Sente que os seus alunos gostam
de si e das suas aulas?
Tenho
muitas coisas indirectas, de inquéritos e tal, em que sou considerado um tipo
que acha graça a ensinar…tenho muitas vezes prémios que são cómicos. Já fui
considerado o professor que se vestia pior na faculdade de medicina e deram-me
um vale para ir às compras (
risos).
Não tenho nenhuma razão de queixa da recompensa que tive como professor em
relação à maneira como os alunos me avaliavam. Há anos que nós fazemos
inquéritos anónimos aos alunos, sempre achei que se devia fazer. Para aí há 20
anos, tive um dos inquéritos que era super positivo, que nós éramos sérios, que
cumpríamos, que as aulas eram bem estruturadas, mas tínhamos uma queixa: «o
professor Sobrinho Simões, que toda a gente diz que sabe tanto, dá umas aulas
tão pobrezinhas» (
risos) e eu fiz um
slide. A minha grande aspiração é que as
pessoas percebam e, portanto, não faço
slides
muito complexos. Acho que tive algum papel numa desmistificação que em Portugal
havia sobre o que era cancro. O que é que as pessoas falavam do cancro e como é
que falavam, exactamente porque consigo explicar as coisas com palavras
simples.
E nesse caso, na luta contra o
cancro…
Que
é assustadora para as pessoas, por causa dos elementos psicológicos, não é pela
realidade. Nós, apesar de tudo, morremos menos de cancro do que de acidentes
vasculares cerebrais, o que é impressionante. Repare, o cancro está a aumentar
em Portugal, como está a aumentar em todo o Mundo, mas nós estamos a morrer
menos de cancro. Já tratamos mais, diagnosticamos mais precocemente, temos mais
eficiência. Nós estamos tão bem como os outros países da Europa ocidental. Já
diminuiu a mortalidade. Repare que estamos a passar de 50 mil novos casos por
ano para 60 mil e a mortalidade tem-se mantido nos 25 mil ou a baixar. Se
reparar, se forem 25 mil de 60 mil, já significa que nós já controlamos em
muito mais de metade, o que é muito bom.
Mas controlamos de mais? Chegou
a dizer que há cancros que deveriam ser deixados sossegadinhos.
Sim,
mas isso é outra coisa. É preciso ter muito cuidado porque eu sou muito a favor
da prevenção e do diagnóstico precoce por rastreio. Mas não é a mesma coisa
rastrear uma pessoa de 40, 50 ou 60 anos, ou começar a rastrear velhinhos de 80
ou 90.
Não vale a pena?
Vale,
mas é preciso ter muito bom senso. Na maior parte dos casos quando, numa pessoa
de idade, mais de 80 anos ou 85, encontramos pequenos tumores, eles nem merecem
a palavra de micro cancros porque não vão dar chatices. Portanto, é indecente a
um senhor de 85 anos tirar-lhe a próstata porque ele tem dois ou três micro
tumores e ele iria normalmente morrer antes de ter chatices. Quem diz isso diz
o mesmo da tiroide. Há muitos nódulos pequeninos na tiroide que não interessa
nada tirar, pelo amor de Deus!
Acha que tem ajudado a
sociedade a perceber que o cancro é mau mas pode acabar por ser uma corrida que
termina bem?
Sim,
o cancro é controlável, por isso acho que sim, mas isso no meu pequeno mundo e
porque temos gente muito boa. Eu tenho a trabalhar comigo pessoas que já são
muito melhores que eu no diagnóstico de muitos tipos de cancro. Em cada cancro
que diagnostico digo que não é cancro a dez casos mais. A relação benigno e
maligno da tiroide é de dez para um, portanto eu não diagnostico só cancro,
diagnostico, em dez pessoas, um que é um cancro que tem de ser tratado e nove
que sossego porque eu digo que não têm cancro. O diagnóstico de cancro, apesar
de tudo, é uma excepção em relação aos diagnósticos que fazemos de não cancro.
Faz sentido? E para mim é muito bom. Eu nunca gostei de ser médico porque eu
tenho muita pena dos doentes. Eu tenho pessoas na família que são clínicos
oncológicos e que a determinada altura têm de dizer às pessoas que têm uma doença
que é potencialmente mortal. Isso desgraçava-me. Eu nunca gostei de ver doentes
e gosto muito de dar boas notícias.
Gostaria de deixar a sua marca?
Para
mim o ensino é de longe a minha actividade mais recompensadora. Encontro muito
mais recompensa no ensino, com os alunos de medicina, com os internos e
patologistas, do que em actividades de investigação só, ou de diagnóstico.
Porque tem um retorno mais
positivo?
Muito
mais positivo e muito importante do ponto de vista dos efeitos futuros.
Porque deixa obra?
Porque
se deixam pessoas.
Que é uma coisa de que gosta?
É
a coisa que mais gosto de fazer. Aí diminui-me a tristeza de confirmar cancros
malignos. Eu faço diagnóstico e treino pessoas a fazer diagnóstico. Isto é a
coisa mais engraçada que há em termos de quem gosta de deixar uma memória,
porque é a memória das pessoas. Eu acho muita graça a escrever pappers. E gosto muito de ser citado,
essas vaidadezinhas mundanas (risos).
Mas os pappers morrem, têm um período
de vida. As pessoas que a gente treinou ficam.
Isso das memórias significa que
gosta de tirar fotografias?
Não,
não gosto. Gosto de memorizar.
Mas depois não consegue
memorizar tudo…
Não…
E, depois, acho muita graça que quando me mandam fotografias eu reconstruo
aquela memória. Mas não tiro fotografias. Não tenho gadgets nenhuns, se tivesse perdia-os. Eu já me vejo à rasca com os
óculos e o tablet. A fotografia é
predadora, mas ao mesmo tempo fixa a memória. Eu uso muito isso hoje quando
quero escrever coisas do meu avô de Arouca ou da minha avó de Bombarral e vou
buscar fotografias aos álbuns da minha mãe. E a partir das fotografias eu
lembro-me de situações. Acho muito engraçado, mas não tenho vida para isso.
Olhando para a sua vida, e sendo alguém que
ganhou tantos prémios, tirou notas tão altas e está tão habituado ao sucesso, em
que é que acha que merecia nota negativa?
Em
muitas coisas. Primeiro na irascibilidade. Não se admite que um tipo da minha
idade, adulto, perca a cabeça quando tem uma contrariedade. Não gosto de ser
contrariado e não gosto de fazer burrices. Eu lido muito mal com os meus
falhanços. A primeira coisa em mim a que eu dava logo negativa era a minha
incapacidade de ter bom senso e boa educação perante uma grande contrariedade.
A outra que tenho é eu ser muito eficiente em termos de dia-a-dia, faço imensas
coisas, dou cabo da vida às pessoas, sou muito egoísta, as pessoas à minha
volta trabalham que se matam, é assustador. Porque eu depois sou um rolo
compressor, é outro aspecto negativo. Outro de que sou muito acusado na família
é eu fazer muitas coisas. Para a minha geração, eu ajudava muito mais em casa
que os meus colegas. Eu punha a mesa e levantava a mesa e punha os pratos na
máquina, etc. Ficava com as minhas crianças, com os meus filhos uma vez por
semana e nunca os fui pôr a casa dos meus pais ou dos meus sogros. Dava-lhes de
jantar, davas-lhes banho. Iam era muitas vezes, coitados, com os fatos
trocados. A minha filha chorava muito porque não ia com as coisas que queria
porque eu não sabia que vestido é que ela queria levar, mas eu fiz sempre isto
com pouco envolvimento afectivo. Quer dizer, eu lembro-me pouco dos meus filhos
pequenos, lembro-me mal das casas onde vivi. Não faz sentido, eu tenho vergonha
disso. As pessoas como eu, que fazem muitas coisas e têm muitos pequenos sucessos
e não sei quê, fazem-no à custa de uma eficiência muito grande,
responsabilização total – não dei chatices, não deixei de cumprir –, mas não há
envolvimento afectivo. Estava a mudar fraldas às crianças e estava a pensar
noutras coisas. Eu só acho graça aos meus filhos a partir da altura em que eu
passo a interactuar com eles como adultos. Depois adorei sempre – porque a
minha mulher não queria ir comigo para o estrangeiro, porque eu trabalhava
muito – o facto de eles começarem a ir comigo. E eu tenho viagens do outro
mundo com os meus filhos por toda a parte, mas é quando eles já eram
interlocutores. Não acho graça nenhuma à criança pequena. É uma coisa negativa
(risos). Se tivesse ligação afectiva
isso provavelmente me tirava a capacidade de fazer mais, e mais depressa. É uma
limitação e senti sempre isso com os meus filhos.
«Tenho tido muita sorte no sentido de ter uma repercussão
positiva a nível nacional»