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· Personalidade · · T. Filomena Abreu e Maria Cruz

António Valério

«Ser padre é viver numa atitude de serviço para os outros»

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Valério em missão na Bolívia

Simplicidade talvez seja a característica que melhor o define. Mas tantos outros atributos lhe poderíamos atribuir. É amigo do amigo, perfeccionista naquilo que faz, responsável nas acções, e de uma inteligência invejável. António Manuel da Silveira Catana Valério, ou Valério, para os amigos, natural de Idanha-a-Nova, vila do distrito de Castelo Branco, traz sempre consigo um sorriso no rosto. Está sempre pronto a estender a mão aos que o procuram, seja num simples acto de reconforto, ou mesmo para aconselhar. Cresceu no seio de uma família muito ligada à igreja, e não tardou em se aperceber que a sua vocação estava naquela direcção. Entrou para o seminário aos 16 anos. Tornou-se padre, na Companhia de Jesus. Hoje, passados oito anos, é um homem que vive para Deus e para todos aqueles que o rodeiam. Porque estar ao serviço dos outros é o que dá alegria à vida de António Valério. E porque esta edição é, em parte, dedicada ao acontecimento de 13 de Maio, dia de Nossa Senhora de Fátima, e da vinda do Papa Francisco a Portugal, conversámos com Valério e ouvimos o que ele tinha para nos dizer. A palavra «missão» – que tantas vezes Valério refere –, destaca-se nesta entrevista à Villas&Golfe

Quando e o que o motivou a ser padre?
Poderia dizer que a minha vocação para ser padre se desenvolveu naturalmente. Cresci num ambiente familiar bastante praticante e implicado na vida da igreja. Há, claro, uma altura em que se colocam as questões do que queremos ser e se sente que a felicidade nos puxa mais para determinadas opções de vida. No meu caso, percebi que ser padre era viver numa atitude de serviço para os outros, ajudando a viver os grandes momentos da vida, pois o padre tem esta missão de acompanhar e ajudar as pessoas na sua vida humana e de fé. 

Porque escolheu fazer parte da Companhia de Jesus?
Entrei no Seminário com 16 anos mas, a determinada altura, conheci a Companhia de Jesus e chamou-me particularmente a atenção o facto de os jesuítas terem como campo de missão a diversidade de lugares e situações, muitas vezes de fronteira como o diálogo fé-cultura; fé-ciência, trabalho social e missionário; ensino e investigação em várias áreas do saber; diálogo entre as várias confissões cristãs e as outras religiões; evangelização das crianças e dos jovens, a par da constante mobilidade (é muito raro estarem muitos anos na mesma missão). Isto acabou por me fazer decidir ser jesuíta. 

F. L’osservatore Romano
Padre Valério com Papa Francisco

Por que etapas passa a formação de um jesuíta?
A formação de um jesuíta (cerca de 12 anos até ser padre, e pode ir até aos 20 anos, até à altura da sua integração definitiva na Companhia) começa com o noviciado de dois anos, que é um tempo mais ‘ad-intra’- onde se pretende que quem entra na Companhia a possa conhecer bem e que a Companhia também o possa conhecer. É um tempo mais dedicado à oração, ao estudo dos textos fundamentais da Companhia, onde aprendemos o que é ser jesuíta e o que é a vida religiosa, não apenas na teoria, mas na prática, ajudados pelos formadores e restante comunidade. No final destes dois anos, fazem-se os votos de pobreza, castidade e obediência. Seguem-se os estudos de Licenciatura em Filosofia. A etapa seguinte é o que se chama ‘Magistério’ - onde o jovem jesuíta vive com jesuítas já formados e desenvolve diversas actividades com as instituições e as pessoas a quem essa comunidade serve. A seguir regressamos ao estudo e fazemos a Licenciatura em Teologia, durante cinco anos. Depois destes estudos, é-se ordenado padre e dá-se o regresso ao próprio país para começar a sua vida de missão. Depois de alguns anos de trabalho apostólico, faz-se uma paragem de entre seis a nove meses para fazer a chamada Terceira Provação - que é o que atualmente estou a fazer. A formação termina quando são concedidos ao jesuíta os Últimos Votos, de pobreza, castidade e obediência, e um quarto voto próprio da Companhia, que é o voto de Obediência ao Papa para as missões, integrando-se definitivamente na Companhia. 

Está, agora, na última provação, pode falar-nos dessa experiência? 
Estou com outros 11 jesuítas de vários países a fazer o tempo da Terceira Provação, na Bolívia. Terminados os estudos e após alguns anos de missão, faz-se este tempo de paragem de seis meses, uma formação onde se volta às bases do que é ser jesuíta e se aprofunda a missão da Companhia de Jesus, que cada um de nós quer fazer o mais generosamente possível. É um tempo de oração e estudo, mas onde está muito presente o contacto com o povo boliviano, em especial as realidades sociais mais frágeis. Neste sentido, desenvolvemos também algum trabalho em comunidades mais pobres e desfavorecidas, quer em meios urbanos, quer em meios mais isolados de missão. Tem sido muito entusiasmante a descoberta desta cultura, no contacto com as pessoas mais pobres e simples, no seu modo de viver a fé, onde se integram elementos tradicionais indígenas muito interessantes. O contacto com a pobreza e os problemas sociais também são um campo de experiência e reflexão para a missão futura, no sentido de encontrar modos de superar a pobreza e a injustiça, atitude que está no centro do Evangelho.

O que vai acontecer quando terminar a terceira provação e regressar a Portugal?
Estou disponível para qualquer missão que me seja dada, mas, no meu caso, e se não houver outros desenvolvimentos, está previsto que continuarei a missão que tinha antes de vir. Sou Diretor do Secretariado Nacional do Apostolado da Oração, a Rede Mundial de Oração do Papa em Portugal, que tem como missão fomentar a vida de oração e a formação e compromisso cristão nas paróquias, sobretudo através da sua atividade editorial (livros e revistas) e projectos de oração digital, que tem tido um grande sucesso, como o www.passo-a-rezar.net; o www.clicktopray.org e o www.ovideodopapa.org, instrumentos que divulgam em cada mês os desafios (ou intenções) que o Papa aponta para o mundo e para a missão da Igreja.

F. L’osservatore Romano
Padre Valério com Papa Francisco

Houve uma desmistificação da Companhia de Jesus desde que o mundo teve um Papa jesuíta?
Não diria uma desmistificação, mas certamente um maior conhecimento do que é a Companhia, do que pretende ser a sua missão e que algo se nota nos discursos e gestos de Francisco, a par do seu extraordinário carisma pessoal: uma preocupação com a renovação e actualização das estruturas e linguagem da igreja, para um maior serviço ao Evangelho, a proximidade com as realidades sociais e humanas mais frágeis e um apelo constante a discernir os modos de presença da igreja nos desafios que hoje o mundo, com toda a complexidade que tem, coloca à presença da mensagem cristã. 

O Papa vem a Portugal para as cerimónias do centenário das aparições de Nossa Senhora de Fátima. Além disso, irá canonizar os pastorinhos. Como vê a companhia a ‘questão’ de Fátima e como têm vivido os jesuítas em Portugal estas notícias?
A Companhia de Jesus sempre acompanhou com entusiasmo e interesse a questão de Fátima, na medida em que a igreja também foi reconhecendo o seu lugar dentro da vida da Igreja em Portugal. Muitos jesuítas se dedicaram ao estudo e divulgação da mensagem de Fátima e todos os anos se organizam muitas actividades, peregrinações, especialmente com jovens, a Fátima. A notícia da canonização dos pastorinhos é, naturalmente, recebida com muita alegria, por serem modelos de uma transparência notável do Evangelho, na simplicidade da vida destas crianças.

Dentro da própria Igreja há várias teorias sobre o que de facto aconteceu em Fátima há cem anos. A Igreja não deveria ser unânime nestas questões?
A Igreja é unânime nesta questão: primeiro a nível diocesano, logo poucos anos depois das aparições; depois a nível nacional; e, finalmente, a nível dos próprios Papas, entre os quais João Paulo II, que tem um destaque inigualável, porque sempre valorizou o conteúdo e os efeitos que a mensagem, que Nossa Senhora deixou aos pastorinhos, tem nos cristãos e em todo o mundo. Há pessoas dentro da Igreja que olham com alguma desconfiança para Fátima, mas, a meu ver, são mais impressões pessoais que algo pensado a partir de uma mensagem tão profunda como é Fátima. O risco é sempre exagerar uma perspectiva, sem ter em conta a totalidade e, sobretudo, os seus frutos humanos e espirituais, que em Fátima são muito abundantes.

O Geral dos jesuítas é por vezes chamado de Papa Negro. Porquê?
Temos que separar o que, historicamente, se pode aplicar a esta expressão e a conotação negativa que se lhe deu, especialmente quando, em tempos de perseguição (em Portugal, desde o Marquês de Pombal até à 1.a República), se desenvolveram grandes campanhas contra os jesuítas. Desde a sua fundação que Inácio de Loiola pensou num grupo de religiosos muito preparados para estar ao serviço directo do Papa, para as missões a que ele os quisesse destinar. E assim, eram enviados para missões de grande importância e influência, junto de reis, nas universidades e no mundo da cultura, nas missões do Oriente e no Novo Mundo. Esta importância da Companhia valeu ao seu Superior Geral este ‘título’, que não corresponde de todo à realidade e ao que a Companhia pensa de si mesma. O Geral dos Jesuítas não é um poder ao lado do Papa, mas sim o representante de uma ordem religiosa que está ao serviço do Papa. Quanto ao negro, era porque o Geral dos Jesuítas veste de batina negra, como os outros padres, que contrasta com a batina branca do Papa. 

T. Filomena Abreu e Maria Cruz
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