Nasceu no Porto e é também da Escola do Porto a sua formação em Arquitetura, uma profissão que não fazia parte dos seus planos, mas que hoje o fascina de tal forma, que não saberia ser outra coisa. Criou, com Cristina Guedes, o atelier menos é mais, um nome que, de alguma forma, remete para os seus tempos de escuteiro, em que aprendia a construir o essencial e com poucos recursos. Do longo curriculum do já muito premiado atelier de Francisco Vieira de Campos faz parte o projeto da Quinta do Vallado cujo grande desafio foi conjugar a nostalgia com a tecnologia, ou a tradição com a inovação, o passado com o futuro. Interveio também na Quinta do Crasto e não esconde a vontade de fazer mais adegas, assim como desenvolver projetos além-fronteiras, sempre com base na contemporaneidade, no risco, na experimentação e na investigação.
Como surgiu a arquitetura na sua vida?
No início, julgava que a minha vocação estava mais ligada às Belas Artes e menos à Arquitetura. Mas depois, por influências, entrei em Arquitetura. Hoje penso que, se não fosse arquiteto, só poderia ser bailarino ou artista de circo. Aprende-se a gostar com o ‘tempo’, primeiro através dos magníficos professores que tive, depois, há uma necessidade inata associada à ideia de criar, de projetar, de construir, de ver nascer a obra… É um processo que me fascina.
«Tem de haver uma relação harmoniosa entre a nostalgia e a tecnologia»
Criar o atelier menos é mais foi um passo natural?
Sim. Quando estava no primeiro ano da faculdade, uma série de alunos, incluindo eu, já partilhava um espaço a que podemos chamar atelier ou escritório. Esta experiência precoce coletiva levou-nos, de uma forma natural, a gostar de estar num espaço com muitas pessoas, onde a discussão, a partilha de ideias e as críticas fazem parte de uma aprendizagem contínua que cultivamos até aos dias de hoje.
Menos é, de facto, mais?
Menos acaba por ser tudo. Gosto de associar a ideia do menos, à ideia de essência, à ideia de caráter.
Por detrás de um bom vinho há sempre uma grande adega?
Acho que primeiro deve haver um bom enólogo e boa matéria-prima. É o enólogo que faz com que o vinho aconteça. Por muito que a arquitetura seja boa, se tudo não estiver em sintonia, não funciona. No Vallado, a arquitetura pode ajudar a enaltecer o espaço onde se produz o vinho e os espaços que os visitantes podem admirar, mas, na realidade, o importante é que haja uma equipa a funcionar na perfeição.
Foi fácil que o projeto da Quinta do Vallado respondesse às necessidades funcionais de uma adega e, simultaneamente, mantivesse a identidade do lugar?
Um projeto, por mais simples que seja, nunca é fácil. Pertenço a uma escola que nos ensinou a resolver os problemas das pessoas através de uma leitura muito atenta ao lugar onde vamos intervir e ao programa pedido. Temos a perfeita consciência de que para construir é necessário destruir. É neste equilíbrio que trabalhamos. Este equilíbrio é muito sensível. Qualquer solução menos adequada pode destruir para sempre a essência do lugar. Tentamos ser o mais adequados possível, sendo que, ao mesmo tempo, não deixamos de arriscar e experimentar até ao limite. Gostamos da relação entre a nostalgia e a tecnologia.
Que linguagem arquitetónica têm de ter as adegas do século XXI?
A linguagem do nosso tempo, a linguagem contemporânea com todas as ambiguidades que o termo transporta. Não há uma única via, ou solução. Julgo que o importante é encontrar soluções adequadas, ser coerente com as ideias que disciplinam o projeto.
«Gostaria de fazer mais adegas»
Lecionar ou fazer arquitetura. O que prefere?
Fazem parte da mesma ‘matéria’, complementam-se. «Somos o que fazemos, ensinamos o que somos». No início dedicava-me mais ao atelier e menos ao ensino. Com o tempo fui descobrindo que lecionar, para além de uma enorme responsabilidade, obriga-me constantemente a adaptar as minhas ideias às incertezas dos estudantes. Trabalhar com as incertezas dos alunos e com as minhas ‘in-certezas’, compatibilizar, dialogar, criticar… é muito gratificante!
Em que medida os prémios que têm recebido são importantes?
São importantes pela visibilidade que proporcionam, mas principalmente são importantes pelo reconhecimento do trabalho realizado. O reconhecimento é feito, numa primeira instância, à obra, mas é fundamentalmente o reconhecimento de todas as pessoas envolvidas que permitiram a sua concretização.
Fale-nos de um projeto que lhe tenha dado particular gozo desenvolver?
O projeto para o teleférico de Vila Nova de Gaia. Foi um projeto que pôs à prova as nossas capacidades para resolver ao mesmo tempo, vários problemas complexos. Os do sítio (centro histórico de Gaia), os do programa (infraestrutura de transporte), e os da sofisticação tecnológica. Conciliar todas estas variáveis, tecnologia com património, encomenda privada inserida no espaço público, tecnologia de ponta com construção artesanal, fez deste projeto um verdadeiro desafio que nos levou a ser convidados pelo Aravena (curador da Bienal de Arquitetura de Veneza) a estar presentes.
O que estão a fazer na Quinta do Crasto?
A reabilitação de duas construções (património protegido). Uma corresponde ao espaço dos lagares e a outra ao espaço da adega velha. No fundo, a estratégia passou por repor o que estava, obrigou a uma atualização do sistema construtivo, mais sofisticado. O importante era não perder o forte caráter das construções.
Um sonho enquanto arquiteto?
O que me interessa verdadeiramente é o presente, embora estejamos sempre a falar do futuro. O futuro é incerto. Na realidade, pedem-nos para desenhar o que não existe. Esta imprevisibilidade obriga-nos a uma constante atualização da ‘in-certeza’. O sonho e a realidade acabam por fundir-se no tempo e no espaço.