De entre os cargos de grande responsabilidade que ocupa, é presidente da União Africana de Arquitetos (AUA) há cerca de um ano. Victor Leonel diz-nos que, por isso, lhe sobra muito pouco tempo para fazer, de facto, arquitetura. Nesta entrevista, fala-nos sobre as dificuldades em conciliar vontades de 42 países e, sobretudo, do longo caminho que Angola tem de percorrer para que o papel do arquiteto seja valorizado. Acerca da condecoração que recebeu recentemente, frisa que é o «reconhecimento do grandioso trabalho que tem sido desenvolvido pelos diversos Presidentes que AUA tem tido», acrescentando, porém, que é para si «uma responsabilidade manter a fasquia alta».
Ser arquiteto foi um sonho de infância?
Não, porque na altura nem sequer sabia o que era arquitetura. Ouvia falar de Engenharia e, portanto, pensava ser engenheiro.
Qual é a missão da União Africana de Arquitetos?
Os principais objetivos da União Africana de Arquitetos são: aglutinar as ordens profissionais do continente; divulgar os trabalhos feitos pelos arquitetos africanos nos diferentes países; proteger o património construído; premiar os grandes projetos e publicitar os seus autores; criar um sistema de acreditação das escolas de arquitetura de África; promover a pesquisa e divulgação nas escolas e nos média da História do Património Arquitetónico e Cultural de África; promover o ensino de arquitetura nos diferentes países; promover o estudo sobre a matriz arquitetónica e urbana africana; entre outros.
Da União fazem parte 42 países. É fácil convergir tantas vontades?
Não é tão fácil assim, porque os países têm tendência a juntarem-se em função da língua ‘veicular’ oficial do país. África tem cinco línguas ‘Veiculares’: Inglês, Francês, Português, Árabe e Espanhol. Quando entrei para a AUA, as línguas oficiais eram apenas o Inglês e o Francês. Agora também são o Português e o Árabe.
Foi eleito presidente da AUA em junho último. Desde então tem cumprido os objetivos a que se propôs?
Até agora sim. O meu mandato tem como principal desafio implementar a nova Constituição da União aprovada no Congresso de 2015, em Kampala, Uganda.
Considera que em África o arquiteto tem um papel digno, ou há ainda um caminho a percorrer nesse sentido?
Em alguns países o papel do arquiteto já é digno, mas, na maioria dos países, ainda não. Isto é um processo que passa pela consciencialização dos políticos africanos, porque são eles que detêm o poder e, muitas vezes, têm dificuldade em «dar a César o que é de César».
A arquitetura africana tem espaço para ganhar mais protagonismo no mundo?
A arquitetura africana no mundo contemporâneo começou a dar os primeiros passos e o caminho ainda é longo e, acredito, vitorioso.
Como se concilia a arquitetura moderna com a identidade e memória arquitetónica?
A arquitetura contemporânea está a resgatar a identidade e a memória dos diferentes lugares e, ao mesmo tempo, dá-lhe a abrangência global.
Defende que os governos elejam os arquitetos dos respetivos países para concretizar projetos públicos. Porquê?
Arquitetura é uma das manifestações culturais de um povo. Portanto, ao elaborarmos projetos devemos conhecer a cultura do povo para a qual estamos a projetar. Naturalmente que o nativo conhece melhor que o emigrante a sua realidade. Ou o estrangeiro deve trabalhar em parceria com o arquiteto local. Mas existem arquitetos de renome internacional que conseguem dialogar com o lugar de forma interessante e com resultados bastante bons. A estes, consensualmente, as portas abrem-se.
«Os políticos africanos muitas vezes têm dificuldade em ‘dar a César o que é de César’»
É também presidente da Ordem dos Arquitetos de Angola e vice-presidente do Conselho Internacional dos Arquitetos de Língua Portuguesa (CIALP). Com toda esta experiência internacional, como vê a evolução da arquitetura em Angola?
A arquitetura em Angola está a dar os primeiros passos. É uma pena envolverem-se pouco os arquitetos angolanos na resolução dos problemas ligados ao nosso setor. Por detrás de um Arquiteto está uma indústria de materiais de construção. O que significa que ingenuamente promove-se a indústria de diferentes países em detrimento na nossa, que até já é escassa. Para melhorar é preciso trabalhar e é isso que os arquitetos em Angola reclamam.
Qual é o projeto que urge concretizar em Angola?
Está tudo a começar! Mas é urgente o ensino de Medição e Orçamento nas Universidades, para poder haver maior controlo sobre o custo de construção, que é onde o país está a perder bastantes recursos.
Ainda tem tempo para fazer arquitetura?
Muito pouco.
Foi recentemente condecorado, em Londres, pelo Royal Institute of British Architects, com a medalha RIBA Presidential Medal. O que significa para si essa condecoração?
Significa o reconhecimento por parte da RIBA do grandioso trabalho que tem sido desenvolvido pelos diversos Presidentes que AUA tem tido. Significa o respeito que a AUA granjeou ao longo dos seus 38 anos de existência. É, por outro lado, uma responsabilidade para mim manter a fasquia alta, batalhando para que ela suba ainda mais.