Como é que lida com o medo?
Quando me entregam um projeto, sim, tenho medo. Em primeiro lugar, os projetos são todos difíceis e tenho medo de não me engatar e, nessa condição, de haver prazos, e, portanto, o que sei...
Fica ansioso?
Sim, um bocado ansioso. Empenho-me e concentro-me. A concentração é fundamental e é a resposta ao medo.
Como é que lida com a morte?
À espera dela (risos). Não penso muito nisso. Se pensarmos muito, é desagradável enquanto se está a viver. Penso, com muito mais medo, é em ficar inutilizado e não morrer. Isso é que é péssimo. Gostaria de morrer de repente, acho que isso é bom, seria a morte mais agradável (risos). É muito desagradável para as famílias, os amigos, é terrível, mas, para o próprio, é o melhor. O ficar incapacitado e viver ainda anos, isso é que não, até porque, quando isso acontece, nunca se sabe verdadeiramente, nem os médicos sabem, se a pessoa que não fala tem alguma consciência ou não. Em relação a isso tenho medo.
«O QUE MAIS ME ABORRECE É ABORRECER-ME (RISOS), POR ISSO É QUE AOS SÁBADOS E DOMINGOS VENHO PARA AQUI (ATELIER)»
Se não fosse arquiteto o que é que seria?
Queria ser escultor.
Escultor?
Entrei para Belas Artes porque a minha família, o meu pai, sobretudo, ficou muito preocupada quando lhes disse que queria ir para escultura. Naquela altura! Hoje já não é assim, ligava-se a vida de boemia à pobreza. O meu pai ficou preocupado. Na escola havia escultura, arquitetura, pintura. Acabei por entrar na escola e acabei por interessar-me (arquitetura).
E a escultura?
Ainda faço, mas é uma atividade quase clandestina. Não tem muito que ver com a arquitetura, porque é outra dessas manias da especialização. Escultura é escultura, pintura é pintura, arquitetura é arquitetura. Não é muito bem-visto um arquiteto a querer fazer escultura. Mas faço. Ainda há pouco fiz uma exposição em Espanha.
Com esculturas suas?
Esculturas minhas e de outro escultor. É uma fundação, de um grande escultor espanhol, que já morreu, o Alfaro. É engraçado porque o catálogo que puseram tinha ‘Alfaro e Siza’. As pessoas pegavam no catálogo e diziam «estes ‘gajos’ estão malucos, escrevem ‘Alfaro’, em vez de ‘Álvaro’», achavam que era um erro.
O que é que o faz rir?
Um bom filme. As conversas com amigos, que, muitas vezes, levam ao riso. Quando estou maldisposto com alguma coisa também me rio de mim. É uma coisa muito saudável. E programas de televisão e o cinema.
E o que é que o faz chorar?
Ah, isso não digo.
E o que mais o aborrece?
O que mais me aborrece é aborrecer-me (risos), por isso é que aos sábados e domingos venho para aqui (atelier). Primeiro, para fazer um balanço, um mapa dos trabalhos, pois é preciso ter ligação entre eles e, depois, porque se não faço nada, acabo, como já não posso correr, sentado numa cadeira a ver televisão, e isso é que é muito deprimente. Aborrece-me, claro. Até porque há muitos programas maus, mas também há muitos programas bons.
Ainda tem sonhos?
Ainda.
Sonha com o quê?
Às vezes com projetos que estou a fazer, em que surge a solução e, no dia seguinte, quando se acorda entusiasmado, vê-se que era um disparate tremendo. Muitas vezes sonho com pessoas que nunca vi e que aparecem no sonho muito nítidas e reais. Há um sonho de que nunca mais me esquecerei pois foi de um realismo incrível e a cores: ia a subir, com amigos (o Távora era um deles), depois da ponte antiga de Vila do Conde, e, de repente, sentimos uma onda gigantesca nas costas e começámos a fugir; mas atravessava-se na estrada um autocarro amarelo. Quando estava prestes a morrer afogado acordei aflitíssimo.
Escapou dessa...
Esse sonho tinha uma razão. Alguns não têm razão. Mas este tinha. Quando encalhou um petroleiro, no Porto de Leixões, antes de entrar no porto, foi parar ao Castelo do Queijo, e eu ia a descer a ‘rampa’, neste caso a Avenida da Boavista, e, de repente, vejo o céu todo vermelho, foi uma coisa impressionante. O petroleiro ardeu. De certeza que foi a origem desse meu sonho.
Qual é a sua cor predileta?
A cor favorita, para um arquiteto, depende das cores que vai inserir no seu projeto. Não há cor favorita, há uma cor procurada.
Alguma música que goste de ouvir...
Gosto de ouvir música. Em novo, há assim uns períodos muito interessantes, coletivos. A música veio coletivamente, não em grandes recitais. Lembro-me da época em que apareceu em força a música brasileira, a Maria Betânia, o Gilberto Gil... Passavam-se serões a ouvir música. Depois houve uma altura em que eram os Beatles. Comprei os discos todos. O branco era o meu favorito. Depois veio a fase de influência política, o Paco Ibáñez, o Zeca Afonso, José Mário Branco... Lembro-me de que, na noite de 24 de abril, estava em casa, com um grupo de amigos, e tinha comprado, em Barcelona, o disco do Paco Ibáñez, que é com música de poesias espanholas, muito revolucionárias, e estivemos, até às duas da manhã, a ouvir o Paco Ibáñez. E, por volta das 05:00 da manhã, telefona-me um dos amigos e diz: «liga o rádio». Pensei: «este tipo está maluco». Liguei o rádio. Estavam a dar as primeiras notícias do 25 de Abril. Quando liguei, eram as marchas militares. Percebi logo o que era. Toda a gente percebeu, até porque, pouco antes, tinha havido um grande golpe militar. Aquilo estava iminente.
Algum filme que o tenha marcado...
Muitos. Na altura, na entrada da Faculdade, foi a fase dos filmes neorrealistas. Tiveram um impacto enorme. Depois, pela vida fora, Hitchcock. Os franceses nunca me impressionaram. Gostava do Aniki Bobó. E o filme sobre o Porto, O pintor e a Cidade, de Manuel de Oliveira. Muito bom.
E agora um desafio.
Um desafio?
Em função do que nós conversamos aqui: as memórias. O que desenha em papel?
Foi tanta coisa...