«O imaginário do arquiteto é feito de memórias espaciais», diz-nos João de Sousa Rodolfo, fundador do atelier Traçado Regulador, ciente de que inicia conversa prolongada. Da casa onde nasceu, no Algarve, guarda o pátio, a relação dos espaços interiores e a açoteia.E, de facto, a sua biblioteca de memórias – como lhe chama –é o recurso a que recorre para recriar, acrescentar ou combinar de forma original, a par com as vivências e o olhar crítico que detém.
Soltroia: uma intriga espacial
Projeto com assinatura Traçado Regulador
João dá-nos liberdade para a primeira pergunta. «Afinal, uma casa é criada de dentro para fora ou de fora para dentro?», ao qual nos responde «em ambos os sentidos». A conversa segue inevitavelmente o rumo sustentável, na perspetiva da natureza sob o abrigo da arquitetura. O tema é dominado por João de Sousa Rodolfo, que defende que a arquitetura tende a evoluir quando caminha lado a lado com a natureza, ainda que possa significar maior exigência no procedimento do projeto. Levantámos a questão de projetar uma habitação à beira-mar, a qual nos assegura ser um processo exigente. «A proteção das orlas costeiras torna cada vez mais difícil encontrar um local desse tipo», refere. De facto, o gabinete Traçado Regulador é, nos seus 25 anos de existência, experiente na construção de sonhos à beira-mar. São processos difíceis, mas compensatórios no resultado, garante. E é então que surge o nome Soltroia, a recente moradia unifamiliar da Traçado Regulador, que João faz questão de apresentar. Localizada em Troia, destaca-se pela arquitetura contemporânea, volumes simples, amplos envidraçados e múltiplas sombras e transparências que a tornam membro integrante da paisagem. «Diluição visual», resume, ao encará-la sóbria e branca, sem aparentes imperfeições. A horizontalidade que liga a casa ao terreno é harmoniosa e o olhar parece sempre esgueirar-se para o exterior. A intriga espacial é autêntica, veja-se pelos vazios por onde a mente parece entrar na procura por mais. Não é preciso perceber de arquitetura para contemplá-la, já que se apresenta com cenários propensos à vida. Em jeito de divagação, diz-nos o arquiteto: «Há fatores estéticos que faço inconscientemente». O que é certo é que as funções práticas parecem camuflar-se nas funções contemplativas e que a psicologia do espaço foi explorada com rigor, confirme-se pelas fugas percetíveis, importantes para evitar espaços de conflito – problemas que a pandemia veio evidenciar no funcionamento de uma habitação.
Cenários propensos à vida
Com
sala de cinema, ginásio, adega, sala multiusos, sauna e banho turco, diversão
não faltará na moradia de dimensões pouco comuns para uma casa de férias. São
três pisos repartidos por 1406 m2, em que a espacialidade interna
joga com o conforto. Os tons neutros do edifício subentendem uma vida sem
dificuldade e, a somar às potencialidades da moradia,apresenta-se a sustentabilidade.
A madeira é um dos materiais eleitos para a construção do projeto, devidamente tratada
para eliminar humidade latente e evitar empeno. A eficiência energética é outro
facto de realce, já que através do sistema de climatização recorre a
recuperação energética.A gestão da iluminação com luz natural,circuitos
pensados para produção fotovoltaica de autoconsumo e isolamento térmico A ou A+
são outras valências.Entre geometrias e apontamentos de verde que a fazem enquadrar-se
na paisagem, Soltroia resultou numa contemplação de horas, e que imponente e celestial
que é.