Hoje, garante ser a prova de que é possível
vencer os determinismos que impedem a mobilidade social. De serralheiro
mecânico a patrão dos patrões, António Saraiva fala pela última vez à Villas&Golfe
como Presidente da Confederação Empresarial de Portugal (CIP). Treze anos de
mandato se findam, com experiências que só António poderá contar. A Troika, a
falência de bancos de referência da economia nacional e a pandemia, a maior
recessão dos últimos cem anos. Fases, todas elas vividas por António Saraiva.
Lado a lado. Com Portugal. Uma entrevista de uma vida, dedicada ao país e
àquele que acarinhou a CIP por mais de uma década. A jornada pelo mundo
empresarial fica por aqui, mas o que estará por vir? O «criador de pontes»
revela, nas próximas linhas.
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António Saraiva
«Orgulho-me de ter sido (...) um criador de pontes»
De aprendiz de serralheiro mecânico a
patrão dos patrões. Considera que as origens não determinam o lugar onde se
pretende chegar?
Gostaria que esses determinismos fossem, no Portugal de hoje, bem menos pesados. Educação e formação são fundamentais. Foram fundamentais na minha vida. O empreendedorismo é, também, via para a mobilidade social. Mas ser empresário em Portugal, mais ainda, tornar-se empresário em Portugal, é uma tremenda aventura. Olhando para o sistema financeiro que temos, com a perceção do risco que tem, com a deficiente capacidade de avaliação do risco que tem, pergunto-me se seria possível, hoje, nas circunstâncias que eram as minhas em 1996, adquirir com sucesso uma empresa, nas condições em que o pude fazer. Temo que tenhamos retrocedido, em vez de avançarmos neste domínio.
Nasceu no concelho de Aljustrel, mas com 6 anos chega à cidade grande para ficar. Foram tempos de difícil integração? Julga ter-se debatido com preconceitos sociais?
Sem dúvida. Aprendi a vencer essas dificuldades e a conviver com esses preconceitos com serenidade e alguma dose de autoconfiança.
Aos 17 anos, começou a sua carreira na Lisnave. Completou o Curso da Escola Industrial e frequentou o Instituto Superior Técnico. Com as andanças da vida acabou por chegar ao cargo de Presidente da CIP. No final do ano de 2022, foi congratulado com o doutoramento Honoris Causa. Para si, o que simbolizou esta honrosa distinção?
Naturalmente, foi com orgulho que recebi essa distinção. Foi também com a satisfação de ver nela o reconhecimento dos valores por que tenho procurado pautar a minha vida, das causas que tenho abraçado e da minha dedicação à sociedade civil do país, em particular à sua comunidade empresarial, como empresário e como dirigente associativo.
Fazendo uma retrospetiva, como descreve todo o seu mandato na CIP?
Exerci as funções de Presidente da CIP num período de 13 anos, em que Portugal se confrontou com ameaças e desafios muito duros: primeiro a quase rutura financeira e a intervenção da Troika que se seguiu, com custos elevadíssimos, mas também oportunidade para reformas. Tivemos uma crise do setor financeiro que levou à falência de bancos de referência da economia nacional. Mais recentemente, tivemos a pandemia da COVID-19, a maior recessão dos últimos cem anos. Temos, agora, o impacto da guerra da Ucrânia com a escalada de custos, o regresso da inflação e a travagem brusca da economia. Como afirmei na carta que enviei aos empresários, foram tempos muito difíceis, que exigiram da CIP ponderação e firmeza, mas também capacidade de resiliência e espírito de diálogo, reforço das competências internas e da capacidade de intervenção pública.
Ao longo destes anos, a CIP soube afirmar-se internamente e ganhar peso internacionalmente, nomeadamente nas organizações europeias e internacionais a que pertencemos. Hoje, estamos mais fortes na nossa missão de sermos a voz das empresas portuguesas. Orgulho-me de sempre ter defendido o papel da concertação social, mesmo quando fomos confrontados com um período em que o Governo preteriu o diálogo social em favor de negociações com as forças que garantiam o apoio parlamentar. Orgulho-me do diálogo franco e construtivo que foi possível estabelecer com as outras confederações patronais.
Partindo para o domínio da Economia, as recentes previsões económicas da Comissão Europeia indicam que, em 2024, a Roménia deverá ultrapassar Portugal no PIB per capita. Podemos afirmar que os países de Leste sabem aproveitar os fundos europeus melhor do que Portugal?
De facto, nos últimos 20 anos, todos os países da União Europeia do antigo bloco de Leste, que eram mais pobres que Portugal, convergiram com a média europeia. A convergência é possível. Portugal divergiu, quase sempre, alternando crises, em que contraímos mais do que os outros, com crescimento anémico. A questão não está apenas no aproveitamento dos fundos europeus. Está na capacidade coletiva de transformarmos a nossa economia. Tenho insistido que o nosso objetivo não pode ser apenas recuperar, deve ser transformar a economia, para abrir um novo ciclo de desenvolvimento sustentado. Essa transformação está, em grande medida, nas mãos das empresas. Será, fundamentalmente, obra das empresas. Mas, sem desprezar as responsabilidades ou o potencial das empresas, o desígnio da transformação da economia está condicionado pela orientação que for dada à política económica. Precisamos, por isso, não apenas de aproveitar melhor os fundos europeus, mas de uma nova geração de políticas públicas, baseadas numa nova cultura de relacionamento com os agentes económicos e na valorização do papel da economia de mercado e da iniciativa privada. Precisamos de uma política económica que coloque a competitividade como preocupação transversal na intervenção do Estado na economia.
Está apreensivo quanto ao futuro do país?
Estou insatisfeito com o que está a ser feito para conseguirmos um futuro mais próspero e mais alinhado com as aspirações dos portugueses. Resta-me a confiança no valor das nossas empresas, na sua capacidade de resistir e reinventar.
«Estou insatisfeito com o que está a ser feito para conseguirmos um futuro mais próspero»
Gostaria que esses determinismos fossem, no Portugal de hoje, bem menos pesados. Educação e formação são fundamentais. Foram fundamentais na minha vida. O empreendedorismo é, também, via para a mobilidade social. Mas ser empresário em Portugal, mais ainda, tornar-se empresário em Portugal, é uma tremenda aventura. Olhando para o sistema financeiro que temos, com a perceção do risco que tem, com a deficiente capacidade de avaliação do risco que tem, pergunto-me se seria possível, hoje, nas circunstâncias que eram as minhas em 1996, adquirir com sucesso uma empresa, nas condições em que o pude fazer. Temo que tenhamos retrocedido, em vez de avançarmos neste domínio.
Nasceu no concelho de Aljustrel, mas com 6 anos chega à cidade grande para ficar. Foram tempos de difícil integração? Julga ter-se debatido com preconceitos sociais?
Sem dúvida. Aprendi a vencer essas dificuldades e a conviver com esses preconceitos com serenidade e alguma dose de autoconfiança.
Aos 17 anos, começou a sua carreira na Lisnave. Completou o Curso da Escola Industrial e frequentou o Instituto Superior Técnico. Com as andanças da vida acabou por chegar ao cargo de Presidente da CIP. No final do ano de 2022, foi congratulado com o doutoramento Honoris Causa. Para si, o que simbolizou esta honrosa distinção?
Naturalmente, foi com orgulho que recebi essa distinção. Foi também com a satisfação de ver nela o reconhecimento dos valores por que tenho procurado pautar a minha vida, das causas que tenho abraçado e da minha dedicação à sociedade civil do país, em particular à sua comunidade empresarial, como empresário e como dirigente associativo.
Fazendo uma retrospetiva, como descreve todo o seu mandato na CIP?
Exerci as funções de Presidente da CIP num período de 13 anos, em que Portugal se confrontou com ameaças e desafios muito duros: primeiro a quase rutura financeira e a intervenção da Troika que se seguiu, com custos elevadíssimos, mas também oportunidade para reformas. Tivemos uma crise do setor financeiro que levou à falência de bancos de referência da economia nacional. Mais recentemente, tivemos a pandemia da COVID-19, a maior recessão dos últimos cem anos. Temos, agora, o impacto da guerra da Ucrânia com a escalada de custos, o regresso da inflação e a travagem brusca da economia. Como afirmei na carta que enviei aos empresários, foram tempos muito difíceis, que exigiram da CIP ponderação e firmeza, mas também capacidade de resiliência e espírito de diálogo, reforço das competências internas e da capacidade de intervenção pública.
Ao longo destes anos, a CIP soube afirmar-se internamente e ganhar peso internacionalmente, nomeadamente nas organizações europeias e internacionais a que pertencemos. Hoje, estamos mais fortes na nossa missão de sermos a voz das empresas portuguesas. Orgulho-me de sempre ter defendido o papel da concertação social, mesmo quando fomos confrontados com um período em que o Governo preteriu o diálogo social em favor de negociações com as forças que garantiam o apoio parlamentar. Orgulho-me do diálogo franco e construtivo que foi possível estabelecer com as outras confederações patronais.
Partindo para o domínio da Economia, as recentes previsões económicas da Comissão Europeia indicam que, em 2024, a Roménia deverá ultrapassar Portugal no PIB per capita. Podemos afirmar que os países de Leste sabem aproveitar os fundos europeus melhor do que Portugal?
De facto, nos últimos 20 anos, todos os países da União Europeia do antigo bloco de Leste, que eram mais pobres que Portugal, convergiram com a média europeia. A convergência é possível. Portugal divergiu, quase sempre, alternando crises, em que contraímos mais do que os outros, com crescimento anémico. A questão não está apenas no aproveitamento dos fundos europeus. Está na capacidade coletiva de transformarmos a nossa economia. Tenho insistido que o nosso objetivo não pode ser apenas recuperar, deve ser transformar a economia, para abrir um novo ciclo de desenvolvimento sustentado. Essa transformação está, em grande medida, nas mãos das empresas. Será, fundamentalmente, obra das empresas. Mas, sem desprezar as responsabilidades ou o potencial das empresas, o desígnio da transformação da economia está condicionado pela orientação que for dada à política económica. Precisamos, por isso, não apenas de aproveitar melhor os fundos europeus, mas de uma nova geração de políticas públicas, baseadas numa nova cultura de relacionamento com os agentes económicos e na valorização do papel da economia de mercado e da iniciativa privada. Precisamos de uma política económica que coloque a competitividade como preocupação transversal na intervenção do Estado na economia.
Está apreensivo quanto ao futuro do país?
Estou insatisfeito com o que está a ser feito para conseguirmos um futuro mais próspero e mais alinhado com as aspirações dos portugueses. Resta-me a confiança no valor das nossas empresas, na sua capacidade de resistir e reinventar.
«Estou insatisfeito com o que está a ser feito para conseguirmos um futuro mais próspero»
Dimensão empresarial reforçada, inovação e
internacionalização. É disto de que carece Portugal?
Sem dúvida que são três vetores fundamentais para que as empresas alcancem níveis mais elevados de produtividade, por forma a conciliar competitividade e rendimentos numa dinâmica positiva.
Qual o impacto que a Web Summit tem tido nas empresas portuguesas?
Para além do impacto direto de um evento desta dimensão, a Web Summit é uma oportunidade para as startups portuguesas se mostrarem ao mundo e conseguirem um primeiro contacto com investidores. Constitui, também, um excelente veículo de promoção da nova imagem de um país aberto à inovação, um local privilegiado para a instalação de empresas de base tecnológica. E isso é importante para a economia nacional e para a respetiva capacidade atrativa.
No decorrer do aumento dos custos de energia e combustível, como está a saúde das empresas e quais os setores mais afetados?
A escalada de custos e as perturbações na oferta colocaram as empresas sob uma tremenda ameaça. O quadro tem sido particularmente preocupante para as empresas dos setores mais intensivos em energia, sobretudo, a cerâmica e o vidro, mas também muitos outros, como a siderurgia, a fundição, o têxtil, o papel, a madeira, a química, o cimento e as indústrias extrativas. Há, também, setores afetados pela falta de fornecimentos de matérias-primas, como a metalurgia e a metalomecânica e as indústrias alimentares. Mas o impacto estendeu-se já à generalidade das empresas, com o alastramento da inflação. Os efeitos recessivos são bem visíveis, pela erosão que causam no poder de compra dos consumidores, afetando também, de forma bem direta, as margens das empresas, uma vez que os aumentos dos custos não foram repercutidos plenamente nos preços.
Deveria existir uma harmonização fiscal adequada às empresas?
Tenho defendido uma reforma profunda de fiscalidade, que proporcione um quadro legal mais simples, transparente, coerente e compreensível. Uma reforma que atenue os aspetos em que o nosso sistema fiscal se mostra mais desfavorável em comparação com os países com os quais concorremos nos mercados globais e com os quais pretendemos convergir em termos de bem-estar económico. Destacaria a necessidade de reduzir o desfasamento, relativamente aos nossos concorrentes, dos níveis de tributação direta das empresas.
No que toca ao IRC, com o aumento da derrama estadual introduzida em 2018, e tendo em conta as reduções efetuadas em França e na Bélgica, Portugal passou a ter a taxa máxima de tributação dos rendimentos das empresas mais elevada de toda a União Europeia (à exceção de Malta, que tem um sistema de elevadíssimos reembolsos fiscais).Este desnível verifica-se também no que diz respeito à taxa de imposto implícita, que mede a pressão fiscal efetiva a que estão sujeitas as empresas. Segundo um relatório da Comissão Europeia, Portugal era, em 2020, o terceiro país com maior taxa de imposto implícita sobre o rendimento das empresas em toda a União Europeia, apenas abaixo da França e da Croácia. Comparamos mal, portanto, e a responsabilidade de corrigir esta situação cabe aos decisores políticos nacionais. No quadro europeu, a harmonização fiscal limitou-se praticamente ao IVA e não será realista, espera avanços significativos. Os Estados-Membros permanecem ciosos das suas competências. Há, contudo, espaço para alguma harmonização para reduzir a complexidade das regras fiscais e os custos de conformidade enfrentados pelas empresas da UE que operam em mais do que um Estado-Membro. A Comissão Europeia tem trabalhado nesse sentido, embora sem grande sucesso, com propostas para uma base comum de tributação das empresas, aplicável precisamente às que estão presentes em vários Estados-Membros. Está em preparação uma nova proposta, mas prevejo que não será fácil encontrar consensos no seio do Conselho.
O acesso ao crédito, atualmente, beneficia mais a empresa ou a banca?
Não colocaria a questão nestes termos. Num sistema financeiro saudável, sai beneficiado tanto quem concede crédito como quem obtém crédito. O que julgo é que a banca continua a não ser capaz de redirecionar o crédito para os setores produtivos, nomeadamente para os que, em concorrência aberta com o exterior, apresentam um maior potencial de ganhos de produtividade. Pergunto-me se, de facto, os bancos estão a conceder crédito em função da avaliação dos méritos dos projetos ou se continuam a olhar, sobretudo, quase exclusivamente, para as garantias prestadas.
Um criador de riqueza em Portugal continua a ser mal visto?
Não creio que seja uma visão generalizada. Aliás, há inquéritos realizados a nível europeu que mostram que os portugueses são dos que mais aderem à ideia de empreendedorismo como a base da criação de riqueza. No entanto, é por demais evidente que há forças que não desistem de difundir desconfianças e preconceitos contra as empresas e os empresários, de alimentar um clima de hostilidade contra as empresas, sobretudo, contra as grandes empresas, e de diabolizar o lucro como causa da pobreza. Contra estes preconceitos, temos de afirmar que, sem lucro, não é possível investir e acabar com essa mesma pobreza. Temos de lembrar que uma sociedade que ignora o papel fundamental das empresas, que lhes nega condições para realizarem a sua função, está, a prazo, a empenhar as possibilidades de desenvolvimento e crescimento. Do mesmo modo, uma sociedade que alimenta atitudes de desconfiança, de inveja ou de antagonismo face aos empresários está a comprometer o futuro e as possibilidades de criação de riqueza e, portanto, da sua posterior distribuição. Precisamos, por isso, de insistir na valorização do mérito empresarial e na dignificação do papel do empresário na nossa sociedade.
«Portugal está longe de ser um país amigo das empresas e atrativo para o investimento»
Sem dúvida que são três vetores fundamentais para que as empresas alcancem níveis mais elevados de produtividade, por forma a conciliar competitividade e rendimentos numa dinâmica positiva.
Qual o impacto que a Web Summit tem tido nas empresas portuguesas?
Para além do impacto direto de um evento desta dimensão, a Web Summit é uma oportunidade para as startups portuguesas se mostrarem ao mundo e conseguirem um primeiro contacto com investidores. Constitui, também, um excelente veículo de promoção da nova imagem de um país aberto à inovação, um local privilegiado para a instalação de empresas de base tecnológica. E isso é importante para a economia nacional e para a respetiva capacidade atrativa.
No decorrer do aumento dos custos de energia e combustível, como está a saúde das empresas e quais os setores mais afetados?
A escalada de custos e as perturbações na oferta colocaram as empresas sob uma tremenda ameaça. O quadro tem sido particularmente preocupante para as empresas dos setores mais intensivos em energia, sobretudo, a cerâmica e o vidro, mas também muitos outros, como a siderurgia, a fundição, o têxtil, o papel, a madeira, a química, o cimento e as indústrias extrativas. Há, também, setores afetados pela falta de fornecimentos de matérias-primas, como a metalurgia e a metalomecânica e as indústrias alimentares. Mas o impacto estendeu-se já à generalidade das empresas, com o alastramento da inflação. Os efeitos recessivos são bem visíveis, pela erosão que causam no poder de compra dos consumidores, afetando também, de forma bem direta, as margens das empresas, uma vez que os aumentos dos custos não foram repercutidos plenamente nos preços.
Deveria existir uma harmonização fiscal adequada às empresas?
Tenho defendido uma reforma profunda de fiscalidade, que proporcione um quadro legal mais simples, transparente, coerente e compreensível. Uma reforma que atenue os aspetos em que o nosso sistema fiscal se mostra mais desfavorável em comparação com os países com os quais concorremos nos mercados globais e com os quais pretendemos convergir em termos de bem-estar económico. Destacaria a necessidade de reduzir o desfasamento, relativamente aos nossos concorrentes, dos níveis de tributação direta das empresas.
No que toca ao IRC, com o aumento da derrama estadual introduzida em 2018, e tendo em conta as reduções efetuadas em França e na Bélgica, Portugal passou a ter a taxa máxima de tributação dos rendimentos das empresas mais elevada de toda a União Europeia (à exceção de Malta, que tem um sistema de elevadíssimos reembolsos fiscais).Este desnível verifica-se também no que diz respeito à taxa de imposto implícita, que mede a pressão fiscal efetiva a que estão sujeitas as empresas. Segundo um relatório da Comissão Europeia, Portugal era, em 2020, o terceiro país com maior taxa de imposto implícita sobre o rendimento das empresas em toda a União Europeia, apenas abaixo da França e da Croácia. Comparamos mal, portanto, e a responsabilidade de corrigir esta situação cabe aos decisores políticos nacionais. No quadro europeu, a harmonização fiscal limitou-se praticamente ao IVA e não será realista, espera avanços significativos. Os Estados-Membros permanecem ciosos das suas competências. Há, contudo, espaço para alguma harmonização para reduzir a complexidade das regras fiscais e os custos de conformidade enfrentados pelas empresas da UE que operam em mais do que um Estado-Membro. A Comissão Europeia tem trabalhado nesse sentido, embora sem grande sucesso, com propostas para uma base comum de tributação das empresas, aplicável precisamente às que estão presentes em vários Estados-Membros. Está em preparação uma nova proposta, mas prevejo que não será fácil encontrar consensos no seio do Conselho.
O acesso ao crédito, atualmente, beneficia mais a empresa ou a banca?
Não colocaria a questão nestes termos. Num sistema financeiro saudável, sai beneficiado tanto quem concede crédito como quem obtém crédito. O que julgo é que a banca continua a não ser capaz de redirecionar o crédito para os setores produtivos, nomeadamente para os que, em concorrência aberta com o exterior, apresentam um maior potencial de ganhos de produtividade. Pergunto-me se, de facto, os bancos estão a conceder crédito em função da avaliação dos méritos dos projetos ou se continuam a olhar, sobretudo, quase exclusivamente, para as garantias prestadas.
Um criador de riqueza em Portugal continua a ser mal visto?
Não creio que seja uma visão generalizada. Aliás, há inquéritos realizados a nível europeu que mostram que os portugueses são dos que mais aderem à ideia de empreendedorismo como a base da criação de riqueza. No entanto, é por demais evidente que há forças que não desistem de difundir desconfianças e preconceitos contra as empresas e os empresários, de alimentar um clima de hostilidade contra as empresas, sobretudo, contra as grandes empresas, e de diabolizar o lucro como causa da pobreza. Contra estes preconceitos, temos de afirmar que, sem lucro, não é possível investir e acabar com essa mesma pobreza. Temos de lembrar que uma sociedade que ignora o papel fundamental das empresas, que lhes nega condições para realizarem a sua função, está, a prazo, a empenhar as possibilidades de desenvolvimento e crescimento. Do mesmo modo, uma sociedade que alimenta atitudes de desconfiança, de inveja ou de antagonismo face aos empresários está a comprometer o futuro e as possibilidades de criação de riqueza e, portanto, da sua posterior distribuição. Precisamos, por isso, de insistir na valorização do mérito empresarial e na dignificação do papel do empresário na nossa sociedade.
«Portugal está longe de ser um país amigo das empresas e atrativo para o investimento»
Cinquenta empresas portuguesas assinaram um
acordo para criar milhares de postos de trabalho nos próximos anos. Basta criar
mais emprego ou é necessário que este ofereça melhores condições salariais?
O acordo referido vai além do objetivo de criar mais emprego. É um pacto para promover um reforço do emprego jovem, mas também das condições de emprego atrativas para os jovens. Ambos os objetivos são partilhados pela generalidade das empresas. As empresas sabem que as pessoas, com o seu conhecimento, competências e talento, são o seu principal fator de diferenciação e de sucesso. Ao contrário do que muitos teimam em apregoar, os salários não são entendidos pelas empresas unicamente como custos, mas também como um investimento, na medida em que são instrumento para atrair e manter trabalhadores mais qualificados e competentes. Mas as empresas sabem também que só aumentando o valor acrescentado dos bens e serviços que produzem é que os rendimentos, nomeadamente os rendimentos salariais, poderão crescer de forma sustentável, sem prejudicar a sua competitividade e o seu futuro.
É também responsabilidade do tecido empresarial segurar os jovens licenciados no país?
Sem dúvida. Diria que uma das principais preocupações dos empresários e gestores portugueses é a captação e retenção dos talentos que tornarão possível a competitividade e o crescimento das suas empresas.
O tempo de António Saraiva na CIP finda em março. Despede-se do cargo com a sensação de missão cumprida?
Como deixei expresso, na carta que dirigi aos empresários, muito fizemos na CIP nestes 13 anos. Tenho a consciência de que fizemos o que devíamos, mas Portugal está longe de ser um país amigo das empresas e atrativo para o investimento. O legado que deixo é, sobretudo, este ânimo forte para que a CIP continue a lutar pelas empresas e pelo desenvolvimento do país.
Que marca deixou no mundo empresarial português?
Orgulho-me de ter sido, na minha condição de líder associativo, um criador de pontes. Sem abdicar das causas que abraço, mas ao serviço dessas mesmas causas.
«A CIP sempre teve (...) o presidente certo para cada momento da vida do país»
O que ficou por fazer e quais as expectativas quanto ao desempenho do próximo sucessor da CIP?
O trabalho no associativismo está sempre inacabado. Uma das tarefas que os seus dirigentes têm de continuar a perseguir é a concentração de organizações. O país tem um número excessivo de associações e é desejável que se promova a sua concentração. A CIP sempre teve, desde a sua constituição, o presidente certo para cada momento da vida do país. Assim se manterá no futuro.
E depois de março, tenciona afastar-se definitivamente do mundo empresarial? Se sim, como preencherá os seus dias?
Sobre os meus planos futuros, permito-me empregar uma máxima conhecida: «Não faço planos para a vida, para não atrapalhar os que a vida tem para mim». Tenho, no entanto, uma certeza: não vou calçar as pantufas!
Hoje, quem é o António Saraiva?
Sou quem sempre fui. Um homem de causas com uma enorme inquietude cívica. Um homem orgulhoso do seu percurso e fiel às suas origens. Uma pessoa feliz e agradecida à vida pelas oportunidades que me proporcionou.
O acordo referido vai além do objetivo de criar mais emprego. É um pacto para promover um reforço do emprego jovem, mas também das condições de emprego atrativas para os jovens. Ambos os objetivos são partilhados pela generalidade das empresas. As empresas sabem que as pessoas, com o seu conhecimento, competências e talento, são o seu principal fator de diferenciação e de sucesso. Ao contrário do que muitos teimam em apregoar, os salários não são entendidos pelas empresas unicamente como custos, mas também como um investimento, na medida em que são instrumento para atrair e manter trabalhadores mais qualificados e competentes. Mas as empresas sabem também que só aumentando o valor acrescentado dos bens e serviços que produzem é que os rendimentos, nomeadamente os rendimentos salariais, poderão crescer de forma sustentável, sem prejudicar a sua competitividade e o seu futuro.
É também responsabilidade do tecido empresarial segurar os jovens licenciados no país?
Sem dúvida. Diria que uma das principais preocupações dos empresários e gestores portugueses é a captação e retenção dos talentos que tornarão possível a competitividade e o crescimento das suas empresas.
O tempo de António Saraiva na CIP finda em março. Despede-se do cargo com a sensação de missão cumprida?
Como deixei expresso, na carta que dirigi aos empresários, muito fizemos na CIP nestes 13 anos. Tenho a consciência de que fizemos o que devíamos, mas Portugal está longe de ser um país amigo das empresas e atrativo para o investimento. O legado que deixo é, sobretudo, este ânimo forte para que a CIP continue a lutar pelas empresas e pelo desenvolvimento do país.
Que marca deixou no mundo empresarial português?
Orgulho-me de ter sido, na minha condição de líder associativo, um criador de pontes. Sem abdicar das causas que abraço, mas ao serviço dessas mesmas causas.
«A CIP sempre teve (...) o presidente certo para cada momento da vida do país»
O que ficou por fazer e quais as expectativas quanto ao desempenho do próximo sucessor da CIP?
O trabalho no associativismo está sempre inacabado. Uma das tarefas que os seus dirigentes têm de continuar a perseguir é a concentração de organizações. O país tem um número excessivo de associações e é desejável que se promova a sua concentração. A CIP sempre teve, desde a sua constituição, o presidente certo para cada momento da vida do país. Assim se manterá no futuro.
E depois de março, tenciona afastar-se definitivamente do mundo empresarial? Se sim, como preencherá os seus dias?
Sobre os meus planos futuros, permito-me empregar uma máxima conhecida: «Não faço planos para a vida, para não atrapalhar os que a vida tem para mim». Tenho, no entanto, uma certeza: não vou calçar as pantufas!
Hoje, quem é o António Saraiva?
Sou quem sempre fui. Um homem de causas com uma enorme inquietude cívica. Um homem orgulhoso do seu percurso e fiel às suas origens. Uma pessoa feliz e agradecida à vida pelas oportunidades que me proporcionou.