Sempre
sonhou com a arquitetura? Gosta de arte e de comunicar através do desenho. O
que é que a arte e o desenho têm em comum, quando passados para um projeto de
arquitetura?
A arquitetura nasceu de um sonho de
criança. Acho que é comum nos arquitetos. Não sou diferente aí. Sempre tive
esse sonho. Acho que se não tivesse sido arquiteto, hoje trabalharia na
construção civil a dar forma ao que os outros projetassem. Tive um percurso
académico que começou em Lisboa, na Faculdade de Arquitetura. Nessa altura,
ainda estava próxima do Chiado e era conjunta com as Belas Artes. Aí fiz a
primeira aproximação ao mundo da arquitetura e cresci como pessoa ao ter vivido
numa cidade grande. Lisboa trouxe-me o fado e a luz. Voltei ao Porto, à procura
do sonho que tinha de me formar na Faculdade de Arquitetura da Universidade do
Porto. A célebre escola do Porto. Comecei de novo. Acho que foi uma das minhas
melhores decisões. Comecei do zero, tendo já o conhecimento de um ano de
aprendizagem em arquitetura. Tive um percurso académico muito intenso, tive o
privilégio de ter grandes professores, que me ensinaram arquitetura, a
desenhar, a pensar. Não posso deixar de falar no Sérgio Fernandez, o homem que
me fez confrontar com o modo de pensar de um arquiteto, A Madalena Pinto, o
Nuno Lacerda, o Siza Vieira. No quarto ano fui trabalhar para o atelier
do Prof. Francisco Barata Fernandes. Aí encontrei o verdadeiro lugar da arquitetura.
A arquitetura que deriva do pensamento crítico e desenhado. O desenho que
procura a mão que pensa. Quando terminei o meu curso tive o privilégio de
integrar a Escola Superior Artística do Porto, onde lecionei no curso de Arquitetura
durante 13 anos. Foi aí que mais aprendi sobre arquitetura e sobre pessoas. Os
alunos fizeram-me crescer enquanto homem e arquiteto. Conheci muitas pessoas,
fiz muitas amizades. Será esse o meu melhor ganho para a arquitetura que faço.
Criou
o Ricardo Azevedo Arquitecto (RAA) em 2002. Que desafios enfrentou ao longo
destes anos? E o que mais o marcou na sua carreira?
Verdadeiramente
comecei em 2000, num pequeno atelier em Gaia. Foi um percurso
interessante. Como todos, com altos e baixos, mas acima de tudo sempre com um
crescimento amadurecido na arquitetura. O tempo traz-nos mais certeza.
Desenvolve-nos mais habilidades. Estruturalmente torna-se quase inato ir
aprendendo a trabalhar em equipa. Assumo sempre a responsabilidade de tudo,
contudo descobri na versatilidade da equipa a oportunidade de explorar novos
caminhos, novas perspetivas. Hoje, o atelier tem 20 colaboradores.
Procuro as pessoas pelo seu caracter, esse é o principal valor de um bom arquiteto,
médico, advogado, se quiser carpinteiro, serralheiro... Passados 22 anos,
estimula-me ter comigo pessoas de gerações diferentes, de países diferentes. Pessoas
com caminhos feitos que tragam novidade ao atelier. Temos pessoas do
Brasil, da Turquia, pessoas que passaram parte da vida no Japão, pessoas das
diferentes escolas de arquitetura. Não me fixo no estereótipo. Procuro a diferença.
Com eles visitamos outras realidades e o desconforto dos lugares e perspetivas
desconhecidas dão-nos melhores oportunidades. Discutimos. Todos participam ativamente do projeto.
Quais as vossas áreas de
especialização?
22 anos depois não me considero especialista em um
programa específico. O arquiteto tem que reunir um saber transversal.
Felizmente, nestes anos, tive a oportunidade de projetar casas, igrejas, fábricas,
escolas, hotéis, ruas, praças, cemitérios, lares, unidades de cuidados
continuados... Projetos pequenos e grandes. Sinto que após todos os projetos
desenvolvidos qualquer desafio é encarado de modo natural, com o somatório de
todos estes anos e com o somatório de uma vida inquieta e pertinente. Tudo
quanto vejo e sou acaba por aparecer nos meus projetos. No desenho de um projeto
está sempre presente a nossa dimensão física e espiritual.
Sempre que aparece um projeto novo a dúvida estimula a
sua procura. É muito mais fácil quando em programas complexos conhecemos toda
sua dinâmica funcional e regulamentar. Nesse sentido, posso sentir o privilégio
de ter acumulado uma experiência facilitadora, mas tendo a dificultar sempre o
meu caminho. Nunca parto de algo que já conheço. Utilizo o somatório do que
experimentei, mas procuro novidade. Gosto sempre dos lugares que desconheço. O projeto
enquanto busca de um desconhecido é mais motivador. É aí que está a base de
tudo. A evolução parte sempre do saber acumulado, da história.
O
facto de não estarem sediados numa grande cidade como Lisboa e Porto, alguma
vez foi impedimento para a realização de certos projetos?
Hoje mais do
que nunca o local onde estamos pouco importa. Importa o que somos, o que
fazemos, como comunicamos. Estar em Lisboa ou Porto apenas melhora o nosso
acesso a outras realidades. Concertos, exposições, este ou aquele restaurante.
Este facto, facilmente se supera. Viajar recupera esta distância. Todos fazemos
o nosso caminho. Atualmente estou quase sempre dois dias por semana em Lisboa,
Alentejo e Algarve. Acompanho os projetos e os clientes numa relação direta e
pessoal, gosto de o fazer assim. Quando projetamos para fora comunicamos
facilmente por canais digitais. O caso mais extraordinário que vivemos,
enquanto clientes e distância, foi um convite de um grupo de investidores para
fazer uma Torre no Paraguai. Esse convite correspondeu a um concurso que
felizmente acabamos por ganhar. Este projeto foi desenvolvido em conjunto com
um antigo aluno que tive, enquanto professor do curso de arquitetura na ESAP,
no Porto, o Nuno Bessa. É sempre estimulante dividir com algumas pessoas a
criação de projetos. Somos mais e melhores quanto experimentamos a irreverência
da juventude com a serenidade do amadurecimento. O melhor de duas gerações,
aparece, no confronto de ideias, de desenhos.
Quando tudo começou
não me parecia possível chegar a estas geografias. Desenvolvemos projetos para
um grupo Espanhol e outro Grego. Fizemos pequenos projetos para a Alemanha e
Paris. Trabalhamos em Maputo e Luanda. Estamos sempre abertos a desafios.
Um acontecimento
que não esqueço foi ter desenvolvido o projeto de uma Torre para uma das
principais avenidas de Maputo. Fizemos o estudo prévio, sem nunca ter visitado
o local. O Google ajuda, mas esquece-se que compreender um lugar, uma
cidade, implica relacionarmo-nos com ele, em todos os sentidos humanos.
Lembro-me de entrar no avião orgulhoso do meu projeto enrolado num tubo. Quando
pisei solo africano, senti cheiros, invadiram-me imagens de outdoors
pintados com o símbolo da Coca Cola. Entrei numa cidade de avenidas rasgadas
com edifício modernistas, preenchidos por uma arquitetura com fachadas marcadas
por desenhos estruturais marcados. Percebi que levava um projeto sem contexto.
Pedi um escritório, um lugar onde conseguisse trabalhar e refazer o meu projeto.
Acabou por pertencer ao lugar. Encontrou a direção certa. Hoje, projeto nos sítios
que visito, sinto e só́ assim me envolvo com o contexto. Às vezes em
continuidade outras em oposição, mas sempre consciente da relação.
São
mais de 20 anos dedicados à arquitetura. De alguma forma, olha para os
primeiros projetos realizados e os vê como ‘inadequados’ aos tempos de hoje, ou
continuam a ser um retrato da sua essência, do seu traço, enquanto arquiteto? Comecei muito
cedo a trabalhar com o Arquiteto Francisco Barata, enquanto estudante na FAUP.
O Barata era meu professor e convidou-me para o seu gabinete no meu terceiro
ano. Essa passagem por lá ajudou-me a desenvolver outras capacidades que,
somadas à experiência académica, me levaram a integrar na minha vida
profissional. A vida faz-se de experiências e sempre fiquei atento a tudo o que
desenhei e construí. Gosto de visitar a obra sozinho em alguns momentos de silêncio.
Antes, durante e depois da construção. O antes, anuncia-me o futuro, o durante,
altera as relações entre as partes e, nesse momento, ainda se podem
redirecionar alguns pontos. O meu caminho é importante, por isso não retirava
nada. Se voltasse atrás não sei se mudaria alguma coisa. Estou a caminho. O que
procuro é fazer uma arquitetura consistente, com uma linguagem intemporal, onde
caibam as pessoas que a vão habitar. Gosto de revisitar os projetos, anos mais
tarde, perceber como envelheceram e gosto de encontrar as pessoas com quem
trabalhei.
«Tive
o privilégio de ter grandes professores, que me ensinaram arquitetura, a
desenhar, a pensar»