José Manuel da Fonseca é o número 1 da MDS, a maior corretora de seguros de Portugal. E, não há dúvida, é um homem multifacetado, que gosta de arriscar, mas com passos seguros. É um homem feito de viagens, nascido no seio de uma família «remediada», num Portugal a preto e branco, mas que cedo descobriu todo um outro mundo a cores. Recusa-se a assentar, porque há sempre tanto para fazer, tanto para ver, procurar, conhecer e, sobretudo, construir. Homem apaixonado pelas palavras, pelo cheiro das livrarias, pelas melodias da vida e pelas histórias dos locais, entregou-se à economia, porque também aí viu oportunidade de acrescentar valor ao mundo, de se diferenciar, como acontece com qualquer criação artística. E assim o faz há 25 anos, na MDS, sem grandes planos, mas sempre atento às oportunidades.
Fale-nos um
bocadinho da sua infância e das memórias que guarda desse tempo.
Nasci
em Matosinhos, em 1956, onde fiz o liceu e a escola primária, num país muito a
preto e branco. Foi uma infância feliz, no seio de uma família que na altura se
dizia ‘remediada’. O meu pai era comerciante de peixe. Era uma vida difícil,
dura, mas tive a sorte de ter um tio, que também era meu padrinho, que seguiu
outra vida e foi um grande intelectual
português, professor de física e química. Desde muito pequeno, convivi muito
com ele e com personalidades como Eugénio de Andrade, Jorge de Sena, Óscar
Lopes, Lopes da Graça. Ouvíamos muita música, falávamos de artes plásticas e de livros.
Fui absorvendo tudo, o que me deu uma abertura muito grande para perceber que Portugal
era um país muito fechado, atrasado e pobre, mas que havia muito mundo a cores,
depois dos Pirenéus. Comecei, por isso, a viajar muito cedo. Aos 14 anos, com
outro colega, em 1971, viajei por Paris, Bruxelas e Amesterdão. Depois, em 72,
viajei muito com o meu tio, para Viena de Áustria, Veneza, Suíça...Fiz a Europa
toda. As viagens eram sempre acompanhadas por uma busca cultural muito forte e foram
um aspeto muito importante na minha vida.
É um homem da
cultura, da música, dos livros, das viagens. Como envereda pela economia?
Não
é o mais óbvio, de facto. O meu grande interesse era arqueologia, história –
adorava, e adoro –, mas o meu pai não achava que fosse a escolha ideal. Ele
percebia quem eu era, mas achava que economia também estava relacionado. Sem
nada forçado, aceitei ir para a Faculdade de Economia do Porto e, sem saber, o meu
pai acabou por ter razão. Foi um curso fabuloso, muito abrangente e que nos
dava instrumentos muito fortes para podermos fazer um pouco de tudo. A mim,
deu-me instrumentos para ser economista, gestor e muito mais. Depois,
o meu primeiro emprego foi na Comissão de Coordenação da Região Norte, logo a
seguir à faculdade. Em seguida, fui trabalhar para o BPA, fui presidente de uma
companhia de seguros e estive um período na política municipal. E, por fim, o Eng.
Belmiro de Azevedo convidou-me para trabalhar com ele.
E, por isso mesmo, acabou por desempenhar uma série de
funções. Já esteve na banca, depois nos seguros, também esteve na política...
Fale-nos desse percurso e das experiências que destacaria.
Quando acabei o curso, havia três
grandes empresas onde toda a gente queria trabalhar: a Comissão de Coordenação
da Região Norte, presidida pelo professor Valente de Oliveira e que era uma
espécie de governo do Norte; o BPA, o banco mais extraordinário, liderado pelo
Dr. João Oliveira, e a Sonae. Estes eram os três símbolos mais fortes do Porto
e, de certa forma, do país. Ora, o meu primeiro emprego foi na comissão, logo a
seguir à faculdade. Na Comissão de Coordenação, conheci o professor Valente de
Oliveira, que é das pessoas que mais admiro e que considero amigo. Marcou-me
muito pela sua retidão, conhecimento, capacidade de empreender e visão. Depois, fui trabalhar para o BPA e foi
aí que comecei a trabalhar na área dos seguros, lançando um projeto inovador em Portugal – a bancas seguros,
ou seja, a venda de seguros através do canal bancário. Liderei este projeto,
totalmente inovador e que foi um dos pioneiros na Europa. Posteriormente, fui presidente de uma
companhia de seguros e estive um curto período na política municipal. Fui
convidado a integrar como independente uma lista como candidato a número dois para a Câmara
de Matosinhos, e seduziu-me muito a ideia de contribuir para a minha cidade. Acabei
por assumir vários pelouros, toda a
parte económica, financeira, informática, RH, cultura e desporto. Gostei muito
da experiência. Só fiquei três anos, porque, ao fim desse tempo, não gostei
tanto do lado partidário e, por isso, decidi demitir-me. Nos três anos que lá
estive fizemos coisas extraordinárias, tão extraordinárias que o New York
Times veio a Matosinhos saber o que se estava a passar, a revolução
cultural de Matosinhos, e publicou um artigo sobre isso. E, por fim, um dia, o engenheiro Belmiro
de Azevedo convidou-me para trabalhar com ele. Assim sendo, por circunstâncias
da vida, acabei no terceiro lugar onde todos sonhavam trabalhar, e onde estou há
já 25 anos. Nem quero acreditar! (risos)
Quando o Eng.
Belmiro de Azevedo lhe lançou o desafio de assumir a liderança da MDS, o que é
que sentiu? Nesse momento, traçou um objetivo na sua vida?
Não,
porque também não planeio muito. Acho que, quando se planeia muito, faz-se tudo
ao contrário. Quando o engenheiro me convidou, fiquei excitadíssimo. Eu não
sabia exatamente para o que vinha, não conhecia a MDS, e o Eng.º
Belmiro recrutou-me como Senior Executive, para uma função que tinha como
primeiro foco a empresa MDS, que, na altura, era pequena, tinha cerca de15 ou 16
pessoas e praticamente um só cliente, a própria Sonae. Nunca
imaginei o que iria ser o futuro deste projeto, sendo que o lado visionário do
Eng. Belmiro foi preponderante. Ele queria que a MDS fosse líder e, aí, eu percebi
que tinha um projeto para muito tempo.
E, hoje em dia, são
mais de 2000 colaboradores e 54 escritórios por todo o mundo. Passaram quase 25
anos, como é que foi este percurso? Viu algo que os outros não viram?
Quando
vim para a MDS, eu era um pouco outsider,
era um gestor, não era propriamente um broker. A
MDS era uma empresa pequena, que queria crescer e afirmar-se num mercado em que
havia muitos tubarões, começando pelos corretores internacionais até aos históricos
portugueses. Tínhamos de fazer um caminho diferente. Esse caminho da
diferenciação foi muito importante, eu próprio tinha um perfil diferente.
Comecei em 2000 e, em 2005, já éramos líderes de mercado e nunca mais deixamos
de ser. A expansão internacional também foi muito importante. Há muitas coisas
que o mercado português conheceu pela primeira vez com a MDS. Houve sempre esse
lado de contribuir para o mercado, em termos de investir e arriscar. Lembro-me, por exemplo, da
transformação digital, em 2015/2016. Os CEO’s tinham receio que aparecesse uma startup e perturbasse o negócio. Andava
tudo ansioso, as startup anunciavam o fim das seguradoras e dos mediadores. Mas nós
apostámos sempre muito em tecnologia. Aliás, o primeiro investimento da MDS foi
na entrada do capital de um broker de
internet em França, em 2001– algo emergente à época. Além disso, o maior investimento de
sempre numa empresa de seguros fora de Portugal foi feito pela MDS, em 2007.
Éramos ainda um mediador médio, que pertencia a um grupo industrial, e
comprámos 32% de um grande broker de seguros em Londres, um mercado
radicalmente diferente do nosso. Mas a MDS investiu e passou a ser o maior
acionista desse corretor, que estava em 15 ou 16 países. Foi muito importante
para nós, e, de certa forma, para Portugal, porque passámos a fazer parte de uma
empresa que tinha acesso aos grandes mercados. Tínhamos um escritório em
Londres, as nossas equipas tinham onde se especializar, formavam-se lá, era uma
escola para nós e deu-nos uma visibilidade mundial. Toda a gente no mundo
passou a saber o que era a MDS. Eu nunca me esqueci que o ponto de partida da
MDS é um país que se posiciona num mercado periférico no mundo e pouco
visível. E, portanto, tínhamos de nos
afirmar por muitas vias e uma delas foi essa. Em 2004, lideramos, juntamente com mais
quatro corretores, parceiros de outros países, outro projeto inovador: a criação da
Brokerslink, uma network de brokers que tinha como finalidade a construção
de uma plataforma que nos permitisse gerir os seguros dos nossos clientes fora
de Portugal, sem recorrer aos concorrentes multinacionais. Hoje, a Brokerslink
é uma empresa suíça, que tem uma rede de brokers e consultores de risco
presente em 131 países, representando cerca de 65 biliões de dólares em prémios
de seguros. E esta empresa, que tem sido liderada
por um português desde o início, nasceu no Porto. Parte da equipa está no
Porto, outra em França, em Espanha, mas foi algo pensado e criado a partir do
Porto. Muitas vezes, Portugal nem se apercebe,
mas, hoje, aquilo que começou com apenas 5 brokers, num almoço num
hotel, no Porto, é hoje uma grande organização mundial. O nosso membro da
Brokerslink nos Estados Unidos é o oitavo broker do mundo. Portanto,
tenho o maior orgulho neste projeto, que está a comemorar os seus 20 anos. A MDS foi sempre um pouco uma carta
fora do baralho, discretamente fomos fazendo o nosso caminho, investindo na
diversificação e especialização. Exemplo disso é o nosso investimento na área
da gestão de risco, da pura consultadoria de risco para as empresas,, através
da Risk Consulting Group, que conta atualmente com mais de 30 engenheiros a
trabalhar para clientes em mais de 50 países .Tenho o maior orgulho nessa
empresa que é 100% da MDS. Também somos donos de uma seguradora em
Malta, a High Dome, uma seguradora cativa, com soluções alternativas de
transferência de riso, e que já emite mais de 3 milhões de apólices por ano. Hoje,
somos a empresa financeira portuguesa mais internacional, 75% do nosso negócio
não está em Portugal. Fomos para o Brasil, Angola, Chipre, Chile, Moçambique,
Espanha e Suíça. No Brasil, um mercado gigante, estamos no top 3 dos maiores
brokers. A nossa ideia de ser líder não é só ser
grande, é também de contribuir para o mercado. É por isso que temos uma cultura
de diferenciação. Tenho muito orgulho na minha equipa, composta por pessoas muito profissionais,
com elevado conhecimento técnico, com grande sentido de serviço. Temos conseguido
preservar muito essa cultura que nos caracteriza mesmo crescendo, o que às
vezes fica mais difícil e, portanto, isso de certa forma diferencia-nos. A partilha de conhecimento também está
no nosso ADN e foi com o propósito da promoção de literacia em seguros e risco
que, em 2009, lançámos a FULLCOVER,
uma revista técnica sobre o mercado que conta com colaboração de especialistas
internacionais e da MDS. É distribuída a nível global em companhias de seguros,
grandes conferências, clientes. É, provavelmente, hoje, a melhor revista de
seguros no mundo, e seguramente a mais bonita. Esse é o outro lado que é a MDS
tem, o lado estético, temos sempre muito cuidado com a beleza, no sentido em que
as coisas bonitas funcionam melhor.
O que é que os clientes podem esperar da MDS?
Primeiro, podem esperar de nós um
aliado, um parceiro muito forte, com muita capacidade técnica e com soluções
para os ajudar na sua gestão de risco. Podem contar comum a equipa que dialoga
de igual para igual, ao nível técnico, de qualidade, com instrumentos e
conhecimentos que, garantidamente, dão o máximo de confiança à gestão de risco
dos seguros de um cliente. Somos uma empresa que investiu muito em pessoas, ao
nível do conhecimento, especialização e know-how.
A MDS completa 40
anos, qual é o futuro? O que se segue?
Com
a aquisição da MDS, em 2022, pelo Grupo Ardonagh, atingimos outra dimensão, com
recursos de capital que não tínhamos, mas mantendo a nossa estratégia e equipa
de gestão. Temos hoje um papel importante no grupo Ardonagh, de crescimento e
expansão. E o caminho é investir em pessoas, marca, reputação, tecnologia.
E o que é que
reserva o futuro ao José Manuel?
Eu
não penso nisso, ou melhor não é que não pense no futuro, mas não estou a
pensar num deadline. Sinto-me muito
bem e cheio de energia. Atualmente, já faço menos trabalho executivo, mas viajo
muito, acompanho muitos os negócios e as equipas no mundo inteiro. Também
tenho uma família fantástica, dedico-me muito a ler e há sempre muitas coisas
para fazer. á fui presidente da Casa da Música, sou presidente da Casa de Arquitetura, fui
presidente do Leixões. Enfim, nunca estive parado. Gosto muito de estar sentado
a ler um livro, mas não tenho feitio para ‘assentar’. Acho que posso continuar
a contribuir para este projeto, porque gosto imenso do que faço, adoro esta
empresa e adoro a minha equipa.
Gosta muito de
livros, se tivesse de dar um título ao livro da sua vida, qual seria?
Há
um filme passado em Bali, com a Julia Roberts, "Comer, Orar e Amar”. Gosto desse título. Acho que, para mim, seria
mais: "Conhecer, Procurar, Construir”: conhecer pessoas, mundo, realidades,
livros, museus, tudo...Procurar e construir.