E gosta de futebol. Gosta do
Benfica!
Isso não é gostar, isso é
uma paixão. A paixão é o excesso de afecto. É diferente da paixão no sentido de
relação entre homem e mulher, que é uma relação que se transforma com o tempo
em amor, consideração, respeito, amizade. Sou casado há 45 anos, e antes
namorámos seis, portanto, estou há 51 anos com a minha mulher. Hoje, não estou
apaixonado por ela, nem ela por mim. Temos outras formas de gostar. No futebol
e no Benfica não é assim. É sempre paixão. E, portanto, tanto é uma paixão
vitamínica, analgésica, como, quando se perde, é brutal, violenta, mas eu gosto
disso, acho piada.
Não muda...
A minha neta mais velha, a
Joana, tem 14 anos e é ‘doente’ pelo Benfica. Tenho quatro netas, e uma delas é
sportinguista. Aliás, quando passa comigo de automóvel pelo Estádio da Luz,
tapa a cara, e eu costumo dizer-lhe: «Podes deixar de ter respeito pelo
Benfica, mas tens de respeitar o avô» (risos). Quanto à minha neta Joana,
há dias em que o Benfica não está a ganhar e eu já nem penso em mim, penso é
nela. Quero que ganhe só por causa da Joana. Há dias, dizia-me: «Oh, se não
ganharmos, não vamos ser Pentacampeões», e eu respondi-lhe: «Ó Joana, eu
esperei 69 anos para sermos Tetracampeões, tu ainda tens 14, tem calma» (risos). Mostro-lhe
sempre a racionalidade.
Quem é este homem aos olhos de
quem o conhece ou ainda possa vir a conhecer?
Isso é uma boa pergunta. Há
uma coisa de que me orgulho – talvez a única, para além de ser pai, avô e
marido –, que é as pessoas, embora concordando ou discordando daquilo que digo,
explico, faço, perceberem que não digo nada só por dizer, e isso é que
corresponde à verdade. Gosto da vida; gosto do aletoscópio; gosto de estar no
aeroporto duas ou três horas a olhar para as pessoas e a cheirar o mundo; gosto
da paciência do tempo... O tempo é tão bom! Espero que, no último dia da minha
vida, ainda tenha condições para saber mais qualquer coisa.
Porquê?
Simplesmente porque quero,
porque gosto, não tenho a visão utilitarista da vida. Lá voltamos à velha
questão: «O ser livre é depender do que se gosta». E... Gosto de tantas coisas
que me sinto uma pessoa feliz.
Existe tempo perfeito?
Há dois tempos. O tempo do Chronos, que hoje
nos algema, por exemplo, o telemóvel, iPad, com que tenho uma relação
cordial, mas não obsessiva, pois são meios, não fins. E há o que os gregos
chamavam o Kairós, que é o tempo espiritual. Dou mais primazia ao Kairós. Há pais que
estão duas horas com os filhos, tempo cronológico (Chronos) e estão zero minutos
com os filhos, no tempo espiritual (Kairós). Já João Paulo II dizia
que há filhos que são órfãos de pais vivos. Mais vale ter um minuto de Kairós do que
não sei quantos dias de cronómetro.
Mudando o tempo e a área. Na
proposta de Orçamento do Estado para 2018, com o que é que concorda e do que
discorda?
Há uma coisa que um
ex-Ministro das finanças aprende definitivamente – se for sério, como é óbvio
–, que é: não devemos fazer uma análise do Orçamento do Estado a preto e
branco. Não está tudo certo ou tudo errado. Não! Há sempre coisas bem-feitas e
há coisas que deviam ser mais bem-feitas. Qualquer maioria tem de dizer bem do
orçamento, muitas vezes até discordando; e os partidos da oposição
obrigatoriamente têm de discordar. Percebo esse jogo político, mas confesso que
não me interessa. Agora, esta é única altura,
de que me lembro, em que todo o mundo verifica crescimento do Produto Interno
Bruto (PIB), com excepção da Venezuela e mais um ou outro país. Se eu fosse um
técnico orçamental de La Fontaine, diria que, neste tempo orçamental dos
últimos anos, passamos de uma formiga demasiado obstinada, demasiado teimosa,
para uma cigarra que parece demasiado gulosa e demasiado precipitada no tempo.
Se não aproveitarmos agora para as reformas de fundo de que o país precisa,
quando é que vamos aproveitar?! Talvez seja esta a crítica que faço, mas é uma
crítica mais filosófica. Todavia, há alguns aspetos que me pareceram
precipitados, ao longo destes últimos dois anos. Um deles: porque se voltou às
35 horas na função pública?! Primeiro: toda a gente fala da equiparação, da
igualdade entre a função pública e não pública; aqui, a função pública já não
quis saber da não-pública. Em segundo lugar, nós sabemos que o Estado tem
pessoal a mais nuns sítios e a menos noutros. O Estado está completamente
descapitalizado, do ponto de vista das qualificações. Os bons diretores gerais,
os quadros do Estado, com carreira feita, passo a passo, tijolo a tijolo,
desapareceram. Desapareceram porque foram para a reforma; morreram, porque
saíram desencantados da função pública. Hoje, o Estado está completamente
desarmado, por isso as leis são feitas em escritórios de advogados. É um
problema que não é apenas deste governo. O país precisaria de dois acordos de
regime: da qualificação da administração da função pública e a sua revitalização
séria, e de um acordo de regime sobre o sistema fiscal; e no sistema fiscal nós
não temos armistícios, temos guerras.
Recentemente falou à Lusa e
afirmou: «O sistema fiscal português está cheio de incoerências e buracos». De
que tipo de reforma fiscal necessitamos?
O sistema fiscal parece a
pedra-pomes: tem muitos buracos e pouca densidade. Diria que o imposto sobre as
pessoas singulares é um imposto que é brutalmente progressivo, no sentido em
que o Estado considera ‘fiscalmente rico’. Se reparar bem, uma pessoa que ganhe
2.000€ paga uma taxa marginal de IRS perto dos 40%, mais 11% de Segurança
Social, ou seja, tem mais de 50% do seu ordenado, à partida, cortado, e não
estamos a falar de ordenados elevados. Às vezes, as pessoas dizem-me: «Ah,
temos uma taxa marginal máxima de 40%, há países que também têm de 48%, 50% e
não se queixam...». Claro. Só que esses países têm taxas marginais de 48% para
rendimentos superiores a 500.000€ e nós temos taxas de 48% para rendimentos de
80.000€.
O segundo ponto é a questão
do imposto sobre os lucros das sociedades. Acho que é um dos aspetos mais
criticados na actuação deste governo. Peço desculpa, estou a fazer um juízo de
facto. Goste ou não se goste, hoje vivemos numa competição agressiva, brutal,
e, portanto, quando cortamos a descida do IRC, além de dar sinal de menor
previsibilidade para os agentes económicos – porque precisam de ter um quadro
fiscal previsível para investirem –, exige este cenário de estabilidade fiscal.
Terceiro ponto, a questão
da poupança, que é uma espécie de variável enjeitada dos modelos económicos.
Ora, só há investimento se houver poupança. Hoje, temos a taxa de poupança mais
baixa da União Europeia, 4% de rendimento disponível, quando já tivemos 30. Na
crise, em 2008, subiu a poupança, porque as pessoas tiveram medo, efeito de
precaução. Mas 4% de poupança não é possível para um país viver. Qualquer
economista sabe ver o bê-á-bá destas questões. E o que é que nós temos
hoje?! Onde é que as pessoas podem poupar?! Pôr o dinheiro no banco, além de
arriscar, rende zero, praticamente. E o contrário da poupança é o consumo. As
pessoas deixaram de ter cultura de poupança. É o ter, o trocar, o possuir à
frente do ‘ser’. Hoje, as pessoas consomem as coisas úteis, as fúteis e as
inúteis.
O último, e quarto ponto, é
o IVA, que é o imposto mais forte, em termos fiscais. Faz-me ‘impressão’ que
tenhamos de pagar 23% de IVA sobre a energia, e, ao mesmo tempo, se pague 23%
sobre um carro de luxo, ou uma pedra preciosa. Este Governo fez uma coisa de
que eu discordei, que foi voltar a alterar o IVA da restauração de 23% para
13%, e a energia passou de 6% para 23%. Não era preferível passar a energia de
23% para 13%?! O IVA deveria distinguir o consumo dos bens de que não posso
abdicar, como a eletricidade, daqueles de que, apesar de tudo, ou posso abdicar
ou posso selecionar. E, de facto, o IVA não faz esse tipo de distinções.
Passados mais de dez anos
afastado da política, o que mudaria hoje?
Para começar nunca seria
ministro da Economia, porque acho que é dispensável. Ministério da Economia
para quê?! O ministro de Economia não trata de Economia. Faz discursos. O
verdadeiro Ministério da Economia é o Ministério da Educação – é aquele que
prepara as pessoas para a Economia do futuro. O Ministério da Educação não se
devia chamar ministério de «educação», mas de «ensino», porque a educação
começa em casa. Educa bem as crianças se não quiseres ter problemas com os
adultos, já dizia o Pitágoras.
Recentemente, participou no
seminário Repensar a Europa. Que ilações tirou e o que é
preciso fazer para se repensar a Europa?
Foi no Vaticano (e até
recebi hoje as fotografias em que estou a cumprimentar o Papa, fiquei muito
contente). O Papa Francisco teve uma intervenção brilhantíssima. Foi um
encontro entre os quatro eixos da Europa: o Ocidente e o Oriente, o Norte e o
Sul. (Lembro-me de há dois anos e tal ir a uma escola porque queria melhorar o
meu italiano. Na altura da inscrição, a senhora, muito simpática, pergunta: «E
porque é que quer saber italiano, vai para Itália?», «Não, minha senhora, não
vou», respondi, «Mas trabalha em alguma empresa italiana?», «Não», e ela
continuou a perguntar... muito admirada: «Mas então para que é que quer saber
italiano?», «Porque quero, porque gosto e me apetece», respondi-lhe, e diz ela:
«Ah, é isso!» [risos])
Voltando à pergunta. O Papa
disse uma coisa que foi uma das principais ilações que retirei: «Estamos a
construir uma Europa baseada em arquétipos e em números da quantidade». Dizia o
Papa: «Não falamos de desempregados, falamos de indicadores económicos; não
falamos de pobreza, falamos de limiares de pobreza; não falamos de emigrantes,
falamos de cotas; não há criança, há crianças; não há família, há famílias; não
há instituição, há instituições». O modelo de decisão e construção da economia
europeia é completamente baseado em números, em quantidades.
«As pessoas consomem as coisas úteis, as fúteis e
as inúteis»