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O panorama climatológico em Portugal

Do 8 ao 80: da seca aos dilúvios

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2022 foi o ano dos extremos climatológicos no território português. Passou-se por uma seca que se espalhou, de forma severa, por todo o país. Seis ondas de calor. Episódios de chuva diluviana no mês de dezembro, que bateram recordes centenários em Lisboa, graças à intensidade que apresentaram. Segundo um estudo da Agência Europeia do Ambiente (AEA), este tipo de episódios climáticos custou, nos últimos 40 anos, 142 mil vidas e quase 510 mil milhões de euros à Europa, sendo que Portugal está entre os países europeus mais afetados, ao nível de mortes prematuras e perdas económicas.
Dado o alarmante panorama climatológico, a V&G procurou reunir mais informações sobre a ocorrência destas catástrofes naturais. Foi assim que se juntou o Vogal do IPMA, Telmo Carvalho, a WWF e a Climáximo numa conversa que suscita duras reflexões.
Segundo o Vogal do IPMA, «este ano em particular registou-se, durante o período estival, uma persistência de uma anormal circulação ciclónica centrada a sudoeste da Península Ibérica, em combinação com um fluxo anómalo de Sul/Sudeste, o que gerou uma entrada de ar muito quente e muito seca da região do Norte de África/Mediterrâneo para o continente europeu, tendo como consequência as anomalias muito elevadas da temperatura do ar e a ocorrência de ondas de calor». Portugal Continental viveu uma situação de seca hidrológica que, na perspetiva das autoridades, foi a pior dos últimos cem anos. Mas as ocorrências não pararam. Após uma seca severa, o setor Euro-Atlântico foi dominado, em dezembro, «por uma circulação ciclónica anómala, sob uma região situada a norte do arquipélago dos Açores, o que promoveu um fluxo de massas de ar quentes e muito húmidas, proveniente do Atlântico subtropical, traduzindo-se num período em que os valores de temperatura e precipitação na região da Península Ibérica superaram bastante a média mensal para o mês de dezembro», elucida Telmo Carvalho. Quando pensamos no Alentejo, certamente não associamos a ideia de chuva, mas até neste ponto do país se registou um «rio atmosférico», que caía do céu e inundava tudo por onde passava. Em Portalegre, algumas vilas registaram mais chuva num dia do que num mês completo. Várias zonas em Lisboa e no Porto ficaram inundadas. Um cenário dramático, em que casas, negócios e memórias de uma vida ficaram submersas.

Algumas vilas registaram mais chuva num dia do que num mês completo
Factos não se discutem, mas previsões e pontos de vista sobre o que deve ou não ser feito podem estar abertos a debate. Questionado sobre a possibilidade de Portugal estar preparado para enfrentar um cenário idêntico ao do ano transato, o coletivo Climáximo, um grupo de ativistas movidos pela urgência do combate às alterações climáticas, mostra-se hesitante, revelando que não há preparação nem adaptação sem reduzir as emissões de Gases com Efeito de Estufa (GEE). «Como podemos pensar em preparação se os jatos privados continuam a fazer viagens? Como podemos pensar em preparação se as emissões de GEE estão projetadas para continuar a aumentar?», questiona a Climáximo. Na perspetiva do grupo, só planos de mitigação, baseados na ciência climática e dirigidos para a justiça social e democracia energética, é que evitarão o colapso climático. Já a WWF, a maior organização global independente de conservação da Natureza, frisa ser necessária a adaptação aos efeitos das alterações climáticas, não bastando reduzir as emissões de GEE. Catarina Grilo, Diretora da Conservação e Políticas da WWF em Portugal, revela o seu ponto de vista: «As cheias não teriam o impacto que tiveram se não se tivessem, ao longo de décadas, construído nas frentes ribeirinhas, destruindo habitats como sapais, ou encanado ribeiras, achando que assim se controlava melhor os seus caudais, ou construído em leito de cheia, porque se queria vistas para o mar ou para o rio. A seca também não teria o efeito que teve se tivéssemos há muito vindo a reduzir o uso excessivo que fazemos da água».
Resta apenas uma questão final: o que falta fazer para sensibilizar ainda mais a população para as causas ambientais? Não se terá já aprendido com as ocorrências catastróficas que se têm vindo a experienciar? A Climáximo rapidamente esclarece que o problema não reside na falta de compreensão ou sensibilização, mas sim nas escolhas feitas por aqueles que podem efetivamente reduzir as emissões e preferem não o fazer. Mas a WWF partilha de uma outra visão: «Os portugueses estão muito sensibilizados para as alterações climáticas, um assunto que faz frequentemente notícia a nível nacional e também internacional». Ainda assim, Catarina Grilo aponta para o facto de os portugueses estarem pouco despertos para a perda da biodiversidade: «Nos últimos 50 anos já perdemos 69% das populações de mamíferos, aves, répteis e anfíbios em todo o mundo», revela o membro da WWF.

A população está pouco desperta para a perda da biodiversidade
No século XXI, a Climáximo crê que ainda existam negacionistas, explicando que, para cumprir o objetivo de limitar o aquecimento em 1.5 ºC, terá de se deixar 40% das reservas já em exploração debaixo do solo. Adiciona: «Isto, no sistema económico em que vivemos, significa a falência das empresas de combustíveis fósseis. Ser negacionista é negar que isto tem de acontecer. Todo o discurso que diga que é possível resolver a crise climática sem perturbar a economia é um discurso negacionista, que não tem em conta a realidade e a base do problema». A organização defende que há um negacionismo institucional, que se reflete em situações onde «o presidente da próxima COP é um CEO de uma petrolífera ou quando, na última COP, já nem se abordou a redução das emissões, apenas se falou em dinheiro».

É expectável que a temperatura do ar (...) atinja valores ainda mais elevados

O desfecho da conversa dá-se com a previsão do Vogal do IPMA, onde revela ser expectável que a temperatura do ar, em muitas regiões do planeta, atinja valores ainda mais elevados, a par com fenómenos extremos de maior frequência, maior intensidade e maior extensão espacial e temporal. A WWF deixa a sua última mensagem, esclarecendo que o que está em perigo é a sobrevivência das pessoas, com a qualidade de vida a que estão habituadas, porque, na verdade, o «planeta não irá desaparecer, sobrevive bem sem nós». Num último momento, a Climáximo faz apelo à leitura da Campanha Empregos para o Clima, que garante cortar em 85% as emissões em Portugal, criando 200 mil novos postos de trabalho. Uma conversa que exige reflexão e abertura, para ser lida na íntegra hoje, e não amanhã.
Joana Rebelo
T. Joana Rebelo
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