Uma história que dava um livro, um livro que até já teria nome: «Ela». E ela é aquela que muitos conhecem como a «Garota do Calhau», aquela menina madeirense que se transformou numa das divas da Arquitetura e Design de Interiores de Portugal. E é Portugal, e a paixão pela Madeira, o arquipélago que a viu nascer, que Nini Andrade Silva leva para os quatros cantos do mundo. A ilha a que chama casa foi onde tudo começou. Onde a criatividade ganhou vida, vezes sem conta, através do design, dos projetos, da pintura, das peças, da arte. «Ela» deu sentido às palavras e ideias soltas, que lhe surgiam durante a noite, e criou projetos únicos e surpreendentes, que a levaram à conquista de dezenas de prémios nacionais e internacionais. Tornou-se Cônsul Honorária da Colômbia, país onde tem dado cartas. Nini, «Ela», a «Garota do Calhau», é uma mulher de causas, e o largo sorriso é o que nos marca a memória. E, às gargalhadas, ninguém fica indiferente. Quase três horas depois, haveria muito mais para perguntar e para contar. Mas, aqui, nesta entrevista à Villas&Golfe, ficam apenas alguns dos preciosos momentos.
O que é ser diferente para a Nini?
É ser igual a si mesmo. É a única maneira de se ser diferente.
Conta já com longos anos de trabalho, aprendizagens, conhecimento. Já parou para refletir nisso?
A vida é como uma festa. Há os que chegaram mais cedo e não estão cansados, e há os que acabaram de chegar e já desejam ir para casa. Eu ainda não desejo ir para casa. Na festa da vida, fico até ao fim. Porque gosto de trabalhar, gosto de fazer coisas e gosto muito do dia.
Envolve-se de tal modo com os projetos que realiza que, mesmo depois de concluídos, ainda é capaz de entrar e arrumar algo que esteja fora do lugar?
Ainda agora estava a arrumar o hotel [a entrevista decorreu no Savoy Palace, na Madeira]. Às vezes, sinto que as coisas são minhas e chego aqui e se vejo algo fora do lugar, como a jarra, arrumo.
Preto e branco são as suas cores mas, na verdade, já preencheu páginas da sua vida com muita cor, como, por exemplo, através da pintura.
É engraçado, quando comecei a pintar, pintava com muita cor, fazia flores. Tenho um quadro, no museu do João Carlos Abreu, cheio de flores, que ninguém acredita ser meu, a não ser quando olham para a assinatura. E depois, quando comecei a viajar muito, queria levar malas de mão pequenas. Um dia achei que era muito difícil levar uma mala com tanta mistura de cores. É aí que surge a ideia de passar a levar roupa preta ou branca – combinaria com tudo. Tornou-se mais fácil.
E na indumentária, não pode faltar o chapéu…
Sempre usei muito chapéus. Mas quando comecei a trabalhar na Colômbia – eles têm lá um chapéu que se chama «panamá» –, passei a usar ainda mais. Agora, passou a ser uma imagem de marca.
Por falar na Colômbia, quando se aventurou por essas terras?
A Colômbia é um país encantador. Aliás, quando me convidaram para ir à Colômbia, há 12 anos, nesse ano, tinha ganhado vários prémios, e havia cartazes nas feiras de turismo a dizer «diva do design Nini Andrade Silva». Quando se pesquisava «design Europa» o meu nome também aparecia. E os clientes que me convidaram a visitar a Colômbia queriam uma designer europeia. Telefonaram-me. Quando me disseram que eles queriam que eu fosse à Colômbia, eu disse logo: «Não vou à Colômbia, os senhores se quiserem que venham cá». E nessa semana apareceram no atelier, em Lisboa. Até me senti envergonhada. Vieram conhecer-me e depois lá fui eu até à Colômbia.
«OS CLIENTES QUE ACREDITAM EM MIM SÃO OS CLIENTES QUE GANHAM OS PRÉMIOS»
Agradece à vida o facto de lhe ter proporcionado estar com determinadas pessoas e de ter conhecido determinados mundos?
Agradeço todos os dias. Agradeço estar aqui em frente ao mar, acordar e ver o mar; agradeço ter nascido na Madeira, uma ilha que é como se todos fossem uma família.
A Nini gosta muito de trabalhar, mas acha que se vai cansar um dia?
Eu só me canso quando estou a explicar uma coisa, que tenho a certeza de que vai dar certo mas, como as pessoas nunca viram, não conseguem acreditar. Os clientes que acreditam em mim são os clientes que ganham os prémios. Eu estou destinada a imaginar. É muito difícil explicar a uma pessoa uma coisa nova, que a pessoa nunca viu. É o mesmo que acontece quando se lê um livro e depois se vai ver o filme, é totalmente diferente, porque cada um lê o livro à sua maneira. No princípio, não foi fácil. Talvez por eu ser teimosa, consegui. Vou sempre até ao fim, nem que explique 50 mil vezes, explico até as pessoas acreditarem e, quando vejo que não vou conseguir, aceito que não consegui (risos).
E o que é que a faz feliz?
Tantas coisas me fazem feliz. Por exemplo, a felicidade de outra pessoa faz-me muito feliz. No outro dia, fui a uma loja e comprei umas coisas, e a senhora que me atendeu disse: «Tem direito a este saco». Mas ele não tinha nada que ver comigo. Atrás de mim estava outra cliente que comentou: «Eu gostava tanto de ter aquele saco». Mas o que ela tinha comprado não era suficiente para o ganhar. Então, virei-me para trás e disse-lhe: «Olhe, não me leve a mal, mas se quiser o meu, como eu só uso branco e preto, posso oferecer-lho». A alegria dela foi tanta que eu saí da loja feliz. Já não preciso de muita coisa para ser feliz.
Sente-se realizada com o seu percurso?
Sim, sinto-me. Às vezes, a minha irmã diz-me: «Nini, tu és muito convencida», e eu respondo: «Não sou convencida, eu trabalho para isso». Da mesma maneira que não fico ofendida com alguém que me diga «Nini, não gosto disto no projeto». Eu consigo compreender e aceito. Não gosto que uma pessoa me diga que gosta só para me agradar. Prefiro que digam «Nini, desta vez, não gostei». Pois, assim, vou pensar «Será que a pessoa tem razão?»; «E se eu tivesse feito de outra maneira?». Um dia, uma jovem foi ao meu atelier, tinha umas pedras pintadas às cores, e eu olhei para aquilo e disse: «Não gosto nada disto», mas pensei: «Nini, calma, porque estás tu a fazer o que as pessoas fazem contigo?» e disse-lhe: «Deixa as pedras aí e volta cá amanhã». À medida que ia passando para dentro e para fora, quanto mais olhava para as pedras, mais gostava delas. E, no dia seguinte, já as adorava. Quando a jovem voltou, disse-lhe: «Gosto tanto, que até gostava de ter duas no Design Centre». Isto para dizer que a minha primeira reação foi dizer-lhe «não».
Neste momento, tem o atelier em Lisboa, e aqui na Madeira?
Já tive em vários lugares do mundo. Mas depois percebi que seria melhor focar-me em Portugal. Até porque posso ser convidada para ir ao outro lado do mundo, em vez de estar lá.
E o atelier, como se gere uma equipa tão grande?
Somos 55. Mas depois tenho mais de mil pessoas que trabalham comigo, desde carpinteiros, pintores, etc., são os meus fornecedores. Em Portugal, talvez sejamos o maior atelier de Arquitetura e Design de Interiores. Posso dizer-lhe que tenho pessoas muito boas comigo. Tornou-se um negócio familiar. Tenho um sobrinho que é economista; outro que é engenheiro civil, que gere os projetos; a minha irmã, trata dos Recursos Humanos; e o meu irmão, que é arquiteto paisagista. Mas digo-lhe, sinceramente, pessoas da minha equipa são todas a minha família. Não considero uns ‘mais família’ do que outros.
«OS MEUS PAIS ENSINARAM-NOS A SER CORRETOS, E ISSO É UMA DAS COISAS MAIS IMPORTANTES»
Que idade tinha quando passou a ter um maior reconhecimento como designer de interiores?
Estava nos 30 anos quando comecei a ser mais conhecida. Até lá, fui fazendo trabalhos.
E como foi o início da sua carreira?
Quando estava na universidade, pintava t-shirts, ténis, bolsas e quadros e depois vendia. Sempre fiz muitas coisas. Havia uma loja, aqui na Madeira, que se chamava «Ateia», e eu fazia muitas coisas para essa loja. Depois, quando acabei o curso, trabalhei durante muito tempo para as festas da Madeira, fazia coisas para o Governo Regional, para a Secretaria do Turismo. Mais tarde, dei três meses de aulas. Entretanto, deixei de lecionar e foi quando fui para os Estados Unidos. Quando regressei à Madeira, fui para a Dinamarca, voltei e fui para a África do Sul… Andei por muito lado.
Muito do seu conhecimento adquiriu-o nesses países?
Sim, sim. De todos um pouco. Mais tarde, passei a ir muito para a Ásia, e é aí que se dá o boom na minha carreira.
Como chegou à Ásia?
Cheguei sozinha. Fui para os Estados Unidos com a família Kiekeben. O Sr. Kiekeben, que era a pessoa que tinha as tapeçarias na Madeira, tinha também lojas nos Estados Unidos. E ele dizia-me sempre: «Nini, muito do nosso futuro passa pela Ásia». O Sr. Kiekeben morreu muito novo, e eu fiquei sempre com aquilo na cabeça. E, como fazia as feiras de Paris, ia notando que havia muitas coisas que eram parecidas e comecei a questionar: «Isto vem de onde?». Na altura, falei com um amigo meu e ele disse-me: «Nini, acho que devias passar pela Ásia e perceber o que acontece lá». Um dia, resolvi ir. Foi nessa altura que eu fiz o Aquapura, no Douro, (até saiu na Villas&Golfe), já lá vão quase 20 anos. A partir daí, comecei a fazer compras na China, Japão, Filipinas, Tailândia, Índia.
Hoje fabrica mais em Portugal?
Hoje, fabrico quase tudo em Portugal.
Como são os seus dias de trabalho?
Normalmente, chego ao atelier e digo: «Temos um projeto novo». Eles ficam tão entusiasmados. Por exemplo, estamos agora a fazer um museu, o Convento do Lorvão, que fica perto de Coimbra. É espetacular, um monumento lindo! Neste caso, a Inês, que está no atelier em Lisboa, e é formada em gestão cultural, fez a primeira leitura sobre o sítio, estuda a história; depois disso, passa-nos os deadlines e cada um começa no seu canto a imaginar coisas. Por último, vêm-me mostrar.
É importante salientar que a Nini não é apenas decoradora...
Pois não. As pessoas não sabem isso. Nós fazemos arquitetura de interiores, depende do cliente se quer ou não o projeto. É que tudo o que ‘cai’ é decoração, tudo o que vemos e ‘não cai’ é arquitetura de interiores. E nós fazemos isso também.
Os projetos tiram-lhe o sono?
Deixam-me dormir perfeitamente. Não vou para a cama sem uma agenda e uma caneta. Vou em paz e, se me lembrar de alguma coisa, escrevo logo, para não me esquecer. A meio da noite, tenho muitas ideias boas. Às vezes, quando chego ao atelier e digo: «Esta noite…», eles dizem logo: «Oh não», porque é sinal que vou mudar tudo o que já estava feito. Gosto de sentir o wow, por isso mudo. Há tempos, pensei numa coisa, fui à internet ver se já existia. Uma marca internacional tinha feito algo muito parecido, então anulei logo essa ideia e começámos de novo. Eu podia perfeitamente fazer igual, ou muito parecido, que uma pessoa nunca iria estar associada à outra, mas não faz sentido. Eu gosto de criar.
«Não sou convencida, eu trabalho para isso»
Já chegou a fazer palestras em robe. Gosta de sentir-se diferente?
Não se deve fazer só o que se acha bonito. Às vezes, faço palestras vestida de robe para as pessoas perceberem que o ridículo tem lugar e que não é ridículo. Há lugares para tudo. É preciso saber quem vai ser o consumidor final das obras que realizamos. Normalmente, as pessoas vão à procura de um ideal, vão aos hotéis à procura desse ideal, mas a verdade é que algo que até pode ficar bem aqui, num outro lugar pode ficar mal.
Fala muito com os seus botões?
Falo, falo... (risos) e rezo. Tenho sempre alguém que me acompanha, a minha mãe, a minha Nossa Senhora de Fátima, a minha madrinha de batismo. Sinto-me protegida. Tenho uma estrelinha (sorri). Nunca me sinto só. A minha mãe morreu muito nova, acho que ela está sempre comigo, tenho a certeza de que está lá em cima… Ela, o meu pai...
Os dois eram muito especiais para si. Algum ensinamento mais marcante que ficou para vida?
Sim. Nós somos três irmãos. Os nossos pais sempre nos disseram que devíamos pensar bem antes de agir. Pensar se estamos certos, se estamos a ser corretos com as pessoas. Sempre foi uma coisa muito importante na nossa casa. Fizéssemos o que fizéssemos, tínhamos de ser corretos com quem estava ao nosso lado. Por isso, procuro ser o mais correta possível. Já tive pessoas que trabalharam comigo e saíram para ir trabalhar noutros ateliers e, se vejo um trabalho deles bem feito, telefono e digo: «Passei lá, gostei muito do trabalho». Desejo a maior sorte às pessoas que trabalharam comigo. Os meus pais ensinaram-nos a ser corretos, e isso é uma das coisas mais importantes. As pessoas deviam ser corretas com a vida, e com os outros.
Como recorda a infância?
Os meus pais eram professores e nós vivíamos numa ‘casa de escola’, no Funchal. A casa era grande, era diferente, tinha jardins grandes e tínhamos uma sala com 40 crianças de manhã e 40 à tarde. Eu andei num colégio, não andei nesta escola; os meus irmãos andaram, mas eu era muito maluca (risos).
Era a mais ‘traquina’ em pequena?
Era. O meu irmão foi muito bom aluno, a minha irmã foi muito boa aluna, e eu tinha notas para passar.
Porque se portava mal, queria ser diferente?
Porque eu queria criar, estava sempre distraída. Andava no meu mundo. Na escola somos ‘obrigados’ a apreender as coisas que já aconteceram, e queria fazer coisas que ainda não tinham acontecido.
E não a deixavam, é isso?
Não, então eu tinha de andar sempre um passo à frente. Por isso, na escola da minha mãe, fiquei apenas duas semanas e, depois, fui para o colégio. Mas quando chegava a casa tinha aquelas crianças todas para brincar. Brincávamos ao avião, saltávamos à corda. Sempre fui habituada a estar no meio de muitas pessoas.
Era uma família já de artistas.
A avó gostava de fazer poesia, o pai cantava, havia teatro… Havia estas coisas todas. Era um mundo de artistas dentro de casa. O meu tio António era crítico de arte e dizia-me: «Nini, vais ser artista»; o meu pai, antes de morrer, disse-me: «Nunca deixes de ser quem és». Ele foi professor, foi artista, cantava, mas era artista apenas nas horas vagas. Quando havia uma festa, se o meu pai fosse, era o artista da festa. Festa a que não fosse, não era festa.
E a relação com os irmãos foi sempre boa?
Somos os três diferentes e todos iguais. Temos a mesma base. A minha irmã Luísa era das letras, era a pessoa da cultura, e que se preocupava comigo, andou a vida inteira comigo. Quando ia para a Ásia, ela ficava na Madeira, mas sempre que precisasse, ligava e ela atendia o telefone nem que fosse às quatro da manhã. A Luísa deu-me muita força e ajudou-me a tornar-me na pessoa que sou hoje. E o meu irmão Ricardo também. É o presidente da Associação Garouta do Calhau. O Ricardo sempre ajudou todas as pessoas carenciadas. Aliás, nós os três fazíamos coisas para vender e ajudávamos em casa. Mas o Ricardo sempre protegeu muito as crianças e os idosos. Hoje, na Associação, já temos um centro de Alzheimer; seis centros de dia com 600 pessoas, o que para a Madeira é algo grande; e, agora, estão a fazer um centro de noite. Todo o trabalho extra que faço, ou palestras, é para ajudar a Garouta do Calhau e também outras associações noutros países onde fazemos hotéis.
Nunca deixará de ser a «garota do calhau»?
Quando eu era miúda e via os miúdos, os garotos do calhau, que eram os que andavam nas pedras nas praias, eu queria ser uma deles. Assim, andava todo o dia na rua. A minha mãe dizia-me: «Não, tu tens de apreender», mas eu queria era ir para a rua. E, se me portasse mal, ela dizia-me: «Pareces uma garota do calhau». Quando cresci, fiz a minha primeira exposição de flores, com as quatro estações. E um amigo meu disse-me que aquilo não tinha nada que ver comigo, que devia era dedicar-me a uma coisa só minha. Foi aí que surgiu a ideia de pintar calhaus e isso ajudou a intitular-me como a ‘garota do calhau’, que foi uma das coisas que eu sempre quis ser. Comecei a pintar calhaus e, mais tarde, dei o nome à associação Garouta do Calhau (que antes se chamava Centro Comunitário e Desenvolvimento do Funchal). Aos 50 anos, o meu irmão ofereceu-me os estatutos de uma fundação, mas depois era tudo muito complicado, e eu disse-lhe que não precisava de uma fundação, porque eu só queria ajudar. Por isso, como já existia a associação do Funchal, apenas lhe dei o nome e fiquei feliz da vida.
«O meu pai, antes de morrer, disse-me ‘nunca deixes de ser quem és’»
Como seria a casa ideal para si?
Eu gosto da minha casa. Não é grande, mas tem um jardim e tem o Oceano Atlântico à frente. Quando acordo, abro a janela, só vejo o mar. Gosto de viver na minha casa. Se é o projeto de arquitetura ideal? Não, não é. Podia fazer um projeto muito mais bonito do que aquele, mas eu sinto-me muito feliz ali. O lugar ideal é onde nos sentimos felizes. Mas se arranjasse um terreno, assim em frente ao mar, aqui na Madeira (eu adoro as pessoas, adoro o mundo inteiro e todos os sítios a que já fui, mas eu pertenço aqui), pediria ao arquiteto Carvalho Araújo para me fazer a casa, com um só quarto, um loft todo aberto, atelier e cozinha. Gosto da minha casa, mas gostava de ter essa também.
Da Ilha da Madeira, conquistou o mundo. Esse foi sempre foi o seu sonho?
Queria muito. Tinha um amigo meu, o Horácio Roque, que me dizia sempre: «Nini, as oportunidades da vida vêm para todos, há uns que as agarram, e há outros que não». Fiquei sempre com essa frase. De facto, é preciso muito trabalho. Acho que só se consegue quando se passa para lá do cansaço, mas depois há pessoas que, quando estão cansadas, param. É preciso muita dedicação, seja em que profissão for. Há pessoas que foram muito mais felizes tendo filhos, tendo família; outros são mais felizes do que eu e não fizeram nada. Eu sou feliz fazendo.
O que tem de tão maravilhoso a Madeira?
Ainda há dias estava sentada no exterior da casa de uma amiga. Falávamos do tempo. Não havia uma nuvem, não havia mosquitos, nada. De facto, quando viajo para tantos países, que são fantásticos, há mosquitos, há muito calor, ou não se pode estar lá fora; a Madeira tem um clima espetacular, e nem sempre as pessoas dão valor. Adoro a Madeira. Sou a pessoa que vende melhor a Madeira.
Como lida com o medo de andar de avião?
Enfrentando. Uma pessoa vem ao mundo para fazer coisas, não posso ficar aqui parada só porque tenho medo. Mas tenho medo. Aliás, dos aviões toda a gente sabe que tenho, mas eu passo a vida nos aviões (risos). E acontecem coisas giras também. Numa viagem de regresso do Brasil, vinham três advogados juntos, dois à frente e um ao meu lado que, muito educadamente, se virou para mim e disse: «Já que vamos dormir juntos, vou-me apresentar» (risos). Achei tanta graça.
E escreveria um livro com esses acontecimentos?
Escreveria muita coisa. Tenho outra para contar. Um dia, no avião, ia sentado ao meu lado um senhor, que começou a falar, a falar, a falar… Ele ia para a Índia, eu também... Ele era indiano. Viajávamos em 1.ª classe. Passado um bocado, ele diz: «Se não comeres, dás-me a tua comida?». Eu pensei: «Em 1.ª classe e vai jantar a comida dos outros? Que estranho». Então, perguntei-lhe: «Porque é que faz isso?», ao que ele respondeu: «Quando chegares lá fora, vais perceber». Percebi que ele recolhia a comida para dar aos mais necessitados que estavam lá fora, à espera, no aeroporto. Maravilhoso.
E que título daríamos ao seu livro?
«Ela». Porque no atelier, quando estou a chegar, eles dizem: «Ela já chegou, ela vem aí». Já não sou a Nini Andrade Silva, sou «ela». Eu sei escrever, mas depois não sei escrever bem para um livro.
Mas isso era fácil de resolver…
Fazia consigo. Eu gostava. É isso, eu quero fazer um livro chamado «Ela» (risos). Temos de pensar nisso.
O que é ser diferente para a Nini?
É ser igual a si mesmo. É a única maneira de se ser diferente.
Conta já com longos anos de trabalho, aprendizagens, conhecimento. Já parou para refletir nisso?
A vida é como uma festa. Há os que chegaram mais cedo e não estão cansados, e há os que acabaram de chegar e já desejam ir para casa. Eu ainda não desejo ir para casa. Na festa da vida, fico até ao fim. Porque gosto de trabalhar, gosto de fazer coisas e gosto muito do dia.
Envolve-se de tal modo com os projetos que realiza que, mesmo depois de concluídos, ainda é capaz de entrar e arrumar algo que esteja fora do lugar?
Ainda agora estava a arrumar o hotel [a entrevista decorreu no Savoy Palace, na Madeira]. Às vezes, sinto que as coisas são minhas e chego aqui e se vejo algo fora do lugar, como a jarra, arrumo.
Preto e branco são as suas cores mas, na verdade, já preencheu páginas da sua vida com muita cor, como, por exemplo, através da pintura.
É engraçado, quando comecei a pintar, pintava com muita cor, fazia flores. Tenho um quadro, no museu do João Carlos Abreu, cheio de flores, que ninguém acredita ser meu, a não ser quando olham para a assinatura. E depois, quando comecei a viajar muito, queria levar malas de mão pequenas. Um dia achei que era muito difícil levar uma mala com tanta mistura de cores. É aí que surge a ideia de passar a levar roupa preta ou branca – combinaria com tudo. Tornou-se mais fácil.
E na indumentária, não pode faltar o chapéu…
Sempre usei muito chapéus. Mas quando comecei a trabalhar na Colômbia – eles têm lá um chapéu que se chama «panamá» –, passei a usar ainda mais. Agora, passou a ser uma imagem de marca.
Por falar na Colômbia, quando se aventurou por essas terras?
A Colômbia é um país encantador. Aliás, quando me convidaram para ir à Colômbia, há 12 anos, nesse ano, tinha ganhado vários prémios, e havia cartazes nas feiras de turismo a dizer «diva do design Nini Andrade Silva». Quando se pesquisava «design Europa» o meu nome também aparecia. E os clientes que me convidaram a visitar a Colômbia queriam uma designer europeia. Telefonaram-me. Quando me disseram que eles queriam que eu fosse à Colômbia, eu disse logo: «Não vou à Colômbia, os senhores se quiserem que venham cá». E nessa semana apareceram no atelier, em Lisboa. Até me senti envergonhada. Vieram conhecer-me e depois lá fui eu até à Colômbia.
«OS CLIENTES QUE ACREDITAM EM MIM SÃO OS CLIENTES QUE GANHAM OS PRÉMIOS»
Agradece à vida o facto de lhe ter proporcionado estar com determinadas pessoas e de ter conhecido determinados mundos?
Agradeço todos os dias. Agradeço estar aqui em frente ao mar, acordar e ver o mar; agradeço ter nascido na Madeira, uma ilha que é como se todos fossem uma família.
A Nini gosta muito de trabalhar, mas acha que se vai cansar um dia?
Eu só me canso quando estou a explicar uma coisa, que tenho a certeza de que vai dar certo mas, como as pessoas nunca viram, não conseguem acreditar. Os clientes que acreditam em mim são os clientes que ganham os prémios. Eu estou destinada a imaginar. É muito difícil explicar a uma pessoa uma coisa nova, que a pessoa nunca viu. É o mesmo que acontece quando se lê um livro e depois se vai ver o filme, é totalmente diferente, porque cada um lê o livro à sua maneira. No princípio, não foi fácil. Talvez por eu ser teimosa, consegui. Vou sempre até ao fim, nem que explique 50 mil vezes, explico até as pessoas acreditarem e, quando vejo que não vou conseguir, aceito que não consegui (risos).
E o que é que a faz feliz?
Tantas coisas me fazem feliz. Por exemplo, a felicidade de outra pessoa faz-me muito feliz. No outro dia, fui a uma loja e comprei umas coisas, e a senhora que me atendeu disse: «Tem direito a este saco». Mas ele não tinha nada que ver comigo. Atrás de mim estava outra cliente que comentou: «Eu gostava tanto de ter aquele saco». Mas o que ela tinha comprado não era suficiente para o ganhar. Então, virei-me para trás e disse-lhe: «Olhe, não me leve a mal, mas se quiser o meu, como eu só uso branco e preto, posso oferecer-lho». A alegria dela foi tanta que eu saí da loja feliz. Já não preciso de muita coisa para ser feliz.
Sente-se realizada com o seu percurso?
Sim, sinto-me. Às vezes, a minha irmã diz-me: «Nini, tu és muito convencida», e eu respondo: «Não sou convencida, eu trabalho para isso». Da mesma maneira que não fico ofendida com alguém que me diga «Nini, não gosto disto no projeto». Eu consigo compreender e aceito. Não gosto que uma pessoa me diga que gosta só para me agradar. Prefiro que digam «Nini, desta vez, não gostei». Pois, assim, vou pensar «Será que a pessoa tem razão?»; «E se eu tivesse feito de outra maneira?». Um dia, uma jovem foi ao meu atelier, tinha umas pedras pintadas às cores, e eu olhei para aquilo e disse: «Não gosto nada disto», mas pensei: «Nini, calma, porque estás tu a fazer o que as pessoas fazem contigo?» e disse-lhe: «Deixa as pedras aí e volta cá amanhã». À medida que ia passando para dentro e para fora, quanto mais olhava para as pedras, mais gostava delas. E, no dia seguinte, já as adorava. Quando a jovem voltou, disse-lhe: «Gosto tanto, que até gostava de ter duas no Design Centre». Isto para dizer que a minha primeira reação foi dizer-lhe «não».
Neste momento, tem o atelier em Lisboa, e aqui na Madeira?
Já tive em vários lugares do mundo. Mas depois percebi que seria melhor focar-me em Portugal. Até porque posso ser convidada para ir ao outro lado do mundo, em vez de estar lá.
E o atelier, como se gere uma equipa tão grande?
Somos 55. Mas depois tenho mais de mil pessoas que trabalham comigo, desde carpinteiros, pintores, etc., são os meus fornecedores. Em Portugal, talvez sejamos o maior atelier de Arquitetura e Design de Interiores. Posso dizer-lhe que tenho pessoas muito boas comigo. Tornou-se um negócio familiar. Tenho um sobrinho que é economista; outro que é engenheiro civil, que gere os projetos; a minha irmã, trata dos Recursos Humanos; e o meu irmão, que é arquiteto paisagista. Mas digo-lhe, sinceramente, pessoas da minha equipa são todas a minha família. Não considero uns ‘mais família’ do que outros.
«OS MEUS PAIS ENSINARAM-NOS A SER CORRETOS, E ISSO É UMA DAS COISAS MAIS IMPORTANTES»
Que idade tinha quando passou a ter um maior reconhecimento como designer de interiores?
Estava nos 30 anos quando comecei a ser mais conhecida. Até lá, fui fazendo trabalhos.
E como foi o início da sua carreira?
Quando estava na universidade, pintava t-shirts, ténis, bolsas e quadros e depois vendia. Sempre fiz muitas coisas. Havia uma loja, aqui na Madeira, que se chamava «Ateia», e eu fazia muitas coisas para essa loja. Depois, quando acabei o curso, trabalhei durante muito tempo para as festas da Madeira, fazia coisas para o Governo Regional, para a Secretaria do Turismo. Mais tarde, dei três meses de aulas. Entretanto, deixei de lecionar e foi quando fui para os Estados Unidos. Quando regressei à Madeira, fui para a Dinamarca, voltei e fui para a África do Sul… Andei por muito lado.
Muito do seu conhecimento adquiriu-o nesses países?
Sim, sim. De todos um pouco. Mais tarde, passei a ir muito para a Ásia, e é aí que se dá o boom na minha carreira.
Como chegou à Ásia?
Cheguei sozinha. Fui para os Estados Unidos com a família Kiekeben. O Sr. Kiekeben, que era a pessoa que tinha as tapeçarias na Madeira, tinha também lojas nos Estados Unidos. E ele dizia-me sempre: «Nini, muito do nosso futuro passa pela Ásia». O Sr. Kiekeben morreu muito novo, e eu fiquei sempre com aquilo na cabeça. E, como fazia as feiras de Paris, ia notando que havia muitas coisas que eram parecidas e comecei a questionar: «Isto vem de onde?». Na altura, falei com um amigo meu e ele disse-me: «Nini, acho que devias passar pela Ásia e perceber o que acontece lá». Um dia, resolvi ir. Foi nessa altura que eu fiz o Aquapura, no Douro, (até saiu na Villas&Golfe), já lá vão quase 20 anos. A partir daí, comecei a fazer compras na China, Japão, Filipinas, Tailândia, Índia.
Hoje fabrica mais em Portugal?
Hoje, fabrico quase tudo em Portugal.
Como são os seus dias de trabalho?
Normalmente, chego ao atelier e digo: «Temos um projeto novo». Eles ficam tão entusiasmados. Por exemplo, estamos agora a fazer um museu, o Convento do Lorvão, que fica perto de Coimbra. É espetacular, um monumento lindo! Neste caso, a Inês, que está no atelier em Lisboa, e é formada em gestão cultural, fez a primeira leitura sobre o sítio, estuda a história; depois disso, passa-nos os deadlines e cada um começa no seu canto a imaginar coisas. Por último, vêm-me mostrar.
É importante salientar que a Nini não é apenas decoradora...
Pois não. As pessoas não sabem isso. Nós fazemos arquitetura de interiores, depende do cliente se quer ou não o projeto. É que tudo o que ‘cai’ é decoração, tudo o que vemos e ‘não cai’ é arquitetura de interiores. E nós fazemos isso também.
Os projetos tiram-lhe o sono?
Deixam-me dormir perfeitamente. Não vou para a cama sem uma agenda e uma caneta. Vou em paz e, se me lembrar de alguma coisa, escrevo logo, para não me esquecer. A meio da noite, tenho muitas ideias boas. Às vezes, quando chego ao atelier e digo: «Esta noite…», eles dizem logo: «Oh não», porque é sinal que vou mudar tudo o que já estava feito. Gosto de sentir o wow, por isso mudo. Há tempos, pensei numa coisa, fui à internet ver se já existia. Uma marca internacional tinha feito algo muito parecido, então anulei logo essa ideia e começámos de novo. Eu podia perfeitamente fazer igual, ou muito parecido, que uma pessoa nunca iria estar associada à outra, mas não faz sentido. Eu gosto de criar.
«Não sou convencida, eu trabalho para isso»
Já chegou a fazer palestras em robe. Gosta de sentir-se diferente?
Não se deve fazer só o que se acha bonito. Às vezes, faço palestras vestida de robe para as pessoas perceberem que o ridículo tem lugar e que não é ridículo. Há lugares para tudo. É preciso saber quem vai ser o consumidor final das obras que realizamos. Normalmente, as pessoas vão à procura de um ideal, vão aos hotéis à procura desse ideal, mas a verdade é que algo que até pode ficar bem aqui, num outro lugar pode ficar mal.
Fala muito com os seus botões?
Falo, falo... (risos) e rezo. Tenho sempre alguém que me acompanha, a minha mãe, a minha Nossa Senhora de Fátima, a minha madrinha de batismo. Sinto-me protegida. Tenho uma estrelinha (sorri). Nunca me sinto só. A minha mãe morreu muito nova, acho que ela está sempre comigo, tenho a certeza de que está lá em cima… Ela, o meu pai...
Os dois eram muito especiais para si. Algum ensinamento mais marcante que ficou para vida?
Sim. Nós somos três irmãos. Os nossos pais sempre nos disseram que devíamos pensar bem antes de agir. Pensar se estamos certos, se estamos a ser corretos com as pessoas. Sempre foi uma coisa muito importante na nossa casa. Fizéssemos o que fizéssemos, tínhamos de ser corretos com quem estava ao nosso lado. Por isso, procuro ser o mais correta possível. Já tive pessoas que trabalharam comigo e saíram para ir trabalhar noutros ateliers e, se vejo um trabalho deles bem feito, telefono e digo: «Passei lá, gostei muito do trabalho». Desejo a maior sorte às pessoas que trabalharam comigo. Os meus pais ensinaram-nos a ser corretos, e isso é uma das coisas mais importantes. As pessoas deviam ser corretas com a vida, e com os outros.
Como recorda a infância?
Os meus pais eram professores e nós vivíamos numa ‘casa de escola’, no Funchal. A casa era grande, era diferente, tinha jardins grandes e tínhamos uma sala com 40 crianças de manhã e 40 à tarde. Eu andei num colégio, não andei nesta escola; os meus irmãos andaram, mas eu era muito maluca (risos).
Era a mais ‘traquina’ em pequena?
Era. O meu irmão foi muito bom aluno, a minha irmã foi muito boa aluna, e eu tinha notas para passar.
Porque se portava mal, queria ser diferente?
Porque eu queria criar, estava sempre distraída. Andava no meu mundo. Na escola somos ‘obrigados’ a apreender as coisas que já aconteceram, e queria fazer coisas que ainda não tinham acontecido.
E não a deixavam, é isso?
Não, então eu tinha de andar sempre um passo à frente. Por isso, na escola da minha mãe, fiquei apenas duas semanas e, depois, fui para o colégio. Mas quando chegava a casa tinha aquelas crianças todas para brincar. Brincávamos ao avião, saltávamos à corda. Sempre fui habituada a estar no meio de muitas pessoas.
Era uma família já de artistas.
A avó gostava de fazer poesia, o pai cantava, havia teatro… Havia estas coisas todas. Era um mundo de artistas dentro de casa. O meu tio António era crítico de arte e dizia-me: «Nini, vais ser artista»; o meu pai, antes de morrer, disse-me: «Nunca deixes de ser quem és». Ele foi professor, foi artista, cantava, mas era artista apenas nas horas vagas. Quando havia uma festa, se o meu pai fosse, era o artista da festa. Festa a que não fosse, não era festa.
E a relação com os irmãos foi sempre boa?
Somos os três diferentes e todos iguais. Temos a mesma base. A minha irmã Luísa era das letras, era a pessoa da cultura, e que se preocupava comigo, andou a vida inteira comigo. Quando ia para a Ásia, ela ficava na Madeira, mas sempre que precisasse, ligava e ela atendia o telefone nem que fosse às quatro da manhã. A Luísa deu-me muita força e ajudou-me a tornar-me na pessoa que sou hoje. E o meu irmão Ricardo também. É o presidente da Associação Garouta do Calhau. O Ricardo sempre ajudou todas as pessoas carenciadas. Aliás, nós os três fazíamos coisas para vender e ajudávamos em casa. Mas o Ricardo sempre protegeu muito as crianças e os idosos. Hoje, na Associação, já temos um centro de Alzheimer; seis centros de dia com 600 pessoas, o que para a Madeira é algo grande; e, agora, estão a fazer um centro de noite. Todo o trabalho extra que faço, ou palestras, é para ajudar a Garouta do Calhau e também outras associações noutros países onde fazemos hotéis.
Nunca deixará de ser a «garota do calhau»?
Quando eu era miúda e via os miúdos, os garotos do calhau, que eram os que andavam nas pedras nas praias, eu queria ser uma deles. Assim, andava todo o dia na rua. A minha mãe dizia-me: «Não, tu tens de apreender», mas eu queria era ir para a rua. E, se me portasse mal, ela dizia-me: «Pareces uma garota do calhau». Quando cresci, fiz a minha primeira exposição de flores, com as quatro estações. E um amigo meu disse-me que aquilo não tinha nada que ver comigo, que devia era dedicar-me a uma coisa só minha. Foi aí que surgiu a ideia de pintar calhaus e isso ajudou a intitular-me como a ‘garota do calhau’, que foi uma das coisas que eu sempre quis ser. Comecei a pintar calhaus e, mais tarde, dei o nome à associação Garouta do Calhau (que antes se chamava Centro Comunitário e Desenvolvimento do Funchal). Aos 50 anos, o meu irmão ofereceu-me os estatutos de uma fundação, mas depois era tudo muito complicado, e eu disse-lhe que não precisava de uma fundação, porque eu só queria ajudar. Por isso, como já existia a associação do Funchal, apenas lhe dei o nome e fiquei feliz da vida.
«O meu pai, antes de morrer, disse-me ‘nunca deixes de ser quem és’»
Como seria a casa ideal para si?
Eu gosto da minha casa. Não é grande, mas tem um jardim e tem o Oceano Atlântico à frente. Quando acordo, abro a janela, só vejo o mar. Gosto de viver na minha casa. Se é o projeto de arquitetura ideal? Não, não é. Podia fazer um projeto muito mais bonito do que aquele, mas eu sinto-me muito feliz ali. O lugar ideal é onde nos sentimos felizes. Mas se arranjasse um terreno, assim em frente ao mar, aqui na Madeira (eu adoro as pessoas, adoro o mundo inteiro e todos os sítios a que já fui, mas eu pertenço aqui), pediria ao arquiteto Carvalho Araújo para me fazer a casa, com um só quarto, um loft todo aberto, atelier e cozinha. Gosto da minha casa, mas gostava de ter essa também.
Da Ilha da Madeira, conquistou o mundo. Esse foi sempre foi o seu sonho?
Queria muito. Tinha um amigo meu, o Horácio Roque, que me dizia sempre: «Nini, as oportunidades da vida vêm para todos, há uns que as agarram, e há outros que não». Fiquei sempre com essa frase. De facto, é preciso muito trabalho. Acho que só se consegue quando se passa para lá do cansaço, mas depois há pessoas que, quando estão cansadas, param. É preciso muita dedicação, seja em que profissão for. Há pessoas que foram muito mais felizes tendo filhos, tendo família; outros são mais felizes do que eu e não fizeram nada. Eu sou feliz fazendo.
O que tem de tão maravilhoso a Madeira?
Ainda há dias estava sentada no exterior da casa de uma amiga. Falávamos do tempo. Não havia uma nuvem, não havia mosquitos, nada. De facto, quando viajo para tantos países, que são fantásticos, há mosquitos, há muito calor, ou não se pode estar lá fora; a Madeira tem um clima espetacular, e nem sempre as pessoas dão valor. Adoro a Madeira. Sou a pessoa que vende melhor a Madeira.
Como lida com o medo de andar de avião?
Enfrentando. Uma pessoa vem ao mundo para fazer coisas, não posso ficar aqui parada só porque tenho medo. Mas tenho medo. Aliás, dos aviões toda a gente sabe que tenho, mas eu passo a vida nos aviões (risos). E acontecem coisas giras também. Numa viagem de regresso do Brasil, vinham três advogados juntos, dois à frente e um ao meu lado que, muito educadamente, se virou para mim e disse: «Já que vamos dormir juntos, vou-me apresentar» (risos). Achei tanta graça.
E escreveria um livro com esses acontecimentos?
Escreveria muita coisa. Tenho outra para contar. Um dia, no avião, ia sentado ao meu lado um senhor, que começou a falar, a falar, a falar… Ele ia para a Índia, eu também... Ele era indiano. Viajávamos em 1.ª classe. Passado um bocado, ele diz: «Se não comeres, dás-me a tua comida?». Eu pensei: «Em 1.ª classe e vai jantar a comida dos outros? Que estranho». Então, perguntei-lhe: «Porque é que faz isso?», ao que ele respondeu: «Quando chegares lá fora, vais perceber». Percebi que ele recolhia a comida para dar aos mais necessitados que estavam lá fora, à espera, no aeroporto. Maravilhoso.
E que título daríamos ao seu livro?
«Ela». Porque no atelier, quando estou a chegar, eles dizem: «Ela já chegou, ela vem aí». Já não sou a Nini Andrade Silva, sou «ela». Eu sei escrever, mas depois não sei escrever bem para um livro.
Mas isso era fácil de resolver…
Fazia consigo. Eu gostava. É isso, eu quero fazer um livro chamado «Ela» (risos). Temos de pensar nisso.