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Jorge Rebelo de Almeida

«Somos o grupo que mais projetos de recuperação do património histórico tem feito em Portugal»

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Jorge Rebelo de Almeida

Sorridente e muito ativo, tem por hábito começar o dia cedo e terminá-lo tarde. Gosta demasiado do que faz, e isso sentimo-lo nas palavras da longa conversa que tivemos com Jorge Rebelo de Almeida, o fundador e presidente dos hotéis Vila Galé. Recebeu-nos em Paço de Arcos, num palácio do século XV, espaço este onde reside um dos hotéis do grupo – o Vila Galé Collection Pálacio dos Arcos. O empresário conta já com mais de 35 anos no ramo turístico e com mais de 40 unidades hoteleiras, entre Portugal, Brasil, Cuba e Espanha. De forma serena, falou-nos dos projetos, da sua visão sobre o turismo nacional, da costa portuguesa, da cultura, e de tanto mais. Diz conseguir, no meio da agitação dos seus dias, arranjar tempo para se divertir, porque,e de acordo com as suas palavras, quando se trabalha muito... «tem de se saborear, em doses pequenas, as coisas maravilhosas».

 

Quando iniciou na atividade turística, há mais de 35 anos, alguma vez imaginou ser um dos players de um dos setores de maior destaque nacional? 

Não, de todo. Comecei a minha vida como advogado. Fiz advocacia 13 anos e ainda atingi algum destaque, sobretudo nas áreas em que era especialista, que tinham que ver com problemas de contratos, projetos, obras. Sempre gostei de projetos e de obras, mas, apesar de gostar muito de ser advogado e do que fazia, faltava-me qualquer coisa. No início, criei um projeto na praia da Galé, que designamos por Vila Galé. Comecei com dois amigos, que tinham outras atividades, e eu aproveitei toda a experiência que tinha na área da construção e do turismo, porque tinha tido bastantes clientes nessas áreas. Foi aí que me comecei a interessar pelo turismo. Uma coisa é certa: não me passava pela cabeça criar um grupo hoteleiro.

 

É assim, então, que nasce o grupo hoteleiro com o nome Vila Galé?

Sim. Eu e um amigo meu arquiteto, num almoço na Portugália, fizemos o «bonequinho». Eu não tenho jeito para o desenho, mas tenho jeito para arquitetura e decoração de interiores, tanto que a esmagadora maioria dos nossos projetos é da minha autoria e da minha equipa, o que me dá muito gozo fazer. Hoje, temos42 hotéis a funcionar e mais dois que abriram em abril, na Figueira da Foz e na Isla Canela, no Sul de Espanha. E, no Brasil, temos dois em construção. Em Cuba, entrámos em outubro do ano passado, com um hotel maravilhoso, numa praia deslumbrante que fica no Cayo Paredón. Cuba é, de facto, um encanto. É pena que esteja a atravessar uma fase um pouco difícil..., mas acredito que a vai superar. Este hotel é do estado cubano, não foi um investimento nosso, fomos contratados para fazer a gestão do hotel.  

 

Quais os desafios pelos quais o grupo já passou ao longo deste longo percurso? 

O grupo Vila Galé pode definir-se como uma empresa que mobilizou e motivou muita gente, tendo sido um desafio grande criar um grupo hoteleiro que, hoje, tem tudo aquilo com que sonhei. É uma empresa séria, tem prestígio, tem responsabilidade social, preocupa-se com a sustentabilidade ambiental. A preocupação do grupo não é ganhar dinheiro, é, pelo contrário, fazer projetos úteis para a sociedade. Diria que somos o grupo que mais projetos de recuperação do património histórico tem feito em Portugal. Hoje, a empresa tem mais de cinco mil pessoas, duas mil e duzentas em Portugal. 

Todos temos um pouco de loucura, adoramos desafios, fazer obras e projetos, o que não é fácil num país como o nosso, tanto como não o é no Brasil, onde as dificuldades de aprovação são tremendas. Aqui, em Portugal, por exemplo, estamos com imensos projetos para avançar, todos eles diferenciadores, mas demora o seu tempo. Estamos, por exemplo, a desenvolver mais um projeto no centro histórico de Elvas, que é completamente diferente –situa-se numa rua com casinhas de um lado e do outro e trata-se da recuperação de uma antiga fábrica de ameixa, que era conhecida como «rainha-Cláudia» e a que hoje chamam apenas ameixa de Elvas.

Estamos também a recuperar um castelo, o Paço do Curutêlo, em Ponte de Lima, no Freixo. É uma quinta com 60 hectares, que tem um castelo que data de 1126, ou sejaé anterior ao nascimento de Portugal. Como a quinta é muito grande e tem 10 hectares de vinha da casta Loureiro, estamos a preparar a plantação e temos a adega também em construção. É uma outra aposta na área vinícola, que se irá juntar à quinta que já temos no Alentejo – a Santa Vitória (onde se incluem três hotéis) –, que produz vinhos e azeites, fruta e gado; e à que temos, também, no Douro, em Armamar, há seis anos.

 

O grupo Vila Galé conta com mais de 30 hotéis em Portugal, do Norte ao Sul, muitos deles estão junto ao mar. Este facto faz destes hotéis espaços mais apelativos? 

Faz, claro que sim. Em Portugal, temos os destinos consolidados: Algarve, Lisboa e a costa de Lisboa, e Porto. Assim como a Figueira da Foz também já foi e é agora um local onde vamos recuperar um hotel antigo, na primeira linha de praia, o Grande Hotel da Figueira.

Mas o grupo Vila Galé, a par destes hotéis em localizações mais notórias, tem vindo a apostar no interior. O interior do nosso país, que é lindo, está esquecido, porque os nossos políticos, da esquerda à direita, falam muito sobre o interior mas depois concretizam pouco. No grupo, começamos por fazerem Braga um hotel que está numa das praças centrais da cidade e temos um outro projeto para avançar em Miranda do Douro, em cima da barragem. São projetos como estes que ajudam ao desenvolvimento do interior. Tenho dito, e muita gente não concorda, que é um disparate fazer-se o TGV de Lisboa para o Porto, pois acho que não vai acrescentar nada e é muito dinheiro de investimento, o que vai obrigar a um endividamento tremendo, quando nós já temos uma dívida pública muito alta. Se este Lisboa-Porto desse um desenvolvimento grande ao país, mas não. No comboio que já existe, a viagem é muito agradável e, se houvesse uma melhoria da linha com 10% do que querem gastar no TGV, a linha ficava excelente e sobrava dinheiro para melhorar toda a rede ferroviária nacional. Estamos a falar de 10 mil milhões de euros. O TGV que nos interessa, que é uma mais-valia para o país, é o TGV Lisboa-Madrid, mas para isso temos de resolver este problema da bitola ibérica das linhas de caminho de ferro. Uma outra coisa que era fundamental para desenvolver o interior do Norte do país era continuar aquela estrada lindíssima, quer em Lamego, de frente para a Régua, quer em Armamar, onde temos o Vila Galé Vineyards, ou seja a estrada que vai da Régua até ao Pinhão.Se houvesse vontade de fazer coisas e contribuir para o desenvolvimento do interior fazia-se essa estrada, desde a marginal do rio até Foz Côa. Valorizava-se Foz Côa e todo aquele Douro superior que é lindíssimo.

 

Mas continua a ver potencial turístico na costa portuguesa? 

Vejo muito potencial de norte a sul, e há muito espaço. O Algarve tem uma costa já suficientemente preenchida. Hoje, com as limitações do plano da orla costeira, já não há grandes espaços para se fazer mais projetos. Já o litoral alentejano e o litoral algarvio, virados para o poente do Atlântico, têm potencial e estão a desenvolver-se, mas devagar.

 

Sendo Portugal o país europeu com maior costa marítima, quais considera serem os entraves para que o potencial marítimo e costeiro não seja aproveitado? 

Perde-se muito tempo com a direção geral do património cultural, é um entrave à recuperação de muito património que existe, e na área marítima isso, então, nem se fala. Tivemos o porto de Lisboa, que encravou durante anos, assim como o desenvolvimento da zona ribeirinha quer em Lisboa, quer no Porto, o que impediu que as cidades se virassem para o rio. Aprovar uma marina neste país é praticamente um processo para durar 15anos. É evidente que muita gente desiste, porque ninguém tem paciência para aguentar um projeto que demora dez ou 15 anos.

No que diz respeito às áreas marítimas, o mar é das coisas mais incríveis que temos em Portugal. Quando há manifestações públicas, as pessoas defendem que o mar é importantíssimo para a nossa economia e que podia ser uma fonte de receita maior, mas, infelizmente, na prática, as pessoas só falam, não concretizam nada. Se alguém quiser fazer um projeto de piscicultura, tem uma dificuldade tremenda.

 

Acredita que as alterações climáticas possam ser um obstáculo à construção de infraestruturas nas proximidades do mar? 

É possível conciliar ambiente com desenvolvimento económico, mas tem de ser feito com cuidado. Daqui a dez anos quem tiver um hotel que não respeite as normas e valores ambientais, não terá hóspedes. O turismo, para ser equilibrado, precisa que o país se desenvolva harmoniosamente em vários setores de atividade e, culturalmente, deve manter-se atraente.

«O turismo contribui muito para as contas portuguesas»

Se tivesse de escolher um dos locais mais emblemáticos de Portugal, à beira-mar, qual seria? 
O turismo em Portugal nasceu em Albufeira. No Algarve, há duas cidades que acho que têm um potencial turístico muito grande e podem crescer – Lagos e Tavira. Há um Algarve interior onde se podiam desenvolver mais projetos. Há anos que se fala de uma dessalinizadora, há anos que se fala em fazer um ramal para ir buscar água ao Guadiana, mas o governo ainda não avançou com o projeto. O Algarve também merece ter agricultura, se for apenas um lugar turístico, perde o encanto.

O grupo contribui para a economia do país e para a recuperação de património histórico. De que forma é que o governo lhe retribui esse contributo?
O governo que apanhou a pandemia, durante todo aquele tempo, teve um comportamento muito bom com as empresas, porque deu uma ajuda com os lay-offs, pagou uma parte da remuneração das pessoas. O que nunca tinha acontecido em Portugal noutras crises, designadamente a de 2008-2010. Nessa crise caímos ao nível da ocupação, mas não ficámos sem ocupação; com a pandemia não houve ocupação, não havia transporte aéreo, não havia nada. Aliás, o país fechou e, por isso, foi muito dramático; mas o governo deu uma boa ajuda. Contudo, este último governo teve, como mais nenhum outro, condições extraordinárias, porque teve vários fundos, teve o PRR que não soube gastar, teve o resto do Portugal 2020 e agora o 2030,mas nada disto aproveitou, e era um governo que tinha as condições todas para ter feito as ‘mexidas’ de que o país precisa. 

Aos seus olhos, em que patamar se situa o turismo português?
O turismo português é um setor que se desenvolveu por obra e mérito da iniciativa privada, é um setor que nunca foi especialmente amado pelos governantes e que por alguns partidos foi vilipendiado. O turismo contribui muito para as contas portuguesas. Agora, que fique bem claro, o turismo tem de ter outros parceiros, noutros setores, porque não somos invejosos. As cidades, para se manterem atrativas, têm de diversificar a oferta turística.

Não é só em território nacional que o Vila Galé atua, também o Brasil foi um destino onde apostou.
Temos dez estâncias em funcionamento, o que se traduz em cerca de dez mil camas no Brasil. E estamos em fase de construção de um hotel de eleição, no Cumbuco. Terá cerca de 130 unidades, tem uma localização fabulosa – em cima da praia –e tem a lagoa do kitesurf. Abre em novembro deste ano. E estamos a recuperar um espaço em Minas Gerais, em Ouro Preto, que é uma cidade bem portuguesa, com um património fabuloso. Este resort tem um rio que o atravessa, o rio Maracujá, e vai ter 300 quartos, cavalos, atividades de campo, vinha e olival.

E, além de Cuba, outro destino onde podemos encontrar a marca Vila Galé, também vai abrir, este ano, em Espanha. Porquê estes mercados?
Cuba surge por um convite do governo, que nos procurou para fazermos a gestão de um hotel, em Cayos,com638 quartos e sete restaurantes. Na sequência deste convite, temos um segundo em vista, na cidade de Havana, que ficará pronto para o final do primeiro trimestre do próximo ano. O governo escolheu-nos por sermos uma empresa com peso em Portugal, mas também por termos projetos no Brasil, já que eles querem captar brasileiros para Cuba. Espanha também não é um investimento nosso, mas sim de um grupo imobiliário espanhol que nos convidou para irmos ajudar na remodelação do hotel, na Isla Canela. Estamos a fazer as obras e o hotel vai abrir no seu esplendor. 

A hotelaria conseguiu completá-lo mais do que alguma vez a advocacia o poderia fazer?
Sem dúvida. Dar emprego às pessoas, melhorar as suas vidas e realizar projetos é muito mais aliciante. A advocacia é muito útil para a hotelaria, para gerir uma empresa. Num país burocrático como este, ter formação jurídica é sempre bom.

Estar entre os duzentos maiores grupos hoteleiros do mundo e ser o número dois em Portugal é sinónimo de resiliência e saber fazer. O que perspetiva para o futuro do grupo?
Não tenho grandes objetivos a longo prazo. Vamos continuar a crescer porque, de facto, a política do grupo é a de ir reinvestindo o que vai ganhando. Há países de língua oficial portuguesa onde gostava de ter um projeto, como Moçambique.

De todos os espaços que tem, qual é o que mais o impressiona sempre que lá volta?
Vou dizer um hotel localizado num sítio onde a água do mar não é maravilhosa, porque não é muito quente, mas que tem uma paisagem fabulosa, que é em Angra dos Reis. Não tanto pelo edifício em si, mas pela envolvente. Este hotel está encaixado em cima da praia, com uma montanha atrás. E nemo clima não é tão maravilhoso como no Nordeste do Brasil, mas tem uma grande vantagem, tem uma imagem misteriosa – quando se acorda, numa manhã enevoada, é bonito de ser ver.

Como é o dia a dia do Jorge? 
O meu dia é muito ativo. Primeiro trabalho com gosto, depois trabalho muito, mas tenho à minha volta muita gente que também trabalha muito. Começo o dia cedo e acabo tarde, e ainda vou arranjando um tempinho para me divertir. Sabe o que é que acontece quando se trabalha muito? Tem de se saborear, em doses pequenas, as coisas maravilhosas.


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