O mundo atravessa uma época crítica em relação à economia e ao bem-estar social. Ninguém estava à espera de que, em meia dúzia de meses, os países fechassem as portas e, com isto, não houvesse circulação de pessoas e mercadorias que geram receitas. Em Portugal, o Executivo desdobra-se em iniciativas que minimizem os impactes económicos e sociais da pandemia do novo coronavírus, enquanto tenta manter empresas e postos de trabalho. Pedro Siza Viera, Ministro da Economia e da Transição Digital, e número dois do governo, perante este cenário inesperado, assumiu à Villas&Golfe que o país, e todos nós, teremos dificuldades pela frente. Já que está passada a fase mais crítica, o foco, agora, é a retoma da economia.
Atravessamos um momento que não esperávamos. Será possível uma avaliação, ainda que prematura?
Não são conhecidas, ainda, as projecções que o Governo apresentará para o PIB, desemprego, défice e dívida do Estado, em 2020. Mas, de acordo com os últimos dados do INE (Instituto Nacional de Estatística), a economia contraiu 2,4%, em termos homólogos, no primeiro trimestre, em que se sentiram os efeitos do confinamento e a redução significativa das exportações, pelo fecho dos mercados externos. E, apesar de os dados de Maio serem ainda escassos, permitem supor que a economia iniciou um processo gradual de recuperação. A forte e rápida resposta das empresas, aos apoios lançados pelo Governo, revela o espírito de resiliência e a intenção de sobrevivência, por parte dos empresários. Estamos, por isso, focados nos próximos meses, que dependerão do progresso da pandemia e do êxito do levantamento gradual das medidas restritivas, tanto em Portugal, como na União Europeia.
Hotelaria, restauração e similares é dos sectores mais afectados. Haverá compensações extraordinárias, se a reabertura no modelo previsto não funcionar?
O Governo tem estado a trabalhar com o sector na criação de condições de recuperação o mais activamente possível. A criação do selo Clean and Safe tem sido um poderoso instrumento de comunicação internacional de Portugal como destino seguro. Lançámos o «Programa Adaptar», que apoia, a fundo perdido, as despesas que as empresas têm tido. O objectivo de reabrir a economia não pode colocar em causa o controlo da pandemia. Temos de estar preparados para monitorizar o impacto do desconfinamento e, se houver um agravamento sanitário, poderemos recuar e os apoios poderão ser revistos.
«A forte e rápida resposta das empresas aos apoios lançados pelo Governo revela o espírito de resiliência e a intenção de sobrevivência»
O sector automóvel tem também grande impacto na economia. Foram aqui previstas alterações ao Plano de Recuperação da União Europeia?
Sim, tem, de facto, um peso muito significativo em Portugal, sendo o principal sector exportador de bens. O Plano de Recuperação da UE permitirá, ao que tudo indica, que os diferentes países consigam acomodar as necessidades do seu tecido empresarial, o que, no caso português, corresponde a uma especial atenção aos sectores que detêm muito emprego, valor acrescentado e capacidade de exportação, como o automóvel.
Está pensado o prolongamento do lay-off simplificado para as empresas que dependem do turismo e outras?
A medida do lay-off simplificado foi essencial na fase de confinamento da economia, para preservar a capacidade produtiva das empresas e proteger o emprego. Na fase em que agora entramos, deve ser substituído por um mecanismo para apoiar a actividade empresarial, em lugar de financiar a suspensão do contrato de trabalho. Isso não impede que o lay-off simplificado seja mantido nos sectores ou actividades em que a interdição se mantenha ou estejam mais expostos à procura externa.
Ao que parece, o apoio à liquidez das empresas pode chegar a 13% do PIB. Em que medida isto nos pode afectar, caso a retoma das actividades não seja o esperado?
As medidas de apoio à liquidez das empresas são indispensáveis, para que preservem o seu potencial produtivo e sejam capazes de responder à procura, quando esta se restabelece. Se não as tivéssemos disponibilizado, provavelmente, não iríamos ter a retoma que poderemos ter.
«A prosperidade europeia é a chave para a economia portuguesa»
O número de desempregados aumenta todos os dias. Vai haver alguma medida excepcional, como um novo modelo ao rendimento mínimo?
Agora que entramos em fase de estabilização da nossa situação económica e social, o desemprego e outras situações de perda de rendimentos vão persistir por mais alguns meses e, por isso, aprovámos um plano de estabilização que responde de forma mais abrangente a estes problemas.
Poderá, este momento, ser ideal para se fomentarem políticas mais incisivas no interior de Portugal combatendo a desertificação?
A coesão territorial é um desígnio estratégico e deu origem à criação de um novo ministério. Ao longo dos últimos anos, foram criados incentivos à fixação de empresas e pessoas no interior, existindo também diversos apoios financeiros à criação de emprego e ao investimento, mas o seu aproveitamento não tem sido muito intenso. Contudo, a experiência do teletrabalho demonstrou que é possível ter uma carreira profissional sem estar na empresa. O confinamento levou a valorizar os grandes espaços e habitações mais amplas e estes factores podem levar mais pessoas a valorizar a hipótese de trabalhar no interior, onde existe maior qualidade de vida, custos de instalação mais baixos e equipamentos sociais de qualidade.
«Perante o colapso da procura, a resposta não é a austeridade, mas antes um novo impulso na procura»
Se a resposta da UE for austeridade, disse: «vamos perder uma década». O que se pode fazer para contrariar? Diminuir despesas? E o aumento de impostos pode acontecer?
A resposta da UE, claramente, não é a austeridade. Numa conjuntura em que todos os países europeus são afectados da mesma maneira e a livre circulação de pessoas e mercadorias fica afectada, é o próprio mercado interno que colapsa. A prosperidade europeia é a chave para a economia portuguesa, é para a UE que escoamos 75% das nossas exportações. Também os países mais ricos, Alemanha e Holanda, encontram na União o destino da maioria das suas exportações. Assim, a reconstrução económica da Europa é do interesse próprio de todos os Estados Membros. E, perante o colapso da procura, a resposta não é a austeridade, mas antes um novo impulso na procura.
Os apoios às start-ups podem criar um estatuto diferente em relação a outras empresas que criam muitos empregos?
Portugal tem vindo a reforçar o seu posicionamento, enquanto referência nas áreas de Inovação e Tecnologia. Assim, em tempos excepcionais, o Governo não poderia deixar de apoiar este ecossistema de empreendedorismo, tendo anunciado, no final de Abril, um conjunto de cinco medidas num valor global superior a 25 milhões de euros. Neste contexto de pandemia, as start-ups podem ainda recorrer a dois apoios, já em vigor, que foram adaptados para respostas mais efectivas.
Em relação à TAP, poderá o Governo regredir e tomar as rédeas da empresa contra as tendências europeias de gestão privada? Admite financiar a transportadora sem nacionalizar?
No momento em que respondo a esta entrevista [28 de Maio], o Governo e a TAP encontram-se em discussão sobre o futuro da transportadora e não devo agora antecipar cenários. A TAP é uma empresa estratégica para Portugal e o país deve procurar criar condições para a preservar.
«Houve sectores e empresas que, pelas suas especificidades, conseguiram aproveitar a alteração causada pela pandemia para se reinventarem»
Quanto tempo será necessário para a recuperação económica, se o número de casos do novo coronavírus se mantiver em números aceitáveis?
Os cenários nacionais e internacionais apontam para que, no final de 2021, a economia do país se encontre próxima da situação em que estava em 2019.
Para incrementar a economia, seria possível rever, para melhor, o regime dos vistos Gold, agora que precisamos de mais pessoas a trabalhar, consumir e investir em Portugal?
As autorizações de residência para investimentos mantêm-se em vigor. Restringiu-se, é certo, a possibilidade de serem atribuídos os chamados vistos Gold pela aquisição de imóveis nas áreas metropolitanas de Lisboa e Porto. Mas, já nos anos anteriores, estes pedidos tinham um valor diminuto, menos de mil pedidos. Portugal tem capacidade de atrair residentes e investidores independentemente deste instrumento.
Qual a sua maior preocupação como ministro, perante a população?
Sabemos que não seremos os mesmos no pós-Covid-19. A economia também não. Há empresas que vão ficar pelo caminho e empregos que vão desaparecer irremediavelmente. Esperamos, e continuaremos a envidar esforços nesse sentido, procedendo à criação de mecanismos que visem a capitalização e recuperação das nossas empresas viáveis que, em virtude de uma situação extraordinária e extemporânea, se encontram ameaçadas. Estas empresas serão a base da economia que permitirá responder ao relançamento da procura mundial e que criará novos empregos em Portugal. Destacando, desde já, que houve sectores e empresas que, pelas suas especificidades, conseguiram aproveitar a alteração causada pela pandemia para se reinventar, continuar a exportar, reter e formar novo talento, apoiar os seus colaboradores e, num curto espaço de tempo, superar o desafio da transformação digital.