«Há 30 anos, a Fátima Lopes era amada e odiada (...) passei de besta a bestial»
Sempre foi uma pessoa diferente, «fora da caixa»?
Em criança, não tinha a noção de que havia a sede de diferença. Portugal era antiquado, mas o Funchal era mais ainda. Penso que os jovens tinham uma vontade doida de fazer coisas diferentes, de ir à procura de tudo o que não tivesse sido feito. Essa vontade de fazer diferente fez com que nascesse toda uma geração de criadores de várias áreas, talvez porque nunca tiveram acesso a nada e, de repente, queriam fazer muito. Eu sou um desses exemplos. O que era uma dificuldade eu tentei transformar em projetos aliciantes e diferentes. Foi isso que definiu a minha marca desde o início. Não é uma cópia de ninguém. Muitas foram as vezes que disseram que a Fátima Lopes não é tendência. Claro que não é tendência, é única, aliás, foi isso que fez com que Paris abrisse as portas à minha marca. Diferença é a definição de criador e, portanto, nunca ninguém poderá acusar-me de fazer cópia de alguém, porque eu sempre fui leal a mim mesma, gostem ou não.
Viajou pelo mundo desde cedo, uma vez que começou por ser guia turística. Foram essas viagens que a espicaçaram a pensar maior?
As viagens mostraram-me o mundo e que era capaz de fazer tudo aquilo que quisesse. Com 19 anos, percebi que a minha vida poderia ser em qualquer sítio, independentemente da minha profissão. O mundo era tão grande..., não precisava de estar fechada numa ilha. Portanto, ter sido guia turística acabou por ser uma escola de vida, até porque o meu trabalho consistia em organizar viagens. Era uma miúda responsável por grupos de 50 pessoas que, às vezes, ia para sítios que desconhecia e tinha de fingir que os conhecia, numa altura em que não havia Internet. Foi isto que me deu uma loucura saudável, a irreverência de não ter medo. Pensei que, se era capaz de fazê-lo, também seria capaz de seguir o meu sonho.
Aos 23 anos, chega a Lisboa e dá os primeiros passos no mundo da moda. Portugal abriu logo os braços ao seu talento? Entenderam-na logo?
Esse é um filme engraçado. Há 30 anos, a Fátima Lopes era amada e odiada em simultâneo. Eu era entendida por um nicho de pessoas como eu, jovens irreverentes que queriam moda viva. Portanto, havia pessoas que não me entendiam de todo. Na altura, não era consensual. Curiosamente, nunca foi um problema para mim, aliás, fez-me querer ir mais além. Se as críticas fossem construtivas, poderia ouvi-las, mas a maior parte delas faziam-me rir. Se a intenção era deitar-me abaixo, correu mal.
Foi preciso ter reconhecimento lá fora para que os portugueses olhassem de maneira diferente para a Fátima?
Sim. Quando comecei na moda não fui cópia de ninguém. A pouca imprensa de moda que havia, e pouco entendida, dizia que eu não era tendência. Quando chego a Paris, sou a primeira criadora de moda portuguesa a entrar na Paris Fashion Week. A imprensa de moda internacional abriu-me as portas e, aí, os «velhos do Restelo» já não afirmaram que o meu trabalho era mau, pois seriam tomados como ignorantes. Portanto, foi uma reviravolta, passei de besta a bestial. A partir de 1999, não era bom falar mal da Fátima Lopes, uma vez que já tinha uma marca internacional.
O que é que o exterior viu no seu trabalho que Portugal não reconheceu?
Falamos apenas de profissionais e de amadores. A Semana da Moda, em Paris, é um evento destinado a profissionais de moda. Quem lá vai consegue perceber quem é ou não criador. Em Paris, as cópias não entram, porque quem as faz não é criador/a, é costureiro/a. Portanto, o profissionalismo abriu-me portas. Em Portugal, estavam habituados a copiar revistas que vinham do exterior e, de facto, foi uma grande diferença deixar de ser julgada por uma imprensa amadora em detrimento de uma imprensa profissional.
Ouviu muitos «nãos», pelo caminho?
Sim. Nada foi fácil e o maior obstáculo foi o industrial. Fiz 30 anos de carreira e continuo a repetir o mesmo desde o princípio: a indústria da moda em Portugal nunca soube entender os criadores. Quando comecei, era vista como uma miúda lunática, sem noção do comércio. Não era entendida pela indústria, embora ainda note que o mesmo problema persista. Creio que querem trabalhar para as marcas internacionais para produzirem milhões de peças, nunca havendo uma aposta séria nas marcas portuguesas.
Atualmente, a moda é responsável por grande parte do PIB de muitos países. Em Portugal, temos uma indústria focada em trabalhar para o exterior, que não exibe o Made In Portugal. E, de facto, os «nãos» que ouvi foram em grande parte da indústria. Fui, inclusive, obrigada a abrir a minha própria fábrica. Hoje, trabalho com fábricas que já me entendem, mas, infelizmente, a juventude que dá os primeiros passos no mundo da moda, atualmente, deve estar a deparar-se com a mesma dificuldade pela qual passei.