Imaginava chegar tão
longe na carreira?
Não cheguei muito longe, estou aqui,
ao pé de si, no meio da SIC, com muito para fazer (risos). Não foi nada de extraordinário. É preciso trabalho,
atenção, dedicação e estarmos sempre atentos a tudo. O meu percurso é muito
simples. Aliás, eu tenho o meu curriculum
numa folha A4. Faço questão que não tenha muitas coisas.
Porquê?
Por que acho
que na vida só há duas ou três coisas importantes, não é preciso muita coisa.
E o que é
importante, ou tem sido importante para si?
É tentar
perceber a realidade e, quando não percebemos, fazermos muitas perguntas mesmo
ingénuas, porque há coisas que nós não sabemos e, às vezes, os outros, que
estão do outro lado a falar connosco, têm na sua cabeça que nós deveríamos
saber. Parto sempre do princípio que ninguém sabe tudo e quando eu quero saber pergunto,
mas pergunto insistentemente. Isso levou-me à fase em que, pensando que já sei
alguma coisa, criei convicções, que partilho e defendo. Não é ser convencido. É
reunir um conjunto de informações sobre determinadas matérias que já posso
partilhar de uma forma afirmativa, tendo opinião. Permito-me fazer isso porque
acho que tenho retorno com os meus espectadores e leitores. Uns criticam,
outros aplaudem, mas não ficam indiferentes.
«Posso dizer que já votei em partidos de direita e partidos de esquerda. Eu voto útil»
Nem todos os comentadores querem ser presidentes da
República?
Não. Mas houve e há pessoas que continuam a pensar assim.
Normalmente, se alguém diz que o Estado não pode gastar tanto em despesas
fixas, por exemplo, ter uma estrutura de pagamentos de salários muito pesada e
ter uma estrutura de sistemas de pagamentos de responsabilidades sociais e de
pensões que nunca mudam e podem acumular erros e omissões, esse tipo de leitura
é facilmente catalogado como de direita. Tão facilmente que é impressionante. E,
no entanto, houve muitos governantes de esquerda que fizeram estas análises.
Acho que isso é limitador da nossa atuação enquanto jornalistas e também reduz
a amplitude do debate democrático.
Já foi confundido com o ministro das Finanças, Mário Centeno, nas fotografias
oficiais do Eurogrupo. No seu
entender fazia um papel melhor do que ele?
Eu percebo essa provocação, mas não me sinto especialmente
atacado. Sinto que há pessoas que gostariam que os jornalistas tivessem agenda
política, e eu não tenho. Eu faço política. Ai faço, faço. Ao escolher, ao
decidir optar, faço política, mas não é política partidária. Já votei em vários
partidos. Posso dizer que já votei em partidos de direita e partidos de
esquerda. Eu voto útil. Voto naquele que entendo que seja o melhor para o país
e, infelizmente, a maior parte das vezes, é o que faz menos mal ao país. É
assim porque a escolha não é muita.
No livro que escreveu (O Meu Programa de Governo),
a ideia que defende de Governo distancia-se muito do que atualmente vigora?
A maior parte das coisas que escrevi mantém-se atuais, os
constrangimentos da nossa sociedade, os de fundo, não desapareceram.
Resolveu-se um problema gravíssimo no financiamento da República e não só. Os
dos bancos continuam a existir porque eles não conseguem ir ao mercado
livremente pedir dinheiro, estão ainda muito limitados. As empresas públicas,
boa parte delas, também não, mas o Estado conseguiu voltar a financiar-se e,
portanto, houve de facto uma evolução interessante nesse aspeto. Darmos opinião
sobre essa evolução do país é importante porque as pessoas têm de perceber. É
preciso relacionar factos e tentar interpretá-los à luz das realidades,
que, muitas vezes, nem são só internas, são externas, são decisões do Banco
Central Europeu, da Comissão Europeia...
«As instituições são maleáveis. Moldam-se aos interesses: qualquer coisa que um grande grupo quer consegue passar uma lei no Parlamento»
Há excesso de zelo no país?
Há tudo, excesso de zelo e, sobretudo,
há uma coisa que é a parte da administração pública, que tem o poder de
decidir, querer manter esse poder. Interessa-lhes ter os empresários na mão. É
assim, literalmente. Muita gente que trabalha no Estado não gosta que eu diga
isto, mas esta é a verdade. É assim com os Ministérios da Agricultura, do
Ambiente, da Economia e da Administração Interna e da Saúde, para citar os que
mais diretamente têm que dar autorizações para os empresários trabalharem. E é
assim com as câmaras municipais. Algumas já aprenderam, mas muitas, quando
um empresário lá vai dizer que quer fazer uma pequena oficina, ainda há
funcionários a dizer: «Não! Façam mas é uma loja de artesanato!». Como se isso fosse
viável para o futuro. Em alguns sítios, onde há mais turismo, pode ser. Mas não
pode constituir-se um tecido empresarial e económico de um país só com esta
ideia de turismo e de serviços. Não pode! E os funcionários destes departamentos
não têm a cabeça orientada para captar investimento. Têm a cabeça orientada
para justificar a continuação no seu posto de trabalho, porque se eles
dissessem que sim a tudo, e isto é um problema do regime e da democracia,
acabavam por esvaziar a razão da sua própria existência.
Mas há casos em Portugal em que se percebe, claramente, que
a burocracia foi eliminada para satisfazer interesses...
Esse é o problema. O que acontece num sistema disfuncional é
que o pequeno, médio e grande empresário, que não está feito com o poder, é
bloqueado. E os empresários que ousam estar feitos com o poder, no sentido literal
do termo, têm portas abertas…
É fácil perceber quem está de um lado e quem está do outro?
Pode-se imaginar e alguns casos até já foram parar à
investigação e à justiça. Mas depois há outra bolsa, a dos que não estão nem de
um lado nem do outro, nem são pequenos e médios empresários à espera que os
deixem investir, nem são corruptores, nem são os que entram no esquema. São as
grandes multinacionais que têm tanto poder que condicionam os próprios governos
e impõem leis. A democracia está bloqueada em muitos aspetos e isso tem um
impacto imediato na atividade económica. E resolver estes problemas não faz
parte da agenda política.
«Eu faço política. Ai faço, faço»
No caso do processo em que José Sócrates pôs o Estado em
tribunal, quem vai ficar a perder, o próprio ou o Estado?
Hoje em dia
faço uma análise mais global. Durante muito tempo pensei que Portugal estava a caminhar
no sentido da clarificação das relações entre agentes económicos e sociais e
que o grau de corrupção iria sendo diminuído… Apanhei uma desilusão porque fui
percebendo, naqueles anos de loucura financeira, 2006, 2007, 2008 e 2009, em
que se suspeitava de muita coisa, que era o próprio coração do Estado que
estava afetado pela mancha da corrupção. Se repararmos bem, não há sector
nenhum que escape. É um problema que vem de cima. As instituições são maleáveis.
Moldam-se aos interesses: qualquer coisa que um grande grupo quer consegue
passar uma lei no Parlamento. E depois os que estão no intermédio e na parte de
baixo da escala dizem: «Mas eles fazem os negócios a seu favor, com a cobertura
do Estado, e eu não consigo sacar o meu? Tenho de conseguir». E depois isto
reproduz-se até em termos sociais, de pais para filhos. E não saímos disto.
Portanto, estamos, neste momento, numa fronteira muito delicada entre um mundo
desenvolvido, que vive em estados de direito, e nós, que não estamos
verdadeiramente lá, e estamos a cair para um mundo subdesenvolvido em que vale
a prepotência, o ‘desenrascanço’ e o esquema para conseguir decisões que
favorecem o próprio em detrimento do que é a concorrência. Isto é gravíssimo e
as pessoas não estão a perceber muito bem que estamos a voltar a um tempo em
que as instituições bloqueiam porque não conseguem resolver estes problemas. É
preciso fazer essa mudança, mas não sei se a classe política atual consegue.
Também por isso acho que os jornalistas têm um papel de ir lançando o alerta e
dizer que não pode ser. Muitas vezes a política partidária demite-se desse
papel, porque lhes interessa. Há questões relacionadas com a banca, que a
direita nunca quis investigar, porque apanhavam os seus diretamente. E a
esquerda nunca quis investigar porque também apanha alguns interesses que quer
defender. Ainda hoje é assim. A Caixa Geral de Depósitos é um perfeito exemplo
disso. Os bancos foram usados
para favorecer amigos e não para financiar atividades concorrenciais. É o saldo
que se faz de 25 anos de banca privada em Portugal. Claro que isto não é
a totalidade. Estou a falar dos desvios, que foram muitos, houve alguns bancos
e muitos banqueiros que interpretaram bem. A direita em certos dossiês não quer
que se investigue a fundo e a esquerda também não. O que nós vemos hoje é uma
comissão de inquérito da CGD em que os políticos de esquerda não queriam ouvir
muitos protagonistas, entre eles Armando Vara. Não estão interessados em
retirar do segredo e do véu do silêncio um conjunto de práticas que foram feitas
por políticos que se coligaram com banqueiros e favoreceram amigos? O espectro
partidário não responde a certos interesses do país, portanto a imprensa tem de
denunciar estas coisas.