respeito que tenho com os meus colaboradores. Não há ninguém que faça um trabalho sozinho, salvo raras exceções. Hoje em dia os projetos são desenvolvidos em colaboração. Este projeto na China, The Haishang Museum, está pronto e a obra vai começar agora.
Quando fundou o Carlos Castanheira Architects?
Fundei o atelier com uma sócia, que é a minha mulher, em 1992. Estive na Holanda muitos anos e quando me foi incumbido fazer o plano do Chiado, após o incêndio, voltei com um contrato de seis meses mas acabei por ficar.
Por ser um edifício bastante peculiar, quais foram os principais desafios inerentes ao projeto Building on the Water, que desenvolveu com o arquiteto Álvaro Siza?
Foi muito, muito desafiante, mas tivemos muito apoio dos clientes. Consistia em fazer uns escritórios em cima de uma fábrica que tinha 2 km por 2,5 km. Como o orçamento era grande, permitiu-nos imprimir alguma nobreza e riqueza ao projeto. Aquilo era uma obra faraónica. É uma estrutura brutal, com pilares de nove metros, fundações enormes. E eu nunca tinha feito um edifício a sério sobre a água. Teria de haver a ideia de que o edifício estivesse a flutuar e que fosse bastante diferente da imagem da fábrica. A fábrica é um edifício interessante, mas muito industrial, não necessariamente belo.
O que significam para si os prémios que tem recebido?
Eu, durante bastante tempo, não valorizei essa questão dos prémios e publicações. Estava muito concentrado em trabalhar. A pouco e pouco, fui-me apercebendo de que os próprios clientes ficam agradados quando um determinado edifício feito por mim ganha um prémio. Ganhar um prémio é, como a própria palavra diz, um reconhecimento, mas ao mesmo tempo é também um aborrecimento no sentido de que, depois, somos muitas vezes solicitados para outras coisas paralelas. Há quem goste mais, há quem goste menos, eu gosto mesmo é de fazer arquitetura. A grande mudança que os prémios desencadearam foi em 2006, quando aparece o primeiro convite para a ir à Ásia para fazer um trabalho. É nessa primeira ida à Coreia que começam a aparecer projetos maiores, que implicavam realmente ter mais gente, uma equipa maior. Embora seja difícil lidar com pessoas. Os computadores ‘não avariam’, mas algumas pessoas chegam já avariadas (risos).
«A quinta [Casa da Torre] é muito bonita e acho interessante a forma como inserimos a adega no terreno»
Alguns dos prémios recebidos referem-se a projetos de edifícios cuja matéria-prima principal é a madeira. Tem alguma predileção por este material?Isso é uma coisa que vem da escola. Na escola, uma vez, em conversa com os professores, apercebi-me de que não conhecia a madeira, tanto no estado vivo, a árvore, como a madeira já cortada. Portanto, interessei-me pela madeira. Comecei paulatinamente a fazer trabalhos em madeira, sendo que a primeira grande obra que fiz foi a minha casa, tendo sido muito fácil o diálogo com o cliente; o único problema que tive é que não me pagou (risos).
«As adegas estão em transformação e já não há lugar para o pó nem para as teias de aranha». Em que é que o projeto da Casa da Torre Winery marcou pela diferença?
Antes de aceitar o projeto da Casa da Torre, tinha visitado uma adega na Bairrada. Quando as pessoas a visitam, conta-se que o proprietário, em tempos idos, pagava a quem trouxesse teias de aranha, porque era a forma mais natural de apanhar os mosquitos. Hoje em dia, com as regras que há, não há lugar para esse tipo de coisas. É tudo aço inox, os procedimentos têm de ser super higiénicos, o chão já não pode ser em terra batida, ou em cubos de granito. A Casa da Torre foi uma novidade para nós e o cliente é excecional. Já existia lá uma adega, sem condições nenhumas. O cliente pediu que fizéssemos uma adega por cima da existente, tínhamos de manter a que lá estava e demoli-la apenas no final, porque havia vinho lá dentro. A quinta é muito bonita e acho interessante a forma como inserimos a adega no terreno e também o facto de ser uma adega por gravidade. O resultado foi fazer nascer uma adega como se ela sempre lá estivesse.
A Quinta da Faísca Winery foi ao encontro das pretensões do cliente?
A Quinta da Faísca foi também uma necessidade técnico-legal. Eles tinham uma adega, mas que não possuía as condições necessárias. Foi preciso fazer um novo espaço que já pretendia, mais do que na Casa da Torre, ter uma parte de enoturismo e uma parte de armazém, de repouso do vinho, que é a parte que está enterrada. São projetos diferentes, mas o que me agrada é que os objetivos foram cumpridos.
Por falar em cliente… o que é um cliente ideal?
O cliente ideal é o que quer trabalhar connosco, que é crítico, mas de uma maneira positiva… e que paga (risos). Há alguns clientes que, às vezes, pedem coisas estranhíssimas, que nós algumas vezes fazemos e outras vezes recusamo-nos a fazer. A esses podemos inseri-los na lista dos que não são bons clientes (risos).
Acredita que criar um edifício emblemático para o setor vinícola ajuda a dar visibilidade à marca?
Eu diria que, hoje em dia, se não se fizer diferente, não vende. Eu tenho outro projeto que está em construção, mas para um grande grupo, o Grupo Amorim, que consiste numa adega no Dão, que tem uma dimensão enorme. Na próxima Páscoa vai ser a inauguração oficial.
É apreciador de vinho? Esse facto ajuda, de alguma forma, a idealizar o projeto de uma adega?
Gosto de vinho bom e acho que sei o que é bom e o que é mau. Mas não sou nenhum expert. E gosto de dar a beber aos meus amigos os vinhos dos meus clientes. Mas temos de ser profissionais. Eu posso não ser praticante de uma determinada religião e isso não quer dizer que não possa dar resposta ao projeto de uma igreja ou templo. As adegas são trabalhos como quaisquer outros. Há clientes que aparecem e nós temos de estudar o programa, os condicionantes e dar resposta. Eu posso não ser apreciador de vinho e projetar uma adega. Mas se estivermos num ambiente mais familiar, pode ajudar.
Para além da arquitetura e das imensas viagens de trabalho, o que gosta de fazer?
Uma das coisas que gosto mais de fazer é estar em casa, porque estou poucas vezes e é quase o meu escape, é o meu território, é onde me sinto muito bem, sobretudo quando consigo estar no exterior da casa. Acho fantástico. Quando vou de férias, não consigo desligar de ser arquiteto. Às vezes é um bocadinho cansativo, porque dou por mim a ver o que está bem feito e o que está mal feito. Já fui mais de ver muitas coisas de arquitetura em viagens de férias. Agora só vejo o que está à mão, as coisas principais.
Há algum projeto que gostasse ainda de desenvolver?
Nunca fiz nenhum hospital. Gosto muito de fazer hotéis! Também gostava muito de fazer uma torre. É um tipo de projeto ao qual não se dá muito valor, mas é de uma grande complexidade.