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· Personalidade · · T. Maria Cruz · F. ©PMC

João Nicolau de Almeida

«É na pedra que se dão os melhores vinhos»

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F. ©PMC
Quando João Nicolau de Almeida – criador do Vinho Duas Quintas – resolveu investir num projeto no Douro, em Vila Nova de Foz Côa, imaginou, desde logo, o desafio que tinha pela frente. Quando chegou ao local da propriedade, que hoje se chama Quinta do Monte Xisto, não havia nada, apenas monte, e umas vistas perfeitas para o Rio Douro. Falamos de um lugar onde a magia do tempo ousa passar por entre o sossego dos vales. E nós, durante a nossa visita, ficámos rendidos aos encantos das soberbas paisagens do Douro. É tudo tão calmo. Tão entusiástico. Tão silencioso, que só o ruído das nossas conversas à mesa, enquanto apreciávamos o agradável jantar, carinhosamente preparado pela Mafalda, filha de João Nicolau, tinha a capacidade de desassossegar a sonoridade local. Mas, lá longe, sentindo o descer das águas do rio, ouvíamos cuidadosamente o zumbido dos ‘seres da natureza’ desta terra. 
 
João, não existia nada no território onde se encontra a Quinta do Monte Xisto?
Historicamente, na Sub-Região do Douro Superior, não. Temos o Baixo Corvo, Cima Corvo, a Régua, a zona do Pinhão (com aquela paisagem mais clássica do Douro, com os socalcos, as quintas...), e, depois, de São João da Pesqueira até Espanha, é o Douro Superior, que foi a última área a entrar, no século XX, na Região Demarcada do Douro. Esta zona aqui é uma realidade diferente. As pessoas daqui, por exemplo, vão mais depressa a Coimbra do que ao Porto. Ervamoira foi uma das primeiras quintas, à parte da Dona Antónia, a existir cá, pois praticamente não havia nada. 

Quase nada?
As pessoas tinham vinho, mas era para consumo próprio. A partir do ano 2000 começou-se a plantar mais aqui. Antes isto era uma mistura de oliveira, amendoeira e cereal. Na Ervamoira, por exemplo, era tudo cereal. 

E vocês encontraram este magnífico lugar em que ano? 
Em 1994, salvo erro.
«Quando era pequeno, ou ia às vindimas ou ia lavar as pipas»
E quando começaram a produzir? 
Em 2001. Foi quando eles vieram como enólogos (filhos). Eu meti-os aqui (risos). A minha filha já vive aqui (Vila Nova de Foz Côa), por vontade própria, há uns 10 anos. Criou a sua empresa (Miles Away) e organiza programas de visita ao Douro. 

Douro: vinho e paisagens. Tem tudo aqui. Onde podemos encontrar os vossos vinhos?
Em Portugal, no Brasil, nos Estados Unidos, em França, no Canadá, na Suíça, no Luxemburgo, na Bélgica, em Macau e na Noruega, mas tudo em quantidades pequenas.

Voltando atrás. Chegaram cá e isto era completamente monte? 
Isto era mato. Havia aqui cobras, e ainda há. Mas, na altura, a gente não sabia onde é que punha os pés (risos).

Plantaram quantos hectares de vinha?
No total temos dez, mas primeiro plantámos três. Como tinha muito a fazer na Ramos Pinto então deleguei aos filhos, o João e o Mateus (infelizmente o Mateus hoje não chegará aqui a tempo). O João tinha acabado de chegar de França, de estudar, e o Mateus já estava cá há dois anos. 

E porque lhe atribuíram o nome de Monte Xisto? 
Porque só existe xisto aqui. É um monte de xisto. Aliás, basta olharmos para trás, temos aqui o corte que se vê bem. Para prepararmos a terra, para fazer a vinha, tivemos de cavar um bocadinho (risos). Foi uma loucura. Uma pessoa cavava um bocado e era só pedregulhos. O Douro tem esta coisa de ser preciso criar terra. Continuamos sempre a lavrar para criar um bocado de terra, depois chega a rocha mãe, que permite que as vinhas sobrevivam aqui. Está comprovado que se não tiver rocha não é a mesma coisa. As videiras precisam de uma cama, como um berço. Elas têm 1 metro de altura e, depois, quando estão com mais força, podem entrar nas fissuras no xisto. E quando chegam aí ela vai alimentar regularmente a planta. Isto é como nós: se nós comermos regularmente, é impecável, se começarmos a comer pouco, começam a haver problemas. Escolhi este lugar também para dar bons vinhos, porque é na pedra que se dão os melhores vinhos. Além disso a exposição que tem de Norte e de Sul, e as diferentes altitudes, também contam.
 
Que castas é que tem aqui?
Temos a Touriga Nacional, um bocadinho de Tinta Roriz, Tinto Cão, Touriga Franca, Sousão e temos uma parcela misturada, que tem várias castas e já é misturada cirurgicamente.  O que é divertido é saber que, mesmo dentro do mesmo monte, há uma variedade enorme. 
«Nesse mundo onde nós estamos, tem de se usar, não o que os outros usam, mas o que a terra e o clima dizem que é preciso usar»
Porquê um projeto familiar desta natureza? Saiu da Ramos Pinto...
A Ramos Pinto também é da família da minha mãe. Saí de lá porque me reformei. Disse que me ia reformar aos 67 e foi isso que fiz. Depois, comecei a pensar: «os meus filhos vieram (de estudar) antes de me reformar. São enólogos. A Mafalda também veio para Foz Côa. Bom, a família não vinha, pelo menos, de registos que nós temos, desde 1824. Na altura tinham as tanoarias no Porto. Do lado da minha mulher também sempre estiveram ligados ao vinho. O meu sogro fez um quadro genológico para demonstrar que eu casei por interesse com a minha mulher, porque o quadro dela vai até 1600 e o meu só vai até 1700 (risos). Portanto, quando era pequeno, ou ia às vindimas ou ia lavar as pipas (principalmente quando tinha más notas, o que era habitual [risos]). Passava as férias a lavar pipas. E pronto, pensei: «isto não pode acabar aqui, tem de continuar». Resolvi investir o dinheiro neste projeto, o que é mais interessante do que andar por aí a viajar e passear de barco. 

E o que têm de especial os vinhos da Quinta do Monte Xisto?
Aproveitamos o máximo que a terra pode dar. Sem intervenções. Por exemplo, esta vinha é uma das vinhas do Douro que nunca viu herbicida ou pesticidas, ou qualquer outra coisa desse género. Houve sempre fusões e biológico. Mesmo agora, estamos a estudar, com a universidade, os fertilizantes através das giestas daqui e outras plantas, para ver os alimentos que elas podem fornecer à terra, em vez de estarmos a comprar adubos. É muito biológico. Queríamos algo único. Porque, de outra forma, ao fim de alguns anos, há uma similitude entre os vinhos, porque todos absorvem os mesmos alimentos. A videira alimenta-se a 25 cm da terra. A raiz grande serve só para ir buscar a água. Mas, ao fim de uns anos, todos esses pesticidas vão para a uva e vai modificando os vinhos. Por isso, para ter um vinho único, é preciso conhecer muito bem o seu terreno, e é preciso intervir em momentos certos, para que ele saia com especialidade. A ideia é torná-lo sustentável, o tal biodinâmico. E aproveitar o que tem à sua volta e defender-se das doenças. A diferença do tempo do Homo Sapiens para agora é que nós sabemos o que é que isto dá e o que é que não dá, e como podemos melhorar. Hoje em dia uma pessoa está muito formatada com os produtos químicos. É preciso mudar um bocadinho o chip

Claro que, no dia a dia, conseguem perceber as necessidades da vinha...
Pois, essa é a questão. Ainda agora esta vindima foi puxadíssima. Fizemos um maior esforço para estar grande parte do tempo na vinha, com sei lá quantos graus, mas é importante. Só assim é que se começa a perceber as coisas. Mesmo a literatura francesa, que foram os primeiros a começar com esta produção biológica, se nós formos fazer o que eles fazem, entramos pela madeira adentro, porque, neste mundo onde nós estamos, tem de se usar, não o que os outros usam, mas o que a terra e o clima dizem que é preciso usar. É um desafio interessante.

Que temperaturas chegam a atingir aqui?
Quarenta e cinco graus (aqui onde estamos). Este sítio é muito quente. Isto está virado a Sul. Aqui, temos o xisto todo e ele absorve o calor. Lá no cimo da propriedade é um bocadinho mais fresco, porque está mais alto. Lá para as três da tarde há sítios onde não se consegue estar. 

Quando vindimam, é muito quente...
Antigamente os trabalhadores só davam seis horas, agora dão oito, porque as coisas têm de andar. 

Oito horas debaixo deste sol?
De manhã não está. Pegamos às sete até por volta das duas, três horas. Às sete é fantástico. Depois, comem a ‘bucha’ às nove e a seguir, até ao meio-dia, já são mais lentos. Depois do almoço, que são 20 minutos, é tramado. Devia de ser menos tempo, mas também precisamos de colher as uvas. Agora também pusemos uma coisa para proteger as uvas, fizemos uma infusão de catos (o cato tem uma película para resistir ao calor) e pulverizamos a vinha com isso, o que causa um efeito espetacular.

João Nicolau de Almeida com a filha Mafalda
F. ©PMC
João Nicolau de Almeida com a filha Mafalda
João (filho), João Nicolau de Almeida, Mafalda (filha) e Paulo Martins
F. ©PMC
João (filho), João Nicolau de Almeida, Mafalda (filha) e Paulo Martins
Maria Cruz
T. Maria Cruz
F. ©PMC
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