A família van Zeller é a família mais antiga
no que toca à produção de Vinho do Porto. Como se passa o conhecimento e
sabedoria entre gerações?
De uma forma natural, pelo simples facto de
toda a nossa vida ter sido sempre em função do Douro e dos seus vinhos. Fazer
sempre melhor e nunca desistir é um slogan gasto, mas se for levado a
sério é quanto basta para dar sentido a toda uma vida. Acho que foi isso que
passei para a geração seguinte.
A Van Zellers & Co regressa com uma nova identidade de
marca. Que caminho querem trilhar?
A Van Zellers &
Co vê uma nova luz com a 14.ª e 15.ª geração. Em 2020, ano em que celebramos os
400 anos da nossa família, no comércio do Vinho do Porto, relançámos a Van
Zellers & Co, com uma nova imagem, uma nova filosofia e uma nova gama de
vinhos. O respeito pelo Douro, pelo seu património, diversidade, expressão,
tradição e pessoas é o que nos mantém no setor do vinho. Para nós, o Vinho do
Porto pode ser expresso em três categorias diferentes – vinhos que são
determinados fundamentalmente pela mão do Homem, pelo Tempo ou pela Natureza.
Estes três fatores são responsáveis pela criação de uma grande diversidade nos
diferentes estilos, desde os sabores, texturas até à complexidade do Vinho do
Porto. São o nosso saber e conhecimento, o tempo ou a magia da natureza, que
transformam o Vinho do Porto em algo único em cada engarrafamento e em cada ano.
Focamo-nos na qualidade de cada um dos nossos engarrafamentos e temos
quantidades muito limitadas de cada vinho. No caso dos vinhos produzidos pela Natureza,
que são os CV CurriculumVitae Douro Branco e Tinto, e o Van
Zellers & Co Porto Vintage e LBV, estes são de pequenas
quantidades, pois vêm de vinhas muito especiais e de pequenas parcelas, e é a Natureza
que define a quantidade e perfil a cada ano.
Os vinhos feitos pela
mão do Homem, ou seja, os blends, têm quantidades limitadas para
garantirmos a qualidade ao longo do tempo e termos os vinhos distribuídos com
os parceiros indicados para estes vinhos, como é o caso do Van Zellers &
Co10, 20, 30, 40 e, mais recentemente, 50
anos. Por exemplo, do nosso Porto 10 anos, engarrafamos até 6000
garrafas por ano. Do nosso Porto 50 Anos só iremos engarrafar até 150
garrafas por ano, para todo o mundo. Depois, temos os nossos Portos Colheita
dos quais, e dependendo da colheita, no máximo, engarrafamos 18 garrafas por
ano, e todos, e cada garrafa, só mediante encomenda.
Cada vinho da Van
Zellers & Co. conta uma história e, por isso, temos projetos de
colaborações com outras marcas, com os quais pretendemos contar uma história,
como é o caso do Van Zellers & Co Vintage Porto 2020 Ocean Aged, o
primeiro Vinho do Porto Vintage a envelhecer debaixo de água.
Exportamos atualmente
para 21 países e temos nos mercados dos Estados Unidos e no mercado nacional os
nossos maiores clientes. Pretendemos ser cada ano mais distintivos, e cada novo
vinho que lançarmos, ou projeto em que estejamos envolvidos, será percorrido
com o mesmo entusiasmo, como se fosse o primeiro e o único.
De que forma é que se reinventam, de cada vez
que surge mais um néctar para criar?
Cada vinho que produzimos, fazemo-lo porque a
história nos marcou, porque acreditamos ter uma mensagem positiva a passar, ou
porque vamos inovar e reinventar o vinho de alguma forma. A criatividade aliada
à tradição é o que nos alimenta, e o que nos move são as pessoas que cada projeto
envolve.
Temos uma equipa de fornecedores, com os
quais trabalhamos consistentemente e que nos garantem uma excelente entrega de
produtos de qualidade. Por isso, a criatividade pode ganhar asas, quando a
qualidade de base está garantida. Tudo começa, naturalmente, na vinha e no
trabalho de vinhas próprias, mas também nos viticultores com os quais
trabalhamos há muitas gerações. Depois, a escolha das barricas, que passa por
uma excelente relação com os fornecedores, que vêm provar a evolução do vinho
em cada barrica. A cada ano melhoramos as nossas escolhas. As garrafas, rolhas,
rótulos, todos os materiais essenciais para a boa evolução do vinho e
preservação da sua imagem, são também criteriosamente escolhidos. Imagem, esta,
que é desenvolvida desde o início pela equipa da Rivotti Design. Os fotógrafos
de produto, as equipas de filmagem são nossos parceiros e aliados na construção
da nossa marca e tornam-se amigos ao longo do tempo.
Para lançar em breve, temos uma coleção de
vinhos muito raros e especiais, que demoraram uma vida a colecionar. Estou a
falar do Van Zellers & Co The Rare Port Collection XIX, que terá
três Vinhos do Porto Tawny muito antigos, de três colheitas diferentes. O ano
de cada colheita é um mistério para o consumidor, e é através de histórias que
conseguimos dar indicação da sua idade. Aqui, envolvemos fornecedores de
altíssima qualidade no desenvolvimento de peças únicas. Todas as garrafas são
feitas a sopro nas Caldas da Rainha, do mesmo modo que eram produzidas no
século XIX; um decanter especialmente desenhado pela Atlantis vem em
cada conjunto, e ainda três peças de prata criadas pela Ourivesaria Leitão
& Irmão. Serão criadas apenas 75 caixas que e já temos procura no Reino
Unido, Finlândia, França e Estados Unidos para estas peças únicas.
Consideram os vossos vinhos únicos e
originais. O que transmitem eles de tão único?
Os nossos vinhos contam a história de uma
família, de uma região e, ainda, de cada vinha em particular. As vinhas velhas
do Douro têm uma multitude de castas e uma diversidade tão grande de
localizações e formas de plantação que são únicas entre si. Eu sempre optei por
trabalhar com vinhas velhas, são retratos históricos da região, e a diversidade
de castas aporta uma complexidade aos vinhos que dificilmente se encontra
noutras regiões do mundo. A experiência de mais de 40 anos a fazer vinhos no
Douro deu-me ainda a capacidade de conseguir escolher e identificar as vinhas
velhas mais adequadas para a produção dos nossos vinhos. Foi assim que nasceu o
vinho CV Curriculum Vitae Douro tinto. Uma vinha, agora com cerca de 90
anos, que comprei em 2003. Tem cerca de 35 castas, está localizada num lugar de
difícil acesso, quase selvagem, ao longo do Rio Torto. Aqui nasce aquele que
viria a tornar-se num dos mais bem classificados vinhos tintos a nível internacional.
Conseguiu a pontuação mais alta, 98 pontos, pela revista Robert Parker.
E agora, no final de 2023, recebemos a notificação de que a principal revista
de língua alemã, a Vinum, elegeu o CV Curriculum Vitae Douro tinto
2019 como um dos melhores 100 vinhos do ano, e um dos 10 melhores de
Espanha e Portugal.
A complexidade vem das vinhas velhas e a
elegância e grande capacidade de evolução vem do trabalho de enologia que
fazemos, de forma muito minuciosa e detalhada. Para além da vindima manual e da
escolha das uvas no tapete de seleção, à entrada da adega, as nossas uvas
tintas são todas pisadas a pé em lagares de granito.
Esta forma de fermentar os vinhos confere-lhes
uma sedosa elegância, conseguida pela harmonia entre os taninos, que dão
estrutura; pela acidez, que dá frescura e longevidade; e pela pureza da fruta e
aromas presentes em cada casta. É um trabalho exigente, mas que marca a
diferença em cada vinho tinto e Vinho do Porto.
Os nossos vinhos brancos nascem de vinhas
velhas, cada vez mais raras na região para as uvas brancas, e que dão origem a
vinhos naturalmente complexos e frescos. A escolha das barricas para a
fermentação e envelhecimento tem vindo a ser aprimorada ao longo destes quase
20 anos em que nos dedicamos a, também, fazer vinhos brancos.
Os nossos Vinhos do Porto distinguem-se pela
atenção que é dada a cada lote. Mantemos os engarrafamentos no mínimo, o que
significa que estamos permanentemente a fazer lotes e a dedicarmo-nos às nossas
pipas onde o Vinho do Porto envelhece. Isto confere aos nossos Vinhos do Porto
Tawny muito caráter e distinção.
Voltando
ao tema das vinhas velhas, a Van Zellers & Co.
explora cerca de 15 ha de vinhas velhas na região do Douro, algumas com mais de
80 anos. Em 2023, somos a primeira empresa portuguesa a tornarmo-nos membros do
Old Vine Conference, que incentiva à preservação de vinhas velhas através da
partilha de estudos e conhecimentos. Conscientes da nossa responsabilidade para
com o ambiente e acreditando que só este caminho levará à produção de vinhos de
alta qualidade cada vez mais diferenciados, temos vindo a estudar e a aplicar
uma série de práticas amigas do ambiente, garantindo assim a sua sustentabilidade.
Assim, como objetivos principais e fundamentais, temos o
melhoramento dos solos nas suas vertentes física, química e biológica; o
combate à erosão e aumento da capacidade de retenção e armazenamento de água
nos solos; e o aumento da biodiversidade no ecossistema. Procurando estudar a razão de
práticas ancestrais à luz dos conhecimentos atuais, tentamos reproduzir algumas
dessas técnicas mantendo os princípios, mas atualizando as formas de as praticar. Por exemplo, nas vinhas da Van Zellers &
Co utilizamos cavalos para fazer as cavas e descavas, fazemos correções
orgânicas ou de acidez dos solos, como forma de combater as infestantes, e
reintroduzimos as redras, para evitar perdas de água do solo por evaporação direta,
potenciando, desta forma, o seu aproveitamento pelas videiras.
«Os nossos vinhos
contam a história de uma família, de uma região e, ainda, de cada vinha em
particular»